quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

STF DEU CHEQUE DE 82 BILHÕES PARA EMPRESÁRIOS DESCONTAREM JUNTO AO GOVERNO


(Por Roberto Rodrigues de Morais)

A Súmula Vinculante OITO do Excelso Supremo Tribunal Federal chegou como um cheque de 82 bilhões em favor dos empresários, prefeitos e gestores do terceiro setor, que precisam aprender como agir imediatamente para descontá-lo junto a Receita Federal do Brasil e Procuradoria da Fazenda Nacional. A questão não é de informação, mas como tratar a informação recebida.
E parece que, neste aspecto, os Prefeitos de todo o País, preocupados com as eleições municipais, não perceberam que podem estar incorrendo em crime de responsabilidade pela omissão, pós Súmula Vinculante OITO, por continuarem concordando com os pagamentos, a cada mês, de valores contaminados pela decadência e/ou prescrição, contidos nos parcelamentos das dívidas previdenciárias.
Foi divulgado, no DJU de 20/06/2008, que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a Súmula Vinculante de nº. 08, que deverá obrigatoriamente nortear os julgamentos administrativos e os judiciais. Á partir daí, valores pagos indevidamente nos parcelamentos vigentes começam a gerar créditos dos contribuintes contra o Governo.
Em tempos de juros crescentes, faz-se necessário agir no sentido de expurgar os valores caducados e/ou prescritos contidos nos valores em aberto junto à Receita Federal do Brasil ou Procuradoria da Fazenda Nacional, evitando descapitalização das empresas ou a continuidade da responsabilidade dos gestores públicos pela omissão.
No caso in comento, havia uma discussão pendente no STF a respeito da inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/1991 que previam prazos de 10 anos para que a Previdência Social lançasse e cobrasse dívidas dos contribuintes. O Código Tributário Nacional prevê que esses prazos (arts. 173 e 174) são de CINCO anos e o CTN foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como Lei Complementar. De um lado, a legislação previdenciária, exigindo dez anos; do outro, o CTN determinando cinco anos. O STF foi chamado a colocar um ponto final na controvérsia, que vinha dede 1991.
Na decisão plenária foi reconhecido que "apenas lei complementar pode dispor sobre normas gerais - como prescrição e decadência em matéria tributária, incluídas aí as contribuições sociais."Os ministros aprovaram a Súmula Vinculante número 8, sobre o tema julgado, que passa a vigorar com a seguinte redação: "São inconstitucionais os parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário". Portanto, a partir de 20/06/2008 tanto o Poder Judiciário como a Administração Pública - Leia-se Receita Federal do Brasil, 2º Conselho de Contribuintes/MF e Procuradoria da Fazenda Nacional - estão sujeitos a cumprir o preconizado na Súmula Vinculante OITO toda vez que tiverem que decidir e/ou agir em casos envolvendo decadência e prescrição das Contribuições Previdenciárias.
Mas não agirão de ofício; terão de ser provocados pelos contribuintes interessados. O montante de 82 bilhões deve ser deduzido dos valores devidos ao INSS. Um pedaço desse cheque pode estar dentro das dívidas de cada empresa, prefeitura ou entidade do terceiro setor. Deverão sofrer correção tanto os feitos tramitando nas impugnações e nos recursos administrativos, quanto os que estão escritos em Dívida Ativa, com ou sem execução fiscal, uma vez que inverteu a ordem dos valores: as Certidões de Dívida Ativa, que gozam da presunção de certeza e liquidez, agora se presume ilíquidas e incertas. Os valores objetos de parcelamentos (REFIS, PAES e PAEX ou os outros parcelamentos) em curso na RFB e/ou na PFN também sofreram os efeitos da Súmula Vinculante nº. 08 do STF.
Cabe ao gestor contábil e tributário, de cada contribuinte, agir imediatamente, não somente para detectar esses valores como também evitar que continuem sendo obrigados às penhoras indevidas - casos de débitos em fase de cobrança judicial - ou pagando parcelamentos com possíveis valores, embutidos nas parcelas mensais, fulminados pela decadência. Temos proferido palestras, apresentado seminários e cursos em várias capitais e algumas dúvidas mais comuns que nos apresentaram são a distinção entre prescrição e decadência, pois ambos os institutos de direito tiveram prazos reduzidos pela Súmula Vinculante OITO do STF e o fato de terem confessado os débitos em parcelamentos, abdicando-se das discussões judiciais, por exigência legal na época das opções pelos planos que lhes foram oferecidos pelo Governo.
Doutrinariamente, a DECADÊNCIA é conceituada como sendo o perecimento do direito por não ter sido exercitado dentro de um prazo determinado. É um prazo de vida do direito. Não comporta suspensão nem interrupção. É irrenunciável e deve ser pronunciado de ofício. PRESCRIÇÃO é a perda do direito à ação pelo decurso de tempo. É um prazo para o exercício do direito. Comporta a suspensão e a interrupção.
É irrenunciável e deve ser argüida pelo interessado, sempre que envolver direitos patrimoniais. (exceto intercorrente). No Direito Tributário, a distinção entre prescrição e decadência não oferece discussão, porque existe o instituto do lançamento, que é o marco divisor entre um e outro: Antes do lançamento só se pode falar de decadência; Após o lançamento aí só podemos trabalhar com a prescrição. E o lançamento pode ter sido feito por iniciativa do fisco, através de NFLD ou AI e pelo contribuinte, através Lançamento de Débito Confessado.
Vale ressaltar que a DECADÊNCIA é um instituto de DIREITO de cunho público, não disponível, que pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer fase do processo ou instância judiciária (inclusive em parcelamentos confessados). A confissão, acompanhada da renúncia do direito de discutir judicialmente, NÃO prevalece sobre a decadência. Verificar se ocorreu a decadência é simples: Até a data da NFLD (Notificação Fiscal de Lançamento de Débito) e AI (Auto de Infração) lavrados pela fiscalização ou data da LDC (Lançamento de Débito Confessado pelo contribuinte), conta-se 5 anos retroativo para a DECADÊNCIA.
Retroagindo mais (entre os CINCO e até 10 anos retroativos) os débitos foram fulminados pela decadência. Terão que ser baixados na dívida ativa do INSS e/ou expurgados dos parcelamentos em andamento (REFIS, PAES, PAEX ou outro). Como a súmula vinculante OITO foi publicada em 20/06/2008 daí em diante todos os órgãos do Judiciário e da Administração Pública - leia-se Receita Federal do Brasil e Procuradoria da Receita Federal - têm que decidir e agir de acordo com o preceito da citada Súmula.
Se ocorreu a DECADÊNCIA (total) não há Crime Tributário, segundo STJ. É salutar o exame da existência de processo criminal em andamento. Muitas vezes o empresário não sabe que está sendo processado, nesses casos. Débitos com decadência levam à extinção do processo criminal. Agir em consonância com o Advogado Criminalista, se já estiver atuando nos autos do processo criminal.
Quanto a Prescrição, por ser mais complexa, terá que examinar cada caso. Enfim, em qualquer fase em que se encontram os débitos de cada devedor, o gestor tributário deve agir para diagnosticar cada situação e peticionar REQUERENDO a aplicação imediata da SÚMULA VINCULANTE 08 do STF, caso haja parcelas (ou o todo) fulminadas pela DECADÊNCIA (nova contagem de prazo) ou mesmo prescrição. O contribuinte teve utilizar-se do MANDADO DE SEGURANÇA (sem depósito, pois não há mais débitos controversos), com pedido de liminar para SUSPENDER DESCONTO BANCÁRIO DO PARCELAMENTO (prefeituras) ou o pagamento das parcelas, até que a RFB ou PFN exclua as parcelas indevidas (decadência e/ou prescrição), voltando (se for o caso de redução parcial) aos descontos do valor residual. A LIMINAR é cabível, pois há o perículun in mora e mais que o fumus bonis iuri (fumaça do bom direito) pois só restou cinzas do direito caducado da Previdência Social dos seus antigos créditos com mais de 5 e até 10 anos retroativos, fulminados pela decadência.
O Poder Público não vai bater às portas das empresas, prefeituras ou entidades do terceiro setor, oferecendo descontos nos débitos em aberto.Cada contribuinte precisa tomar iniciativa de provocar a RFB, a PFN e o Judiciário, para descontar parte do cheque ofertado pelo Supremo Tribunal Federal.

* Roberto Rodrigues de Morais, Especialista em Direito Tributário, Ex-Consultor da COAD. Autor do livro online Reduza Dívidas Previdenciárias.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - UMA MAL INVESTIGAÇÃO SENTADA

MP-SP explica como funcionam (mal) as interceptações

(Por Claudio Julio Tognolli)

Um documento de 18 páginas, timbrado pelo Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (Gecep), do MP paulista, traz apontamentos temerários sobre como a Polícia Civil de São Paulo faz uso dos grampos com autorização judicial. São oito pontos elencados pelos promotores Márcia Montenegro, Fábio Bueno e Luiz Antonio Nusdeo.

O documento revela que a polícia obtém autorizações judiciais para grampos praticamente enganando os magistrados: ora fornecendo dados falsos e incompletos sobre os investigados, ora promovendo escutas sem existência de inquérito policial.

Revela também que os investigados não tomam conhecimento, para fins de defesa, das provas produzidas contra eles com as interceptações. Pelo documento, também depreende-se que a polícia de São Paulo não mais investiga: só faz escutas.A propósito, os signatários do documento chamam de “investigação sentada” a todo esse conjunto de irregularidades funcionais.

Obtido com exclusividade pela revista Consultor Jurídico, o documento é tido e havido como a melhor investigação já feita em São Paulo sobre as interceptações tocadas pela polícia. Os promotores ressaltam: os oito pontos ali elencados, que mostram o quão deficiente é a maioria (sic) das investigações policiais baseadas em grampos, levaram mais de dois anos para serem coligidos. “Sem controle eficaz sobre as demandas da polícia para quebra de sigilo dos telefones e, depois, sobre o que realmente fazem os agentes com as linhas abertas para as escutas, está se cristalizando uma prática que enfeixa em mãos de agentes públicos poderes excepcionais que se confrontam com as garantias fundamentais asseguradas pela Constituição”, escreveram.

Para eles, a concessão de autorizações judiciais para quebra de sigilo telefônico como instrumento de investigação “passou a alimentar a lei do menor esforço e tem sido aplicada antes de se esgotarem ou de se aplicarem em concomitância os recursos regulares, como a investigação propriamente dita. Muitas vezes, inclusive, é usada até como único método de investigação”.

O documento foi gerado a partir de acusações sustentadas contra dois policiais civis, que sob o pretexto de investigar um suposto membro do Primeiro Comando da Capital, o PCC, passaram a grampear os telefones particulares do advogado Roberto Podval.

Veja um resumo dos oito pontos do documento, com os títulos originais dados pelos promotores do (clique aqui para ler o documento do Gecep):

A primeira questão que se apresenta: falta de identificação do titular da linha que se pretende interceptar

“Os números das linhas — na maioria das interceptações telefônicas autorizadas pelo Dipo — provêm de denúncias anônimas; de informantes habituais da polícia, não identificados ou são passadas por presos em flagrante, que informalmente resolvem passar alguma informação à polícia. De posse dessas informações, os senhores Delegados de polícia solicitam autorização da Justiça para a interceptação telefônica e a obtêm sem apresentar dados cadastrais do titular da linha que pretendem interceptar. Na quase totalidade dos casos, os usuários das linhas telefônicas são apresentados pelas alcunhas com que são conhecidos no meio em que vivem, ou pelos prenomes apenas. Findas essas medidas, em regra, sequer são identificados. Na quase totalidade das representações policiais pela quebra, linhas telefônicas são interceptadas sem que a Justiça tenha a informação de quem é o titular da linha...Não se entende, assim, a razão de não apresentarem os delegados demandantes os dados cadastrais dos titulares das linhas telefônicas que se deseja escutar. A anexação dos dados cadastrais permitiria aos senhores Juízes uma decisão, no mínimo, mais segura”

A segunda questão: falta de fiscalização das escutas em tempo real

“Interceptada uma linha, o sinal é transferido à polícia, que passa a acompanhar as conversas. Em alguns casos, deferida a interceptação, informa a polícia que, findo o prazo da interceptação, a linha permaneceu muda durante todo o tempo...Em visita correcional ao Instituto de Criminalística, os promotores do Gecep verificaram que os peritos do Instituto enfrentam um problema sui generis: a realização da degravação de fitas e CD’s das escutas feitas pela polícia, mas que não contêm áudio”.

Terceira questão: interceptação telefônica sem inquérito policial

“Diminuiu consideravelmente nos últimos tempos o número de medidas cautelares de interceptação telefônica arquivadas pela Justiça a pedido da polícia, por resultado “infrutífero”...mas ainda existem aquelas que são levadas ao arquivo, sem que os fatos criminosos nela contidos tivessem sido investigados no bojo do inquérito policial regular e o que é mais grave: sem que os titulares das linhas interceptadas tivessem conhecimento de que foram alvos de interceptação...há casos, contudo, que sugerem que a polícia —driblando determinação judicial para instauração do inquérito policial — o instaura “pro forma”, sem nenhuma outra diligência além da interceptação telefônica. O destino desses “pro forma” é, em geral, o arquivo”.
Quarta questão: a falta de previsão legal que obrigue a polícia a dar ciência da medida aos titulares de linhas interceptadas

“Em quase 100% dos casos de interceptação telefônica, a polícia não providencia a oitiva dos titulares das linhas interceptadas”

Quinta questão: autorizada judicialmente a interceptação de uma linha, automaticamente aquelas que com ela se comunicarem terão o sigilo quebrado em relação ao acesso às Estações Rádio-Base e históricos de chamadas

“Em alguns procedimentos, as próprias operadoras de telefonia ingressam nos autos e alertam o Dipo para o risco da quebra de sigilo em série”.

Sexta questão: a interceptação telefônica como único meio de investigação

“Em flagrante desrespeito à Lei, o emprego indiscriminado da interceptação telefônica, como meio único de investigação, tem banalizado e enfraquecido um instrumento poderoso de investigação. Em regra, a interceptação telefônica não permite —desacompanhada de outros elementos de prova — sustentar o oferecimento de denúncia, inviabilizando condenações... Outro aspecto a ser salientado: examinados os inquéritos policiais a que se vinculam as interceptações telefônicas, o Ministério Público tem observado que muitos dos “inquéritos policiais” se reduzem a meras cópias das medidas de interceptação telefônica...Muitas das interceptações telefônicas apresentam-se como o único meio de investigação utilizado pela polícia. A mais recente forma de investigar parece ser a “investigação sentada” que, infelizmente, alguns delegados de polícia optaram por realizar”.

Sétima questão: o número excessivo de interceptações telefônicas e o encaminhamento do material ao Instituto de Criminalística

“O IC não vem suportando o número crescente de requisições da polícia de degravações de fitas... O IC está realizando atualmente degravações de escutas referentes ao ano de 2005 [Nota da Redação: dois anos antes deste documento ter sido escrito]. Sem medo de errar, pode-se afirmar que muitos dos inquéritos policiais e/ou processos-crime relativos às fitas ou CD’s para a degravação do ano de 2005 e 2006 já se encontram com decisão, sem a apreciação da prova obtida pelas interceptações. Além disso, as degravações, na grande maioria retardatárias, não passarão sob o crivo nem do Ministério Público, nem do Poder Judiciário, o que as torna obsoletas”.

Oitava questão: a implementação pelo Ministério Público de um programa de computador para maior controle das medidas de interceptação telefônica

“Verifica-se, na prática, que nem toda a Polícia Civil emprega a técnica da interceptação telefônica. Mas os delegados de polícia que a empregam acostumaram-se a elas. (...) O programa permitirá ao MP manifestar-se com maiores elementos, favorável ou contrariamente às sucessivas interceptações pelos mesmos delegados de polícia caso os resultados se mostrem sempre infrutíferos --o que, aliás, já se observa comumente”

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2008

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

JUSTIÇA ABSOLVE PORQUE POLÍCIA INVESTIGA MAL

(Por Daniel Roncaglia)

A Justiça absolve porque o inquérito é mal feito. A afirmação é do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, desta segunda-feira (15/12). Para o ministro, a sensação de frustração e de impunidade pelas decisões do Judiciário, na maioria dos casos deve ser creditada à polícia que produz operações pirotécnicas e relatórios com técnicas de romance: “As operações são feitas como uma ação de marketing”.

Gilmar Mendes explica que as denúncias não se sustentam quando submetidas ao contraditório. Segundo o ministro, os juízes devem julgar e não apenas condenar. “E é bom que seja assim para a segurança de todos. Hoje é seu inimigo, amanhã pode ser você”, afirma. O ministro citou o caso de integrantes do PCC que foram soltos pelo STF porque a Justiça de São Paulo extrapolou o prazo para ouvi-los.

Como exemplo de apuração mal feita, Gilmar Mendes também lembrou do pedido de prisão da repórter Andrea Michael, da Folha de S.Paulo, feito pelos delegados encarregados de investigar supostos crimes financeiros do banqueiro Daniel Dantas, na chamada Operação Satiagraha. O pedido foi rejeitado pelo juiz federal Fausto Martin de Sanctis. “Prisão preventiva de jornalista não acontecia nem no regime soviético”, afirma. Gilmar Mendes revelou que o próprio comando da PF, ao saber do pedido esdrúxulo (a jornalista fizera uma reportagem correta) procurou pelo juiz para apontar o exagero. A informação, disse, foi do ministro da Justiça Tarso Genro.

Outro exemplo foi a denúncia contra um juiz paulista que, por engano, informara em sua declaração de Imposto de Renda que possuia pouco mais de 9 mil dólares no Afeganistão. O erro derivara da digitação do código de país no formulário eletrônico — o que a própria Receita Federal informara ser um equívoco recorrente. Posteriormente a declaração foi retificada mas, ainda assim, a Polícia Federal e o Ministério Público mantiveram as acusações de evasão de divisas e sonegação.

Áudio do grampo

Na uma hora e meia do programa, apresentado por Lílian Witte Fibe e com participação dos jornalistas Eliane Cantanhêde (Folha), Carlos Marchi (O Estado de S.Paulo), Reinaldo Azevedo (Veja) e Márcio Chaer (Consultor Jurídico), o ministro teve oportunidade de debater ao vivo as polêmicas que marcaram o ano.

A apresentadora abriu o programa questionando sobre o áudio do grampo da conversa entre o ministro e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O ministro respondeu que não é ele quem deve apresentar o áudio. “Não me cabe demonstrar se existe áudio. Sou vítima desse processo”, afirma. Ele negou que o grampo tenha vazado do Supremo.

Gilmar Mendes afirmou, sem citar nomes, que a reunião da Polícia Federal, na qual o delegado Protógenes Queiroz foi afastado da Operação Satiagraha, mostra indícios de que o STF era alvo de uma operação de inteligência. “Que tipo de operação de inteligência é essa?”, questionou o ministro. Mais tarde, o ministro informaria o nome de um agente que se teria infiltrado no STF: Távora.

Na entrevista, o ministro explicou porque o pedido de Habeas Corpus do banqueiro Daniel Dantas ao Supremo Tribunal Federal foi julgado por ele logo após a prisão. “Há muita desinformação nessa questão”, afirmou, lembrando que a defesa do banqueiro entrou com o HC em abril logo depois que a Folha noticiou que havia uma operação contra o banqueiro. O processo passou por todas as instâncias e só foi julgado pelo STF depois que a prisão aconteceu.

Segundo o ministro, a segunda ordem de prisão, dada horas depois do HC, foi uma afronta à decisão do STF. “A ordem de prisão foi gestada durante a madrugada”, disse o ministro, lembrando que o De Sanctis mandou prender Dantas na mesma manhã em que ele foi solto a primeira vez.

O ministro reafirmou que o segundo pedido de prisão tinha os mesmos fundamentos do primeiro. No julgamento de mérito do HC, nove ministros manifestaram-se pela punição do juiz. No Roda Viva, Gilmar Mendes criticou inclusive como foi noticiado em alguns sites o segundo HC. “Como pode um delegado dar um drible da vaca em um ministro do STF?”

A jornalista Eliane Cantanhêde, da Folha, perguntou ao ministro por que Dantas ficou tão pouco tempo preso ao mesmo tempo em que um rapaz de 18 anos que tentou roubar o seu cordão de ouro em uma praia em Fortaleza e a pichadora Carolina Mota não conseguiram a liberdade. “Não vou responder a essa pergunta”, disse o ministro. Ele lembrou que a jornalista escreveu um texto em julho chamado “Cordãozinho de ouro”, em que faz o mesmo tipo de questionamento. Gilmar Mendes explicou para ela que os casos citados não chegaram ao Supremo e, por isso, não poderia ele julgar. “Não me cabe decidir sobre eles”, diz.

Jornalistas de aluguel

Questionado por Márcio Chaer, diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico, se quando fala de milícia jurídico-policial, na qual juízes, promotores e policiais atuam em sintonia, o ministro estaria também se referindo a jornalistas de aluguel. Gilmar Mendes explicou que não conhece casos concretos de jornalistas contratados por determinados grupos. “Mas, é claro que pode haver”, afirmou.

Sobre a atuação da imprensa e do Ministério Público, o presidente do STF citou o caso de Eduardo Jorge, ex-secretário-geral do governo FHC. Em 2000, ele saiu do cargo depois de ser crucificado em público injustamente. “Eduardo Jorge foi vítima da mídia e do Ministério Público”, afirmou Gilmar Mendes. Ele disse que se o secretário-geral tivesse sido preso na época do escândalo, o juiz que desse um HC a seu favor seria sacrificado.

Gilmar Mendes entende que existe diferença de acesso à Justiça para quem é rico ou pobre. No entanto, ele argumenta que o CNJ está trabalhando para eliminar a distorção. Como exemplo, ele cita os mutirões carcerários. “Nessa área ninguém vai me dar lição”, disse ao ser pressionado pela apresentadora. O ministro defendeu novamente o fortalecimento das Defensorias Públicas, mas afirmou que isso não basta. Como o país tem mais de 400 mil presos, mesmo que o número defensores fosse multiplicado por dez, o problema continuaria. “É uma tarefa de toda a sociedade”, afirma.

Lei de Anistia

Já o jornalista Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista Veja, perguntou sobre a ação que pede a revisão da Lei da Anistia. O ministro reafirmou que o texto constitucional é claro em dizer que o terrorismo é imprescritível. Questionado se as ações contra a Ditadura Militar podem ser consideradas terrorismo, o ministro preferiu se esquivar. “Quero que essa questão seja discutida na ADPF”, afirma.

Sobre as denúncias de corrupção contra juízes, Gilmar Mendes afirma que são casos episódicos passíveis de acontecer em qualquer classe. Para ele, a corrupção no Judiciário deve ser combatida e o CNJ está fazendo esse trabalho.

O foro privilegiado também foi novamente defendido pelo ministro. Até 2001, o Supremo não podia julgar parlamentares sem a autorização do Congresso, lembrou o ministro. A partir de então, ele diz que os processos contra as autoridades começaram a fluir. Para o ministro, o foro privilegiado é necessário para que se mantenha a governabilidade. “Imagine o presidente Lula respondendo a processos criminais em todo o país”, afirmou. Na primeira instância, segundo o ministro, é muito fácil ter uma denúncia aceita.

Gilmar Mendes ainda comentou no Roda Viva sobre os excessos das Medidas Provisórias, o poder de investigação do Ministério Público e a fidelidade partidária.

Raposa Serra do Sol

O presidente do STF explicou que as 18 condições que o tribunal deve impor às demarcações de terras indígenas são uma leitura crítica do texto constitucional. “A Constituição prevê certo ativismo judicial”, diz, ao classificar esse debate de velho. O STF teve que estabelecer condições sobre a questão indígena porque precisava dar uma resposta às diferenças de interpretação sobre o assunto.

O ministro foi questionado se irá entrar na carreira política. “Não pensei ainda”, afirma. Ele argumentou que ainda tem muito tempo de tribunal e que também tem uma atividade acadêmica. “Não tenho problemas de vagas”, afirmou.
Um telespectador questionou o ministro com base na revista CartaCapital, dizendo que os processos contra o seu irmão Chico Mendes, prefeito de Diamantino (MT), não chegam nem na primeira instância da Justiça de Mato Grosso. “Olha que desinformação. Se não chegaram à primeira instância, eles não existem”, ironizou. Ele se negou a responder a questão por entender que quem a publicou não tem seriedade.

Gilmar Mendes também comentou o debate intelectual entre os filósofos alemães Carl Schmitt e Hans Kelsen. O primeiro defende que o presidente é quem deve ser o guardião da Constituição, enquanto o segundo diz que deve ser um tribunal constitucional. “Esse pensamento do Carl Schmitt não se sustenta porque pressupõe uma unidade que não existe”, afirma. Carl Schmitt, que era um dos ideólogos do nazismo, foi citado pelo juiz Fausto de Sanctis em uma palestra.

Ele ainda explicou a tese da Constituição aberta, do alemão Peter Häberle. O Supremo vem adotando medidas que se encaixam nessa perspectiva como a adoção do amicus curie e das audiências públicas.

Sobre a chegada de sete ministros indicados pelo presidente Lula, Gilmar Mendes avalia que eles mudaram o tribunal, no entanto, entende que os antigos também estão fazendo uma releitura da Constituição. O decano Celso de Mello, por exemplo, evoluiu a sua posição sobre a prisão por dívida.

Ele ainda reafirmou que os direitos humanos são para todos, inclusive para pessoas que não são das mais elevadas. “A Madre Teresa de Caucutá raramente pede um Habeas Corpus.”

Segundo o ministro, o juízo constitucional deve tomar posições anti-majoritárias. “Não estou disputando um campeonato de popularidade”, afirma. Para ele, há um problema na estrutura do Judiciário já que 30% dos HCs são concedido pelo Supremo depois de passarem por todas as instâncias. “Há déficits que precisam ser concertados no Judiciário.”

Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2008

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

DE FATO UMA CORAJOSA E SINGULAR SENTENÇA SOBRE BATAGELA

De fato uma corajosa e singular sentença.

Despacho do JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA - Juiz de Palmas, Tocantins .....um ser humano de bom senso é motivo de aplausos sempre.....

DECISãO PROFERIDA PELO JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA NOS AUTOS DO PROC Nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:

A Escola Nacional de Magistratura incluiu, em seu banco de sentenças, o despacho pouco comum do Juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, em Tocantins.

A entidade considerou de bom senso a decisão de seu associado, mandando soltar Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, detidos sob acusação de furtarem duas melancias:

DECISÃO

'Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha,que foram detidos em virtude do suposto roubo de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito Alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário, apesar da promessa deste Presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia...

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra...

E aí? Cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas. Não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir...

SIMPLESMENTE MANDAREI SOLTAR OS INDICIADOS...
QUEM QUISER QUE ESCOLHA O MOTIVO!

Expeçam-se os alvarás de soltura.
Intimem-se'.

RAFAEL GONÇALVES DE PAULA
Juiz de Direito
FONTE: ESCOLA DE MAGISTRATURA DE TOCANTINS

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA DESAFIA MAGISTRADOS

Seria justo alguém ser preso pelo furto de uma capa e de um recarregador de celular no valor de R$ 50 ou ser condenado pelo furto de um boné no valor de R$ 30? Dilemas como esses chegam constantemente à Justiça e desafiam magistrados na aplicação de um princípio polêmico que é conhecido no universo jurídico como o da bagatela ou da insignificância.
Bagatela seria uma ninharia, um ataque ao bem jurídico que não requer nenhuma intervenção do Poder Público. Ela surge, de acordo com os estudiosos Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral, de forma significativa na Europa a partir do século passado, em meio a crises sociais decorrentes de duas grandes guerras. “O excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocaram um surto de pequenos furtos e subtrações de mínima relevância que receberam o nome de “criminalidade de bagatela”.
Seria a clara situação que motivou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a conceder o habeas-corpus a uma empregada doméstica que ficou presa 128 dias pelo furto de um pote de manteiga no valor de R$ 3,10 em um mercado da capital paulista. No caso, entre os motivos que justificavam a prisão na instância inferior, estava a intranqüilidade causada pelos pequenos furtos que assolavam a cidade. A punição deveria servir como exemplo a outros que se atrevessem a fazer o mesmo.
O relator, ministro Paulo Gallotti entendeu à época que a empregada era vítima de um perverso quadro social que não oferece oportunidades concretas de uma vida digna a ela nem a milhões de outros brasileiros. Esse perverso sistema talvez também tenha sido o motivo que fez dois homens levarem de um frigorífico seis frangos no valor de R$ 3,50 cada.
O STJ concedeu-lhes habeas-corpus com base no princípio da bagatela. Furto de supérfluos O caso da empregada é de relativa e fácil aplicação do princípio da bagatela, por se referir a um valor ínfimo e por se tratar de furto de alimentos. Contudo, chegam casos relativos a furtos de bens supérfluos que em nada justificaria a prática.
É o caso, por exemplo, de uma senhora que levou oito frascos de creme hidratante de um supermercado, caso de um processo levado ao julgamento da Quinta Turma. Nesse julgamento, apesar da concessão do habeas-corpus, ficou clara a falta de consenso dos ministros em relação ao tema, que é polêmico devido à falta de parâmetros específicos do que se entenderia por bagatela. A questão é decidida caso a caso, mas baseada no bom-senso dos magistrados.
O ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho demonstrou preocupação em relação a esse princípio, exatamente pelo temor de vê-lo funcionar como um exercício para uma pessoa começar a praticar grandes furtos. Um dos fatos que torna a aplicação do princípio da bagatela controvertido é que nem sempre os autos chegam instruídos com elementos acerca do estado de necessidade do réu ou da comprovação da não-reincidência da infração.
Em novembro passado, a Quinta Turma anulou uma decisão que condenou um rapaz de São Paulo pelo furto de um boné no valor de R$ 30. A pena inicial foi imposta em cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial semi-aberto. O Tribunal de Justiça de São Paulo desclassificou a conduta para furto qualificado e fixou a pena em dois anos de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.
No STJ foi aplicado o princípio da bagatela. Para a relatora do caso, ministra Laurita Vaz, a ação pode ser considerada irrelevante para a esfera penal, sobretudo porque o fato não causou qualquer conseqüência danosa. O bem foi restituído à vítima e o evento não produziu nenhuma ofensa aos bens jurídicos tutelados.
Maus antecedentes não evitam a aplicação do princípioNo universo das bagatelas, um bem de valor insignificante não é o mesmo que um bem de pequeno valor. O último recebe a penalidade prevista pelo parágrafo 2º do artigo 155 do Código Penal. Se o bem furtado apresentar “pequeno valor”, segundo uma decisão da Quinta Turma, a ação penal deve prosseguir normalmente. Foi o caso em que a Quinta Turma manteve a condenação de uma pessoa que furtou um talão de cheque no valor de R$ 60,00.
Foi a situação também de uma pessoa que levou uma garrafa de uísque de um supermercado. Ao contrário desses crimes considerados de pequeno valor, a Sexta Turma do STJ aplica o princípio da bagatela quando não há ofensa ao bem jurídico da vítima. Dessa forma, absolveu um homem que furtou um recarregador e uma capa de celular nos supermercados Carrefour, crime considerado de bagatela. Ele havia sido condenado a pouco mais de um ano de prisão em regime fechado pela tentativa de furto.
Os ministros consideraram que o valor dos bens, cuja soma alcançava R$ 54,60, não causou grandes danos patrimoniais ao supermercado. Se houve prejuízo, ele deveria ser reparado na esfera civil. A situação econômica da vítima é condição determinante para a aplicação do princípio da bagatela. Mas quase não se questiona a reincidência de quem cometeu o “delito”.
Um importante julgamento dividiu os ministros (HC 96929; Resp 827960) da Sexta Turma e fixou o entendimento de que maus antecedentes não impedem a aplicação do princípio da insignificância. A Sexta Turma inocentou um homem que também furtou um boné e, por isso, tinha sido condenado a um ano e seis meses de reclusão pela Justiça de Mato Grosso do Sul. De acordo com a relatora desse caso, desembargadora convocada Jane Silva, pode ser aplicado o princípio da insignificância ainda que o acusado tenha maus antecedentes.
A punição deve ter relação com o valor da conduta e com a lesão sofrida pela vítima. “O uso de dados pessoais seria aplicação inaceitável do que se chama direito penal do autor e não do ato, em que a decisão não está voltada ao fato, mas à pessoa [pelo que ela é]”. Significa que a punição deva ter relação com a conduta, e não com a pessoa.
A relatora concluiu na ocasião que não é finalidade do Estado encher cadeias por condutas sem maior significância que não colocariam em risco a sociedade. Esses presos, em contato com criminosos mais perigosos, revoltados, passariam a se aperfeiçoar no crime, o que faria com que retornassem constantemente à cadeia. Bagatela e atos de improbidade Pequenos desvios de conduta pública chegaram ao STJ com pedido de aplicação do princípio da insignificância. Entretanto, a Corte tem se posicionado no sentido de que esse princípio não pode ser aplicado para afastar condutas ditas como ímprobas.
A Sexta Turma em importante julgamento restabeleceu a condenação de um agente público municipal que utilizou carros e funcionários para fins particulares. O fato ocorreu em um município gaúcho. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul entrou com ação civil pública contra o chefe de gabinete do município que usou um carro oficial e o trabalho de três membros da guarda municipal para transportar utensílios e bens particulares.
O Tribunal de Justiça do estado havia aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que o dano foi apurado em R$ 8,47, valor do combustível consumido no percurso. O relator no STJ, ministro Herman Benjamim, considerou que o TJ fez uma avaliação ingênua dos fatos praticados pelo agente público. O Tribunal havia quantificado o dano considerando apenas o combustível, sem observar o trabalho dos guardas municipais, o frete e outros casos comprovados.
A principal questão, para o ministro, o bem jurídico protegido pela Lei de Improbidade é a moralidade administrativa, não se podendo falar em aplicação do princípio da insignificância a condutas imorais. Num outro caso analisado pelo STJ, um prefeito invocava a aplicação do princípio da bagatela à sua causa. Ele foi condenado a dois anos de reclusão por ter doado a um servidor um conjunto de sofá e três mesinhas avaliado em R$ 400,00 que pertenciam à prefeitura. O STJ negou o pedido com argumento de que o princípio da insignificância não se aplica aos atos de improbidade administrativa.
FONTE: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

"HABEAS CORPUS É ESSENCIAL COMO AR"

Habeas corpus é essencial como ar, diz Gilmar Mendes

Ao receber um prêmio ontem na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional São Paulo, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, voltou a defender o direito ao habeas corpus, classificado por ele como algo "tão importante quanto o ar que nós respiramos".

Esse foi um dos momentos em que Mendes foi aplaudido por advogados, que lotaram o auditório da OAB-SP. "Mas não adianta habeas corpus se não tem juiz com coragem de concedê-lo", afirmou o presidente. Ele recebeu o 25º prêmio Franz de Castro Holzwarth de direitos humanos.
Advogado criminalista, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D"Urso, foi um dos que elogiaram Mendes. Durante a apresentação, os presentes negaram que o prêmio tenha sido concedido porque ele é presidente do Supremo.

Este ano, Mendes se viu no meio de uma polêmica, após conceder um habeas corpus em menos de 48 horas ao banqueiro Daniel Dantas. O juiz Fausto Martin De Sanctis chegou a mandar prender Dantas menos de 24 horas depois de o presidente do Supremo ter garantido a soltura do banqueiro.

A iniciativa foi vista como uma afronta pelo ministro. Num posterior julgamento no STF, outros ministros apoiaram Mendes e questionaram a imparcialidade do juiz.

"Quase ouso dizer que um tribunal como o Supremo Tribunal Federal é muito mais importante pelo que ele evita que se faça, pela pedagogia das decisões", afirmou Mendes, sendo novamente aplaudido. "Para que se saiba que não se pode fazer interceptação telefônica em determinadas condições, para que o juiz já saiba que não pode deferir determinada medida, que será cassada no Supremo", exemplificou.

Mendes disse que, ao notar a elevada quantidade de concessão de habeas corpus no Supremo, quis saber o motivo de um "índice tão expressivo". "Em algumas sessões chegávamos a um nível de 60%", disse.

"Isso fala de algo preocupante entre nós, em termos de prática de não observância da jurisprudência", completou, referindo-se a decisões de instâncias inferiores da Justiça.

Segundo ele, isso ocorre por diversos motivos, entre eles à força que a mídia dá a determinados caso, "o que atemoriza juízes ou relatores dos processos". "O que sobrecarrega e onera fundamentalmente o Supremo Tribunal Federal", afirmou, repetindo que as decisões precisam de coragem.
FONTE: FOLHA ON LINE

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

CÂMARA APROVA NOVAS REGRAS PARA INVESTIGAÇÃO POLICIAL


Foi aprovado hoje, em votação simbólica, na Câmara, o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal, simplificando as regras da investigação policial. A proposta amplia o prazo de 30 para 90 dias para a conclusão do inquérito feito pela polícia civil ou a Polícia Federal. O projeto, que manteve a exclusividade do inquérito nas mãos das polícias civis e da Polícia Federal, faz parte de pacote de segurança enviado há sete anos pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. O texto segue agora para a votação dos senadores.

Segundo o relator do projeto, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), um dos itens relevantes da proposta é que o Ministério Público terá prazo de 15 dias para apresentar denúncia com base nas investigações do inquérito - hoje não existe prazo estipulado em lei. "Com o estabelecimento de prazo para o Ministério Público se manifestar, vamos agilizar o processo", observou Itagiba, que estava ausente da votação de hoje no plenário da Câmara.

Uma das novidades do projeto de lei é permitir que a autoridade policial tome depoimentos em qualquer local. A proposta prevê ainda a utilização de recursos tecnológicos modernos como a digitação ou gravação magnética, inclusive audiovisual, além da prorrogação do prazo de inquérito policial de 30 para 90 dias, bastando uma comunicação expressa do delegado ao juiz. O texto também estabelece, entre outros pontos, que, durante a investigação, a intimidade, honra e imagem do indiciado, da vítima e das testemunhas, tem de ser preservada. "É um projeto muito importante porque simplifica os procedimentos para que os processos criminais sejam mais rápidos e haja menos protelação pelos criminosos", disse o líder do PT na Câmara, deputado Maurício Rands (PE).
FONTE: JORNAL DA TARDE

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

BEM ADQUIRIDO ANTES DE INVESTIGAÇÃO PODE SER BLOQUEADO

Garantia de execução

A Justiça pode bloquear bens adquiridos antes do fato investigado. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou o recurso apresentado pelo vice-prefeito de Afonso Cláudio (ES), Valdivino Peterle Pagotto. Com a decisão, seus bens continuarão bloqueados em razão de uma Ação Civil Pública que investiga a contratação sem concurso de funcionários para a Câmara Municipal, em 2001. Para os ministros, o bloqueio judicial pode recair sobre bens adquiridos antes do fato narrado pelo Ministério Público estadual na petição inicial.

A decisão foi unânime com base no voto do relator do recurso, ministro Herman Benjamin. À época do fato, o atual vice-prefeito do município exercia o cargo de vereador e presidia a Câmara Municipal. Ele é apontado como o responsável pela promulgação e publicação de uma resolução que criou a estrutura administrativa da Câmara, a qual prevê que alguns cargos de carreira seriam de provimento em comissão.

No recurso, o vice-prefeito alegou que a responsabilidade pelo ato era da mesa diretora da Câmara Municipal. Disse que não poderia ser parte legítima para integrar a ação e protestou contra o bloqueio de bens de sua propriedade que foram adquiridos antes do fato investigado, ocorrido em 2001. Para ele, o bloqueio foi abusivo e desproporcional.

O ministro Herman Benjamin verificou que Pagotto foi o responsável por promulgar e publicar a resolução alvo da ação judicial, o que legitima sua participação no processo. Quanto à mesa diretora também ter participado da edição da resolução, o que pode indicar existência de outros responsáveis, trata-se de fato que deve ser apurado nas vias próprias, advertiu o relator.

Sobre a liberação de bens, o ministro Herman Benjamin analisou a decisão do Tribunal de Justiça estadual que manteve o bloqueio determinado na primeira instância. Ele concluiu não haver elementos que indiquem abusividade na aplicação da medida de indisponibilidade de bens. De acordo com o ministro do STJ, é possível que o bloqueio recaia sobre bens adquiridos antes do fato descrito na inicial, pois o seqüestro ou o bloqueio são como uma garantia de futura execução em caso de constatação do ato de improbidade.
REsp 817.557
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

"AMICUS CURIAE" INFLUI EM DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

(Por Rodrigo Haidar)
A expressão amicus curiae significa amigo da corte e serve para identificar alguém que pede para entrar em um processo do qual não é parte, mas cujo resultado pode influir em sua vida. Por isso, pede para ser ouvido. Nos julgamentos de grande repercussão no Supremo Tribunal Federal, é cada dia mais comum a permissão do uso desse instrumento como forma de dar voz à sociedade nas decisões do mais alto tribunal do país.

Parte da literatura jurídica nacional descreve o amicus curiae (amici curiae no plural) como um ator imparcial que entra no processo para oferecer ao tribunal informações sobre questões complexas cuja análise ultrapassa a esfera legal. Trata-se de uma visão parcial.

Na prática, o amicus curiae vai muito além de apenas ajudar a corte. Quem pede para entrar em um processo como interessado na causa é extremamente partidário e tem grande influência sobre as decisões tomadas nos casos em que atua. É um advogado a mais em favor de uma das partes da disputa, com poder de desequilibrar o jogo. Ou de reequilibrá-lo.

Essas são as principais conclusões da tese de mestrado da advogada Damares Medina, que leva o titulo: Amigo da Corte ou Amigo da Parte? — Amicus Curiae no Supremo Tribunal Federal. Em uma pesquisa minuciosa e inédita, que revisou grande parte da literatura nacional e internacional sobre o tema, a advogada mostrou de forma empírica o que se observava na tribuna do STF — o amicus curiae é ferramenta adicional de defesa das partes.

Em recentes julgamentos, como os da demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol e da lei que permite pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, os mais apetitosos embates se deram entre os amici curiae admitidos nas causas, com defesas acaloradas de suas posições, sempre muito bem definidas em favor de uma ou outra parte.

Uma importante função do amicus curiae é impedir também que determinada disputa seja mal resolvida por deficiência do primeiro advogado a defender a causa ou porque o caso é excepcional e o tribunal acaba iniciando uma jurisprudência ou construindo um precedente distante da realidade, o que dificulta a volta aos trilhos depois.

“A maior parte dos estudos ainda se prende a uma visão normativa baseada em modelos do que o amicus curiae deveria ser, mas não do que ele é”, afirmou Damares à revista Consultor Jurídico. O estudo aponta que a literatura jurídica norte-americana, desde a década de 60, chama a atenção para o perfil partidário do instrumento, a ponto de muitos o definirem como um legítimo lobby judicial.

Influência em números

Para mostrar a influência e importância dessa ferramenta, que se populariza a passos largos no Brasil, a advogada mergulhou na base de dados do Supremo Tribunal Federal. Descobriu, por exemplo, que houve atuação de amicus curiae em 119 das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas pela Corte, de 1992 até hoje.

Os dados revelaram que em apenas um dos 119 casos o “amigo da Corte” deu informações sobre o tema em discussão ao tribunal sem pedir expressamente que a ação fosse rejeitada ou acolhida. Outra observação importante do estudo foi a de que a presença do amicus no processo aumenta razoavelmente as chances de conhecimento da ação e a possibilidade de êxito da parte que ele apóia.

Para chegar a essa conclusão a advogada fez alguns levantamentos distintos. Em um deles, analisou 2.666 ações de controle concentrado de constitucionalidade — Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). Neste caso, verificou que quando há a presença de um “amigo” na ação, as chances de ela ser admitida pelo Supremo são 22% maiores do que quando não há terceiro interessado na causa.

Em outro levantamento, Damares restringiu a análise às 119 ADIs com amicus curiae já julgadas pela Corte. O resultado foi revelador. Nas ações julgadas procedentes a proporção de casos com assistência de amicus é 18% maior do que os casos sem assistência. Nos casos julgados improcedentes a vantagem do amicus é de 15%.

“Os resultados dos julgamentos do STF no período pesquisado [de 1992 a 2008] estabelecem uma robusta relação causal entre o ingresso do amicus curiae e o aumento das chances de êxito do lado por ele apoiado”, concluiu a advogada.

Ainda de acordo com a pesquisa, o Supremo tem uma política de portas abertas à participação do amicus curiae nos processos. Foram identificados 469 processos nos quais houve pedido de ingresso de terceiros interessados na causa. Dos 1.440 pedidos feitos nestes processos, o STF acolheu 1.235 (85,8%) e rejeitou 205 (14,2%).

O levantamento mostrou que 90% dos pedidos de entrada na ação são feitos por pessoas jurídicas. As campeãs são as associações (40%) e entidades sindicais (19%). Também em pouco mais de 90% dos casos o pedido de amicus curiae é feito em ações de controle concentrado de constitucionalidade. A ação mais querida dos amigos é a ADI, que concentra 84% dos pedidos de ingresso na causa.

Amizade saudável

A advogada Damares Medina ressalta que o fato de o amicus curiae agir como advogado de umas das partes da causa não deslegitima o seu uso. “Ele é uma ferramenta legítima. Mas a consciência que de ele age em defesa de uma parte é importante para evitar desvirtuamentos”, sustenta.

Para Damares, a idéia de que o amicus é um agente de democratização do processo é questionável: “O terceiro interessado na causa atua como um agente que pluraliza o debate, sem qualquer dúvida. Mas isso não faz com que o jogo seja necessariamente mais democrático ou equilibrado”.

A pesquisadora alerta que a entrada de amicus curiae em defesa de apenas um dos lados da causa pode desequilibrar a disputa, “aumentando a distribuição assimétrica de informações entre todas as partes envolvidas no processo de tomada de decisão”.

Para evitar esse desequilíbrio, a advogada defende a adoção de mecanismos de disclosure como as audiências públicas que, em importantes casos, começam a ocupar espaço considerável na agenda do STF — só no segundo semestre de 2008, o Supremo convocou audiências públicas por duas vezes, para discutir aborto de fetos anencéfalos (convocada pelo ministro Marco Aurélio) e importação de pneus usados (convocada pela ministra Cármen Lúcia).

A tese de mestrado de Damares Medina discorre ainda sobre o amicus curiae no Direito Comparado e sua história, mostra como a ferramenta é aplicada na Suprema Corte nos Estados Unidos e traz o estudo do caso do tratamento da questão do amianto no Brasil, caso no qual a atuação de “amigos da Corte” provocou uma virada na jurisprudência do Supremo.

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 6 de dezembro de 2008

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

SUPREMO CONFIRMA OAB COMO GUARDIÃ DA DEFESA DAS PRERROGATIVAS DOS ADVOGADOS

A vitória do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal, ao ter deferido o habeas corpus (HC) em favor de advogados que estavam sendo investigados por suposto vazamento de informações da operação Furacão, "remarca o papel da entidade como guardiã da defesa das prerrogativas profissionais da advocacia". A opinião foi externada hoje (05) pelo secretário-geral adjunto da OAB Nacional e presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, Alberto Zacharias Toron, que sustentou da tribuna do STF o perigo de constrangimento e humilhação para a advocacia que representava o inquérito aberto pelo ministro Cezar Peluso no tocante à suspeição levantada sobre esses profissionais e seu papel na sociedade brasileira.

Este foi o argumento principal de Alberto Toron em sua sustentação oral, acolhida pela maioria dos ministros da Corte ao decidir pela concessão do HC. A medida foi impetrada pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, e pela Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas, tão logo foi aberto, em maio deste ano, o inquérito do próprio STF para investigar os advogados, agora trancado por decisão da maioria daquela Corte. "O STF percebeu o perigo que representava o inquérito que queria submeter os advogados a uma verdadeira humilhação, ao constrangimento de torná-los incapazes de protestar, de criticar, enfim, de exercer a advocacia, de defender os cidadãos", reiterou Toron.

Para ele, a vitória alcançada pela entidade "significa que o Supremo reconheceu a importância de se resguardar a figura do advogado diante de abusos, de modo a ele não ser humilhado nem submetido a investigações injustas que o impeçam de exercer a advocacia, isto é, a defesa do cidadão na sua plenitude". Toron destacou também que a decisão do STF de deferir o habeas corpus para trancar o inquérito contra os advogados "só foi possível diante do peso institucional da OAB, a credibilidade que o Conselho Federal adquiriu e conquistou nesta gestão".
FONTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O QUE SERÁ QUE EXISTE POR TRÁZ DA CONDENAÇÃO DE DANIEL DANTAS?

Fogo de encontro
Advogado de Dantas diz que Chicaroni trabalhou para a PF
(Por Claudio Julio Tognolli)

Só será possível compreender por que o banqueiro Daniel Dantas está na situação em que está depois de decodificar os interesses empresariais que se escondem por trás da Operação Satiagraha. É o que recomenda o criminalista Nélio Machado, advogado de Dantas, que foi condenado esta semana pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo a 10 anos de prisão por corrupção ativa.

Em entrevista a este site, Machado afirma que é necessário “apurar a participação do empresário Luís Roberto Demarco na privatização da Operação”. O advogado descreve o empresário como um “ativista profissional a serviço dos concorrentes de Dantas”. E lembra que, na Operação Chacal (também contra Dantas) “ele compareceu à Polícia Federal em Brasília, sem ser chamado, para atuar como consultor e, depois, como assistente de acusação do Ministério Público”. A prova de que o interesse de Demarco é monetário, diz Machado, “são as informações da Itália de que ele era pago para neutralizar Daniel Dantas”. Segundo processo que corre em Milão, Demarco usa o dinheiro para remunerar diversos agentes, como o jornalista Paulo Henrique Amorim. "Recentemente, Demarco contratou mais um assessor de imprensa, o Luís Nassif".

O flagrante pelo qual Dantas foi condenado, diz seu defensor, “foi uma teatralização, já que o pagamento foi proposto pela polícia”. O advogado de defesa repudia também que Hugo Chicaroni tenha participado dos episódios relatados pela Polícia Federal como “assessor de Dantas”, como entendeu o juiz Fausto De Sanctis. Chicaroni teria atuado a serviço de Protógenes. "Toda ligação de Hugo Chicaroni foi com o delegado Protógenes que era seu velho amigo, por isso Protógenes foi visitá-lo na cadeia. Daniel Dantas jamais conheceu Chicaroni. Só o viu uma vez na vida, quando estava preso", afirma.

Nélio Machado diz que a Operação Satiagraha comandada pelo delgado Protógenes Queiroz está eivada de irregularidades: "O delegado Protógenes invadiu o Sistema Guardião com pessoas de fora dos quadros da Polícia Federal, me fotografou e me seguiu. Em sua decisão o juiz De Sanctis não leva em conta que boa parte das provas foi apurada pela Abin, o que é inaceitável perante a Constituição. Esta operação vai redefinir os rumos do estado de direito, que foi desrespeitado ao máximo"

Por isso mesmo, o advogado acredita que a decisão do juiz De Sanctis deve ser anulada em segunda instância: "A decisão será impugnada com recurso de apelação para discutir a causa na integralidade. O juiz não levou em consideração a causa integralmente”, diz. “Esse juiz posa de psicanalista"

Depois de ter pedido a suspeição do juiz — pedido negado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região — Machado continua sustentando que o juiz não tem condições de julgar o caso: “A decisão impressiona pelo volume mas não pelo conteúdo. É um decisão subjetivista. O juiz canonizou o delegado Protógenes quando ele deveria ser ouvido de novo para que suas provas mal constituídas pudessem ser expostas novamente. Ao não ouvir Protógenes, o juiz cerceou a defesa. O juiz desconsidera as minhas apelações em que mostro a nulidade de gravações feitas pela PF".

Para Nélio Machado, o juiz De Sanctis “posa de psicanalista”, mas merece elogios por não ter decretado, mais uma vez, a prisão de Daniel Dantas. Continuo a dizer que o juiz Sanctis é suspeito mas devo elogiá-lo por permitir que meu cliente recorra em liberdade. A decisão do juiz sobrenada as provas. Trata-se da convicção do juiz, íntima e subjetiva"

Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2008

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

COMEÇOU A INTIMIDAÇÃO, ABIN PRODUZ DOSSIÊS CONTRA DEPUTADOS

Método antigo

Abin produz dossiês contra deputados, diz Itagiba

O presidente da CPI dos Grampos, Marcelo Itagiba, disse na tribuna da Câmara que servidores da Abin afastados da agência após a Operação Satiagraha estão produzindo dossiês contra deputados da CPI. O colunista Lauro Jardim, da revista Veja, diz que segundo Itagiba o material estaria sendo entregue a jornalistas por François René, o assessor de comunicação de Paulo Lacerda desde o tempo em que ele dirigia a Polícia Federal.

De acordo com a nota, o objetivo dos dossiês seria desacreditar o trabalho da CPI. Irritado, Itagiba partiu para o ataque. “Nós não procuramos apontar ou acusar quem quer que seja. As pessoas que aqui vieram representando aquela instituição é que mentiram perante o Parlamento. Faltaram com a verdade ao dizer que não participaram quando participaram; ao dizer que apenas atuaram de modo informal quando, na verdade, foi informal com mais de 75 agentes envolvidos numa operação", disse.

O jornalista destaca, ainda, que não é a primeira vez que René é acusado de vazar dossiês. Recai sobre ele a suspeita de ter divulgado a existência de investigação da PF contra o ministro Gilmar Mendes, quando na verdade era feita sobre um homônimo.
O homônimo
Em outubro, a Polícia Federal abriu uma investigação para apurar a participação do ex-diretor de inteligência da instituição, Renato Porciúncula, e do delegado Emmanuel Henrique Oliveira, também da inteligência, no vazamento de informações da Operação Navalha.

O objetivo é descobrir se eles ajudaram a divulgar informação sobre a existência de uma suposta lista na qual o ministro Gilmar Mendes apareceria entre os acusados de receber presentes da construtora Gautama.

Como revelou a revista Consultor Jurídico em abril do ano passado, o Gilmar Mendes do caso é um homônimo do presidente do Supremo Tribunal Federal. A informação errada foi divulgada pela imprensa. Os jornalistas que foram vítimas da falsa informação dispensaram o sigilo da fonte, por entender que o instituto não serve para proteger tramóias, e apontaram o chefe de imprensa de Lacerda, François René, como a origem da “notícia”.

Revista Consultor Jurídico, 2 de dezembro de 2008

sábado, 29 de novembro de 2008

EM VEZ DE QUERER SER POLÍCIA OU JUIZ, O QUE DEVERIA SER A VERDADEIRA FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

(Por Dr. Rômulo de andrade Moreira, Promotor de Justiça)
“Considerando-se ética como "a ciência de uma forma específica de comportamento humano", ou "de uma esfera do comportamento humano", como a definiu ADOLFO SÁNCHEZ VÁZQUEZ (Ética, Civilização Brasileira. 8. ed., 1985, pp. 12 e ss.), vamos tentar estabelecer determinados parâmetros de atuação do Promotor de Justiça, frente aos demais operadores jurídicos, mas dando ênfase à sua atuação na área criminal e principalmente em relação à parte acusada, aquela que se encontra no banco dos réus, aspecto que vou me ater mais demoradamente, não somente pelo fato de atuar na área criminal, como também pela circunstância de ensinar Direito Processual Penal.

Mas, mesmo antes disso, e para situar melhor a minha posição é preciso que constatemos uma realidade preocupante: hoje, e mais do que nunca, os meios de comunicação buscam incutir na opinião pública a idéia de que o infrator deve ser punido o mais severamente possível, retirando-lhe também direitos e garantias constitucionais e indissociáveis da condição de réu, como se isto servisse para solucionar, feito um bálsamo, o problema da violência e da criminalidade.

É evidente que a violência e a criminalidade não se resolvem à base de leis mais severas, de uma maior criminalização de condutas e de restrições a princípios constitucionais como a ampla defesa, o contraditório, a individualização das penas, a presunção de inocência, etc., mesmo porque a lei penal deve ser concebida como última solução para o problema da violência, pois não é, nunca foi e jamais será superação para a segurança pública de um povo.

Aliás, se nós observarmos o sistema carcerário brasileiro, constataremos que ele revela exatamente o quadro social reinante neste País, pois nele estão "guardados" os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma "mera coincidência". Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.

Ora, em nosso País, por exemplo, muitas leis penais estão a todo momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc., sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a constitucionalidade de alguns dos seus preceitos.

E o resultado? Nenhum! Ou será que após a edição da lei de crimes hediondos (que data de 1990), ou do surgimento da prisão temporária (de 1989), a criminalidade diminuiu e a segurança pública melhorou? E a criminalização do porte de arma? Será que haverá êxito no que concerne à segurança pública? Será que os criminosos guardarão suas armas por temor de serem presos em flagrante por crime de porte de arma? E as pessoas das classes média e alta, terão elas receio de portar uma arma de fogo ou serão facilmente beneficiadas com o registro e a autorização para portá-las?

Querer, portanto, que a lei penal e a lei processual penal resolvam a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois muito pouco adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis, retirada de garantias processuais ou métodos de policiamento mais rígidos, como, por exemplo, a famigerada "tolerância zero", etc.

O acusado de um crime tem que ser visto como um sujeito de direitos para o qual a CF/88 previu uma série de garantias processuais que devem ser obrigatoriamente obedecidas, principalmente pelo órgão responsável pela acusação, o Ministério Público.

Se o Promotor de Justiça não tiver essa consciência ética, e considerando-se as atuais condições que são inteiramente propícias ao endurecimento do tratamento penal dos acusados, é evidente que diversos direitos e garantias processuais (muitos dos quais previstos na Carta Magna), podem ser esquecidos, revelando atitude, do ponto de vista ético, extremamente reprovável.

Já se foi a época do Promotor de Justiça ser um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo uma condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao réu as condições plenas de provar a sua inocência.

Não cabe ao Promotor de Justiça criminal essa inconsciência aética de contribuir para uma condenação de alguém, sem que para isso haja justa causa, é dizer, uma consistência probatória mínima, quando sabemos que possui ele um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição para provar a acusação imputada.

O Promotor de Justiça (e a própria denominação já o indica) deve ter a certeza processual do fato e da autoria, para que se legitime a pleitear em Juízo que alguém cumpra uma sanção penal.

O direito de acusar deve revestir-se de uma completa imparcialidade (e isto não se contradiz com a condição de parte acusadora, pois que o próprio CPP alça o MP, também, à condição de fiscal da lei, no seu art. 257); o MP atua, assim, no processo penal, com essa dupla face: ao tempo em que acusa e, como tal se diz que é parte no sentido formal, também se lhe incumbe a fiel promoção e fiscalização da lei.

Exatamente por isso, hoje já é pacífica a possibilidade do Promotor de Justiça pleitear qualquer medida em favor do réu, incluindo, por exemplo, o pedido de absolvição, a impetração de habeas corpus, de mandado de segurança em matéria criminal, de recurso em benefício do acusado, etc.

A acusação pública, apesar de ser deduzida em nome da sociedade, não pode ser movida por sentimento de ódio, paixão ou vingança, deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas na boa oratória e na eloqüência vazia de argumentação, amesquinhando-se uma função tão digna. A aceitação da improcedência de uma acusação, antes de representar uma derrota, deve ser vista como uma atitude nobre e eticamente incensurável.”
FONTE: JURIS SÍNTESE

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

INVIOLABILIDADE DE ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA É PROTEÇÃO A CLIENTE

ACESSO RESTRITO

(por Eduardo Goeldner Capella)

A Lei 11.767/08, há pouco sancionada, não transformou o local de trabalho dos advogados em esconderijos onde produtos de crimes ou mesmo a prática de ilícitos tenham asilo inviolável. O asilo inviolável, a bem da verdade, traduz-se na integridade e privacidade da honra, da imagem e da residência dos cidadãos brasileiros, conforme ínsito nos incisos X e XI do artigo 5° da “Constituição Cidadã”, e que arredou da vida brasileira o medo de invasões na calada da noite, prática comum antes de o país atingir — finalmente — o Estado Democrático de Direito.

Parte da imprensa noticiou a sanção da mencionada lei como uma salvaguarda, um salvo-conduto para operadores do Direito, inscritos na OAB, se tornarem imunes à legislação pátria. Tal interpretação carece de fundamentação fática e, acima de tudo, jurídica.

A idéia disseminada pela imprensa é a de que os advogados, que possuem sua função social insculpida no artigo 133 da Lei Maior, tornar-se-ão inatingíveis, inalcançáveis em face de sua profissão, a exemplo do foro privilegiado de políticos.

Frise-se que existem profissões que se utilizam do chamado “sigilo profissional”, aí incluídos os médicos, dentistas, psicólogos etc. Sigilo também estendido aos profissionais do Direito inscritos na OAB e que possuem prerrogativas, direitos e deveres claros, elencados na Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB). Lei que, além de outras disposições, prevê, no inciso II do artigo 7°, que são direitos do advogado “ter respeitado, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório...”.

Neste norte, tem-se que a lei sancionada não trouxe novidade, apenas transformou em “crime” a violação a escritórios de advocacia, e isso em benefício — saliente-se — dos clientes.
Portanto, conclui-se que o advogado que detenha produtos originários de condutas ilícitas, ou que tenha sido pego em flagrante de delito, será igualmente enquadrado no Código Penal, através de mandados de busca e apreensão em seu escritório e penalização por seus crimes.
FONTE: Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2008

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

PROCURADOR DA REPÚBLICA QUE INVESTIGA OPERAÇÃO "SATIAGRAHA" PEDE DEVASSA NA POLÍCIA FEDERAL DE SÁO PAULO

(Por RUBENS VALENTE da Folha de S.Paulo)

O procurador da República Roberto Dassié Diana pediu à Corregedoria da Polícia Federal em Brasília uma correição extraordinária na Superintendência da PF de São Paulo para averiguar a situação de todos os objetos apreendidos pela PF desde 2003. Há suspeita de que desapareceram drogas e armas que integravam inquéritos. Ele quer que a Controladoria Geral da União participe da apuração.

A assessoria da Procuradoria informou que no prédio da superintendência sumiram, entre 2003 e 2005, 530 gramas de cocaína, "25 kg de drogas" e "136 pacotes contendo entorpecentes". Teriam sido extraviados ainda um livro e um CD-Rom enviados pela CPI da Pirataria, 30 caixas de cigarros apreendidas, além de armas e munições.

O procurador Dassié, que atua no grupo de controle externo da atividade policial, é também o responsável por averiguar a representação protocolada pelo delegado Protógenes Queiroz sobre suposto boicote da administração central da PF à Operação Satiagraha.

O procurador cobra, desde julho, explicações da PF sobre os gastos feitos pelo órgão ao longo da Satiagraha. A PF alega ter desembolsado R$ 460 mil, mas Dassié quer saber objetivos e comprovantes dos gastos.

O procurador também foi contrário às buscas e apreensões nas casas de três policiais que atuaram na Satiagraha, entre os quais Protógenes, o que gerou novo atrito com a PF. Mesmo sem a concordância do procurador, o delegado Amaro Vieira Ferreira obteve as ordens com o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Ali Mazloum.

A Procuradoria nega que a ação esteja relacionada à investigação sobre a Satiagraha. Segundo a assessoria, o Ministério Público tem feito o controle externo da PF sobre outros temas. Neste ano reiterou pedido de acesso aos procedimentos abertos para apurar desvios de condutas de policiais --sem resposta. O mais recente procedimento de controle tem origem em Ribeirão Preto, em agosto, antes da polêmica sobre as buscas contra Protógenes.

Segundo a assessoria, a correição na PF deve verificar a localização e registro de "todos os objetos apreendidos e acautelados na PF em São Paulo desde 2003" e listar as providências tomadas. Procurada ontem, a assessoria da PF paulistana disse que "a PF não se manifestará sobre o assunto". Em nota, a Procuradoria informou que parte dos sumiços de objetos já é averiguada internamente.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

ESTADO POLICIAL E O DEVER DO PODER JUDICIÁRIO

(Por José Roberto Batochio)

“cuando no está limitado, el poder se transforma em tirania y em arbitrário despotismo”
(Karl Lowenstein)

O compromisso do juiz com a Ordem Constitucional é condição primeira para o exercício da jurisdição, qualquer que seja ela: penal, civil, laboral, eleitoral etc.

A Constituição de 1988 contemplou mecanismos que ensejam pronunciado protagonismo (ou ativismo) pelo Poder Judiciário, que é o primeiro guardião da ordem que estabeleceu, nos diversos casos de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado) das leis e atos normativos, bem como naqueles de omissão legislativa que impede a realização concreta de direitos materiais assegurados em seu corpo permanente.

Esse sistema de certo modo tornou mais tênue a linha de separação entre os Poderes da República, permitindo-se, em certas circunstâncias, atividade legiferante anômala ao Judiciário. Dispenso-me de, neste limitado painel, abordar as hipóteses.

Fala-se em judicialização da sociedade e da política, como tal entendido o processo por meio do qual se aponta a capacidade do Poder Judiciário garantir direitos fundamentais, deixando sua clássica postura de inércia para a ativa implementação dos direitos fundamentais e sociais, com vistas à realização concreta de justiça.

A despeito da questão da fonte de legitimidade do poder exercido pelo Judiciário que, contrariamente ao atribuído ao Legislativo e Executivo, não vem crismado pela investidura direta do povo não passando pelo cadinho soberano do voto popular, não há negar que nas democracias contemporâneas esse ativismo dirigido à realização concreta de direitos materiais é fator de aperfeiçoamento do sistema.

E, nesse passo, a atuação do Supremo Tribunal Federal é digna de todos os reconhecimentos e encômios; enorme tem sido sua contribuição à causa da democracia e ao aperfeiçoamento do nosso Estado Democrático de Direito, merecendo destaque a segura e elogiável postura de seu atual presidente, ministro Gilmar Mendes. Muito fica a lhe dever a história do constitucionalismo e das liberdades no Brasil.

Pois nesse cenário de liberdades, reconquistadas em 1988 e após as longas trevas do período autocrático, é que reponta, entre nós, os emergentes contornos da ameaça ao Estado Democrático de Direito que a duras penas alcançamos. Fala-se aqui da escalada da ação da Polícia Federal, autorizada por um grupo de juízes federais de primeiro grau, para, a pretexto de investigar a prática de delitos e “dar combate ao crime econômico”, desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana.

Como sempre, a justificativa é a mais docemente demagógica e sedutora possível: combate ao crime perpetrado por segmento economicamente privilegiado.

Esse ataque aos direitos fundamentais do indivíduo teve início em 2003, com a nomeação do Ministro da Justiça (um advogado de passado progressista) e do Diretor Geral da Polícia Federal (um delegado de polícia aposentado) do então novo Governo Federal, cuja estratégia de ação era, fazendo de ações policiais espetáculos públicos para gerar a sensação coletiva de operacionalidade de excelência, anunciar-se o advento de uma nova era, em que a prisão não estava destinada apenas para a base da pirâmide sócio-econômica do País, mas principalmente para pessoas de destaque.

Essa demagógica estratégia encontrou ressonância na anterior instituição de varas criminais federais ditas “especializadas”, com jurisdição urbi et orbi nos territórios das Unidades da Federação (o Estado de São Paulo, por exemplo, tem duas dessas varas especializadas em crimes econômicos, que jurisdicionam sobre cerca de 40 milhões de almas, o que mostra o absurdo de sua acromegalia).

O patrocínio da esdrúxula concepção vem de identificado setor minoritário do STJ, cujo Conselho da Justiça Federal houve por bem, lançando por terra o princípio constitucional garantista do juiz natural, conferir competência, ratione materiae, a um único juiz, dito especializado, para julgar toda a população de Unidades inteiras da Federação.

É que, após o trágico 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos da América exportaram para o mundo a ideologia da persecução preferencial aos delitos econômicos na crença de que as duas Torres Gêmeas de Manhattan só foram destruídas, por atos de terror, porque houve dinheiro financiando a deplorável ação que arrebatou vidas inocentes. Sem dinheiro - pensou Tio Sam -, não haveria treinamento de pilotos suicidas na Alemanha nem estratégia de ataque eficiente; logo, é preciso monitorar qualquer fluxo de cabedais financeiros, principalmente os oficiosos, em todo o Globo. Daí a exportação dessa nova ideologia, com o discurso de que o inimigo da sociedade, mais que o homicida, o extorsionário, o estuprador, é o empresário que sonega ou elide impostos, já que o resultado material dessa manobra “pode acabar em mãos de inimigos da América”. Acresce, ainda, que há o encanto e o embevecimento das classes populares em ver na televisão pessoas de destaque sendo algemadas ao alvorecer.

Iniciou-se, a partir daí, uma série enorme de ações policiais, autorizadas por esses “super-magistrados” de primeiro grau (que se acreditam, em grande maioria, missionários, heróicos “combatentes do crime”, patriotas, como patriotas se sentiam os nossos jovens oficiais das Forças Armadas que, inspirados pela CIA, torturavam e matavam seus concidadãos que se opunham ao regime militar, havendo-os por subversivos e inimigos da Pátria).

Os que assassinavam inocentes, na ideologia do Terceiro Reich, também se imaginavam benfeitores da humanidade, que seria carente de eugenia.

A violência, física ou moral, encontra sempre formosos discursos e teorias para fazer prosélitos na execrável obra de violentar os direitos fundamentais assegurados a todas as pessoas. Foi assim que se inaugurou entre nós nova etapa de autoritarismo e agressão aos direitos fundamentais, agora sob beneplácito judiciário e com o discurso sedutor de que há uma guerra declarada contra o crime financeiro e que é chegada a hora de “rico ir para a cadeia” (sob Adolf Hitler, eram os judeus, os comunistas, os homosexuais ou os “seres imperfeitos”).

É incrível que um Governo de origens populares como este se deixou levar por essa perigosa proposta demagógica dos espetáculos pirotécnicos das chamadas “Operações da Polícia Federal” nos meios de comunicação social. Inaceitável que juízes, a pretexto de exercerem a jurisdição, tenham se engajado na odiosa “missão” de pisotear direitos fundamentais. Aliás, fazem-no se crendo intocáveis, impunes, ao argumento de estarem protegidos pelo “escudo do exercício jurisdicional”. Não devem satisfações.

Assim, os direitos constitucionais dos investigados foram lançados ao lixo: sua imagem nacionalmente degradada, via Embratel; sua intimidade estuprada; o sigilo de suas comunicações telefônicas e telemáticas arrombado; sua liberdade suprimida – com algemas -como primeiro ato da publicização da investigação, mesmo sendo presumidos inocentes pela Constituição e desnecessária a custódia processual. Em suma, um cenário pavoroso, digno dos momentos terríveis da nossa história.

A liberdade e a dignidade humana passaram a ser o valor mais depreciado do patrimônio jurídico do homem e não se sabia quando, de madrugada, a campainha que sonava nas residências era acionada pelo padeiro ou pela truculenta equipe de beleguins, portando mandados espúrios e sempre acompanhados de certo canal aberto de Televisão. O clima instalado se aproximava ao do período dos medievos Atos de Fé...

Investigações e provisões jurisdicionais de cautela contra libertatis efetivadas secretamente e na calada da noite, proibição de acesso aos autos que as contém aos advogados constituídos pelos chamados “alvos”, supressão da defesa ampla e do contraditório, escutas e monitoramentos de defensores de acusados, invasão de escritórios de advocacia, enfim, todas as vilanias e arbitrariedades contra os direitos fundamentais e a dignidade dos cidadãos, fundamento do Estado Democrático de Direito. Chegara-se ao Estado Policial, ao Polizei Staat.

Quando o STF, guardião maior da Constituição, restaura o império da ordem constitucional e rechaça as arbitrariedades perpetradas em primeiro grau, o autoritarismo se mostra capaz de audácia bastante para pretender arrostar os julgados da Suprema Corte, descumprindo-os ou “driblando-os”. Audácia suprema!

Os tribunais superiores, em especial o STF, não se têm furtado (ressalvada exceção única que só faz confirmar a regra libertária e respeitosa ao Texto Maior) ao dever de cumprir sua missão institucional, restaurando o direito violado e restabelecendo a ordem constitucional afrontada. Não fora o Pretório Excelso e não se pode imaginar o que estariam a fazer os que não hesitam em promover a escuta telefônica clandestina do presidente da Suprema Corte, monitorar, no Palácio do Planalto, os telefonemas do secretario geral da Presidência da República. O tempora, o mores!
Nesse cenário, é mister coibir — por todas as formas legais — os atrabiliários fautores, incentivadores e chanceladores do Estado Policial que, se começou a emergir, precisa ser cortado cerce, com a indispensável firmeza e necessário rigor.

Cabe também por cobro aos métodos de verdadeira tortura psíquica empregados contra “delatores premiados”, que são compelidos a fornecer, após a celebração do “acordo judicial de delação”, mais e mais informações sobre delitos e seus autores, informes estes exigidos –pasme-se — até por magistrados, sob a ameaça de serem devolvidos ao infecto cárcere de onde foram retirados por conta da delação. Relata-se a triste história de suposto delator que, mais não tendo o que delatar e aterrorizado com as ameaças de volta ao cárcere, não resistiu à pressão e suicidou. Jurisdição ou tortura psíquica? Impunidade?

Não foi para tal estado de coisas vivenciar que sangue patriótico se derramou na reconquista do Estado Democrático de Direito, contraposto ao Estado Policial, resgatado ao regime militar.

Por isso que, unidos, dizemos nós: se nunca mais a opressão fardada, muito menos a togada!
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

FARRA DOS GRAMPOS! LÓGICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO É QUE FINS JUSTIFICAM OS MEIOS

Para advogados, lógica do MP é que fins justificam os meios

“Se se pretende, a pretexto de que os crimes investigados possivelmente seriam graves, justificar um monitoramento telefônico decretado ao longo de mais de dois anos, com renovações desprovidas de qualquer fundamentação, então, realmente, não estamos como estabelecer qualquer nível democrático de discussão.” A declaração é dos protagonistas responsáveis pela maior vitória contra o grampo telefônico indeterminado.

Em nota enviada à revista Consultor Jurídico, os advogados Andrei Zenkner Schmidt, Cezar Roberto Bitencourt, Juliano Breda e Antônio Carlos de Almeida Castro, que defendem os donos do grupo Sundown, responderam às críticas que procuradores da República fizeram à decisão do Superior Tribunal de Justiça.

No dia 9 de setembro, a 6ª Turma do STJ declarou que é ilegal a prorrogação ilimitada do prazo de 15 dias previsto em lei para fazer interceptações telefônicas. Na decisão, também decidiu que os autos do processo contra os donos da Sundown devem ser enviados para a primeira instância retirar as provas que foram conseguidas a partir das escutas.

Nesta quarta-feira (10/9), os procuradores contestaram a decisão do STJ. Eles reclamaram que a decisão jogou por terra o trabalho de três anos e defenderam escutas telefônicas ininterrupatas para apurar crimes complexos. Durante dois anos as investigações se basearam apenas em interceptações telefônicas, autorizadas pela 2ª Vara Criminal Federal da Curitiba (PR).

Os advogados autores do pedido de Habeas Corpus ao STJ para retirar as escutas rebateram: “Nosso único ponto de divergência, ao que tudo indica, é o seguinte: em tema de investigação criminal, os fins justificam os meios? O escrito por eles subscrito tem, como mensagem implícita, a resposta afirmativa. Pensamos, com o máximo respeito, que seja negativa”.

Leia a nota

CONSIDERAÇÕES DOS ADVOGADOS IMPETRANTES DO HC 76.686 SOBRE AS CRÍTICAS DOS REPRESENTANTES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL À DECISÃO DO STJ
Lemos atentamente as críticas lançadas pelos representantes do Ministério Público Federal do Paraná e, quanto a elas, temos a dizer o seguinte. O Superior Tribunal de Justiça concedeu o HC nº 76.686 à unanimidade. A questão está decidida, pois. Não é este o local para reabrirmos o debate, até mesmo como forma de corroborarmos o mais absoluto respeito que temos pelos Procuradores que assinaram o manifesto e que atuaram no caso, assim como pela instituição por eles representada. Apenas observamos que, quando as inúmeras decisões anteriormente proferidas foram desfavoráveis à defesa, procuramos respeitá-las democraticamente.
Nosso único ponto de divergência, ao que tudo indica, é o seguinte: em tema de investigação criminal, os fins justificam os meios? O escrito por eles subscrito tem, como mensagem implícita, a resposta afirmativa. Pensamos, com o máximo respeito, que seja negativa. Com uma divergência nesses termos, qualquer tentativa de busca de consenso é impossível. Se se pretende, a pretexto de que os crimes investigados possivelmente seriam graves, justificar um monitoramento telefônico decretado ao longo de mais de 2 anos, com renovações desprovidas de qualquer fundamentação (apenas para exemplificar, seguem algumas das decisões de renovação: “Considerando o já fundamentado na fl. 337 e decisões anteriores, bem como o conteúdo do novo relatório de interceptação, determino a continuidade da diligência...”; “Pelos fundamentos já expendidos nas decisões de fls. 99/101; 159/160 e 362, autorizo a prorrogação da interceptação telefônica em relação aos prefixos...”; “Pelos fundamentos já expendidos nas decisões anteriores e do relatório apresentado pela autoridade policial, defiro a prorrogação em relação aos prefixos...” etc.), então, realmente, não temos como estabelecer qualquer nível democrático de discussão. Aliás, não temos o que discutir, senão o que decidir.
Encerramos lembrando as palavras do Ministro Marco Aurélio que, no julgamento do HC 83.515, no STF, quando o Pleno daquela Corte, em 2004, reconheceu a possibilidade de sucessivas renovações em monitoramentos telefônicos – sem antever os arbítrios que daí poderiam decorrer -, votou vencido: “Já disse neste Plenário: se como guarda da Carta da República tiver de proferir, segundo a minha consciência, sobretudo a minha formação humanística, voto que implique a queda do teto, o teto cairá, permanecendo fiel à crença inabalável, enquanto estiver com a toga sobre os ombros, no Direito posto, no Direito subordinante.” Certamente, fosse hoje julgado o mesmo HC 83.515, no mesmo Pleno, o seu voto, de vencido, passaria a vencedor. E, então, teríamos as críticas recaindo sobre o STF.

ANDREI ZENKNER SCHMIDT
CEZAR ROBERTO BITENCOURT
JOSÉ CARLOS CAL GARCIA FILHO
JULIANO BREDA
ANTONIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO

Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2008

VOCÊ É BRANCO? CUIDE-SE

(Por Ives Gandra da Silva Martins)

Hoje, tenho eu a impressão de que o "cidadão comum e branco" é agressivamente discriminado pelas autoridades e pela legislação infraconstitucional, a favor de outros cidadãos, desde que sejam índios, afrodescendentes, homossexuais ou se auto-declarem pertencentes a minorias submetidas a possíveis preconceitos.
Assim é que, se um branco, um índio e um afrodescendente tiverem a mesma nota em um vestibular, pouco acima da linha de corte para ingresso nas Universidades e as vagas forem limitadas, o branco será excluído, de imediato, a favor de um deles! Em igualdade de condições, o branco é um cidadão inferior e deve ser discriminado, apesar da Lei Maior.
Os índios, que, pela Constituição (art. 231), só deveriam ter direito às terras que ocupassem em 5 de outubro de 1988, por lei infraconstitucional passaram a ter direito a terras que ocuparam no passado. Menos de meio milhão de índios brasileiros - não contando os argentinos, bolivianos,paraguaios, uruguaios que pretendem ser beneficiados também - passaram a ser donos de 15% do território nacional, enquanto os outros 185 milhõesde habitantes dispõem apenas de 85% dele.
Nesta exegese equivocada da Lei Suprema, todos os brasileiros não-índios foram discriminados. Aos 'quilombolas', que deveriam ser apenas os descendentes dosparticipantes de quilombos, e não os afrodescendentes, em geral, que vivem em torno daquelas antigas comunidades, tem sido destinada, também, parcela de território consideravelmente maior do que a Constituiçãopermite (art. 68 ADCT), em clara discriminação ao cidadão que não se enquadra nesse conceito.
Os homossexuais obtiveram, do Presidente Lula e da Ministra Dilma Roussef,o direito de ter um congresso financiado por dinheiro público, para realçar as suas tendências,algo que um cidadão comum jamais conseguiria!
Os invasores de terras, que violentam, diariamente, a Constituição, vão passar a ter aposentadoria, num reconhecimento explícito de que o governo considera, mais que legítima, meritória a conduta consistente em agredir o direito. Trata-se de clara discriminação em relação ao cidadão comum, desempregado, que não tem este 'privilégio', porque cumpre a lei.
Desertores, assaltantes de bancos e assassinos, que, no passado, participaram da guerrilha, garantem a seus descendentes polpudas indenizações, pagas pelos contribuintes brasileiros.
Está, hoje, em torno de 4 bilhões de reais o que é retirado dos pagadores de tributos para'ressarcir' àqueles que resolveram pegar em armas contra o governo militar ou se disseram perseguidos. E são tantas as discriminações, que é de se perguntar: de que vale oinciso IV do art. 3º da Lei Suprema? Como modesto advogado, cidadão comum e branco, sinto-me discriminado ecada vez com menos espaço, nesta terra de castas e privilégios.
( *Ives Gandra da Silva Martins é renomado professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado doExército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação doComércio do Estado de São Paulo ).

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

JUIZ NÃO É SÓCIO DE PROMOTOR E DE DELEGADO EM INVESTIGAÇÃO

(Por Priscyla Costa)

“Juiz não é sócio de promotor e de delegado em investigação. E se age assim está em consórcio com o ilegal. É uma atitude espúria e indevida, que deve ser repudiada”. A reflexão é do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, e foi feita nesta quinta-feira (20/11), enquanto o Pleno analisava se o ministro Cezar Peluso era suspeito para julgar o inquérito contra o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina e mais quatro acusados de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais para favorecer o jogo ilegal.

A questão da suspeição de Peluso não consta nos autos, mas foi levantada nesta quarta-feira (19/11), durante a sustentação oral do advogado de Virgílio Medina (irmão do ministro do STJ), Cezar Roberto Bittencourt. O argumento da defesa do advogado teve como base decisão do ministro no Habeas Corpus 94.641, na 2ª Turma do STF, quando entendeu que o juiz não pode julgar processo se atuou na oitiva de testemunhas e na coleta de provas em procedimento preliminar sobre os mesmos fatos que deram causa à ação. Para Bittencourt, Peluso não faria um julgamento imparcial por ter presidido e supervisionado o inquérito policial.

Peluso explicou que a imparcialidade do julgador não é atender a todos os pedidos da defesa, como sugeriu Cezar Bittencourt. Seu papel, no começo da investigação, foi o de autorizar ou não os procedimentos solicitados pela Polícia, dentro do que determina a lei. Assim, não haveria impedimento do juiz que preside o inquérito para depois relatar os autos da Ação Penal.

Gilmar Mendes também deu seu parecer. E apesar de deixar claro que não era o caso do ministro Cezar Peluso, disse enfaticamente que “juiz não é sócio de promotor e de delegado em investigação”. A frase foi repetida, pelo menos, três vezes. “A atitude do juiz que atua em consórcio com promotor ou delegado deve ser repudiada por ser espúria e indevida”, disse o presidente do STF em alto e bom som.

O presidente do tribunal não citou nomes, mas no pano de fundo de suas declarações está o comportamento do juiz federal Fausto Martins De Sanctis, da 4ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Ele é acusado pela defesa do banqueiro Daniel Dantas de cercear a defesa, agir com parcialidade e precipitação por atender a todos os pedidos do Ministério Público Federal. Por isso, ele seria suspeito e incompetente, do ponto de vista legal, para a causa. O pedido de suspeição de De Sanctis foi negado, por maioria de votos, pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A RAIZ AUTORITÁRIA DO JUIZ

A raiz autoritária do juiz

“A Constituição não é mais importante que o povo, os sentimentos e as aspirações do Brasil. É um modelo, nada mais que isso, contém um resumo das nossas idéias. Não é possível inverter e transformar o povo em modelo e a Constituição em representado. (...) A Constituição tem o seu valor naquele documento, que não passa de um documento; nós somos os valores, e não pode ser interpretado de outra forma: nós somos a Constituição, como dizia Carl Schmitt.”Estas afirmações do juiz da 6ª Vara Criminal Federal Fausto De Sanctis - o polêmico responsável pelo processo em que o banqueiro Daniel Dantas é acusado de crimes financeiros e corrupção -, pronunciadas em badalada palestra no Rio, perante verdadeiro fã clube, dizem muito da origem do pensamento de um magistrado que tentou pôr em xeque - para não dizer desmoralizar - decisão da mais alta Corte de Justiça do País, quando mandou prender quem havia sido solto por liminar, 48 horas antes, proferida pelo presidente do STF. A inspiração de De Sanctis, como se deduz de sua palestra, provém do jus-filósofo alemão que, crítico acerbo da República de Weimar, se tornou em certo momento o quase oficial “jurista do nazismo” - embora, a seu favor, conste a acusação que a SS lhe fazia de ser um anti-semita apenas oportunista, sem “autênticas” convicções sobre a superioridade racial ariana. De qualquer forma, vê-se a raiz autoritária na idéia que substitui a força intrínseca de uma Carta Magna - expressão maior da vontade político-jurídica de uma sociedade, na visão dos adeptos do regime democrático - pela imposição do que se pretende sejam “os sentimentos e aspirações de um povo”, do que os líderes autoritários (e especialmente totalitários) sempre se julgaram os únicos intérpretes.O que significa dizer que a Constituição “não passa de um documento”? Se é assim tão relativo o valor do conjunto de regras - fixadas pela sociedade, sempre é bom lembrar - que está no topo da hierarquia do ordenamento jurídico de um Estado soberano, o que valerão as outras normas legais que lhe estão subordinadas? Assim, não há como deixar de ver em um magistrado que atribui apenas valor “documental” a uma Constituição a incapacidade de exercer, com a devida isenção, a tutela jurisdicional do Estado. Porque esse magistrado, na formação de seus elementos de convicção, para julgamento, sempre será conduzido pelos impulsos de sua própria subjetividade. Além de simples “documento”, na visão do juiz De Sanctis a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 - depois de memorável Assembléia Nacional Constituinte - é um simples “modelo”. Ora, modelo é o que pode ser seguido ou não, conforme a disposição de agir ou não em consonância com a, digamos, “maioria”. Para esse magistrado não cabe vestir uma toga prêt-à-porter de modelo constitucional, mas sim confeccionar sua própria indumentária judicante, com estilo jorrado do que lhe ditam os próprios sentimentos.“Não pertenço ao faz-de-conta” e “me recuso a me constituir à humilde condição de esponja”, disse o magistrado, com isso dando a entender que considera o Judiciário (menos a parte que lhe toca, é claro) um espaço ficcional, onde as coisas apenas são “como se fossem”, sem serem, efetivamente. Daí, talvez, a missão messiânica de alguém ungido para fazer “milagres” até pela coincidência do celeste sobrenome. E nessa especialíssima missão o que menos importa é absorver o que dizem a Constituição e a lei, por exemplo, sobre os limites (jurídicos, éticos ou de outra natureza) a serem observados na investigação criminal de suspeitos. Pois, afinal de contas, “juiz não é esponja, que absorve a jurisprudência e deixa fluir” - como assevera o destemido magistrado, para quem “o crime organizado só é investigado eficazmente quando o Estado tem de usar uma medida um pouco mais invasiva”. Não resta dúvida de que o “julgamento do julgador”, como tem sido considerado o rumoroso caso do juiz De Sanctis, será ponto de reflexão e estudos nas escolas de Direito, especialmente quanto ao preparo que devem ter os operadores da tutela jurisdicional do Estado no trato dos valores jurídicos e éticos de uma sociedade, devidamente consignados, em algum momento, em um texto constitucional.
FONTE: EDITORIAL JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO do dia 12.01.2008