quarta-feira, 28 de outubro de 2009

JUIZES DO MARANHÃO SÃO INVESTIGADOS POR LIBERAR MULTAS

Reportagem da Folha de S.Paulo informa que a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão ordenou a abertura de processos administrativos disciplinares contra sete juízes que atuam em 4 das 9 varas cíveis de São Luís (MA). Na maioria dos casos investigados, os juízes aplicaram multas contra bancos e fundos de pensão por supostas decisões não cumpridas, bloquearam o dinheiro nas contas dos réus e, em seguida, liberaram os recursos sem que o beneficiado pela decisão apresentasse "caução idônea" — garantia de que, caso perdesse o processo, pudesse restituir os valores.

Levantamento do jornal, a partir das 134 páginas do relatório final da correição feita pela Corregedoria entre janeiro e fevereiro últimos, apontou o pagamento de R$ 38,4 milhões em 27 ações judiciais do gênero. Ao liberar o dinheiro, os juízes costumam exigir, como caução, notas promissórias (documentos pelos quais a pessoa se compromete a pagar determinado valor). Entre os casos considerados suspeitos há seis pessoas que obtiveram tais indenizações milionárias e atuavam por meio da justiça gratuita, o que, para os corregedores, configura "estado legal de pobreza", ou seja, não teriam condições financeiras de dar nenhuma garantia.

Treze juízes coordenados pelo corregedor Jamil de Miranda Gedeon Neto investigaram, por amostragem, cerca de 12 mil processos que tramitavam nas 2ª, 3ª, 5ª, 6ª, 7ª e 8ª varas. Não foram apontados problemas na 3ª e na 8ª varas. A maioria das irregularidades foi detectada em processos que envolviam altas somas, penhoras online e saques em espécie.

De acordo com a Corregedoria, foram abertos oito processos disciplinares, sendo um para cada juiz e um para apurar indícios de fraudes na distribuição de ações — em vez de passarem pelo sorteio eletrônico, 14 processos foram enviados indevidamente aos juízes.

AposentadoriaUm dos casos investigados envolve o pagamento de R$ 2,99 milhões na 6ª vara cível. Em um período de seis dias em dezembro passado, o juiz Abrahão Lincoln Sauáia bloqueou R$ 2,99 milhões da conta da Funcef, o fundo de previdência dos funcionários da Caixa Econômica, transferiu o dinheiro para a conta bancária da vara e autorizou o saque, em espécie, pelo advogado do bancário José Antônio Ibiapina Mendonça, que alegava perdas no cálculo de sua aposentadoria.

O dinheiro foi retirado pelo advogado Gilliano Nascimento Cutrim, sobrinho do presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão, Raimundo Cutrim, e filho do vice-presidente do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Edmar Cutrim.

A ordem foi depois revista, após a Funcef ter entrado com recurso no TJ. Em fevereiro, o juiz que então respondia pela vara, Vicente de Paula Gomes de Castro, exigiu de Mendonça a devolução do dinheiro, num prazo de 24 horas, sob pena de prisão. A ordem, até agora, foi inócua.

Cutrim disse ao TJ ter entregue cerca de R$ 2,39 milhões a Mendonça e ter ficado com o resto a título de honorários advocatícios, enquanto Mendonça disse que nada recebeu.

O advogado obteve no TJ uma liminar que cassou multa diária de R$ 5 mil imposta por atraso na devolução, mas permanece a ordem judicial para que devolva o que sacou. O dinheiro nunca voltou à conta da 6ª vara, e advogados da Funcef ainda tentam a restituição.

A Justiça chegou a ordenar uma varredura nas agências bancárias, atrás de contas abertas em nome de Cutrim e de Mendonça. No relatório, a Corregedoria afirma que "merece apuração a conduta do titular, dr. Abrahão [Sauáia], que, depois de declarar findo o processo, com manifestação expressa do autor concordando com a extinção e arquivamento (25/4/2007), em 28/11/2008 "ressuscita" o processo sem maiores justificativas e em prazo recorde, apesar dos anos de existência do processo e centenas de outros aguardando despachos".

O juiz autorizou o saque sem caução e assim justificou a decisão que ele próprio chamou de "interpretação reversa": "Exigir-se a prestação de caução para levantamento de valor decorrente de execução definitiva de decisão judicial constitui imposição odiosa e discriminatória, inadmissível no Estado democrático de Direito".

Outro ladoA Folha também publica que os juízes que foram alvo da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Maranhão contestaram as conclusões da correição. O juiz da 6ª vara, Abrahão Lincoln Sauáia, atacou os resultados, mas disse que passou a rever a prática de acolher nota promissória como garantia para a liberação de recursos bloqueados.

"Acho que na medida em que o procedimento que o magistrado adota, mesmo sendo legal, é questionado dessa forma que foi questionado, acho que é hora de, talvez, rever esse posicionamento. (...) Embora esse procedimento seja legal, ele é questionado tão veementemente pelo órgão correicional daqui... Eu até já tenho adotado uma postura diferente, desde essa correição que só tenho aceitado cauções reais", disse Sauáia, que é juiz há 29 anos.

O juiz defendeu a promissória como caução: "O Código de Processo Civil autoriza. (...) A concessão da justiça gratuita informa que o sujeito não tem condições de pagar as custas, então o próprio Judiciário sustenta, mas não quer dizer que ele não tenha patrimônio para suportar eventual ressarcimento".

O advogado Gilliano Fred Nascimento Cutrim disse, a respeito do processo pelo qual obteve R$ 2,99 milhões para seu cliente [Antônio Ibiapina Mendonça], que não pode "especificar o que aconteceu com os mesmos [recursos], visto que, após o desconto dos honorários advocatícios, os valores foram repassados ao sr. Ibiapina".

Cutrim disse que sua família, que possui "vários parentes graduados em direito, magistrados e membros do Ministério Público", tem "origem humilde, venceu na vida pelo estudo e trabalho" e que ele "jamais se beneficiou de qualquer tipo de parentesco".

O advogado afirmou que os recursos não foram ainda devolvidos porque a questão está sendo discutida no TJ do Maranhão, onde ele obteve decisão favorável.

O juiz Nemias Nunes Carvalho, da 2ª vara, disse que a questão das cauções já "foi objeto de representação e ficou constatado que não há qualquer ato ilícito de minha parte". "Isso foi ressuscitado por essa malfadada correição, em boa hora avocada pelo Conselho Nacional de Justiça, pois eu sabia que lá haveria total isenção de ânimo para ser efetuado o julgamento", afirmou Carvalho.

O juiz disse que não responde mais a procedimento no CNJ. Procurado, o CNJ não confirmou nem contradisse a informação, sob alegação de sigilo nos autos. "Felizmente o conselho não afastou ninguém, o que foi uma frustração para muita gente que tinha esse interesse, e quando mandou instaurar [processo], não mandou contra a minha pessoa", disse Carvalho.

O juiz Sérgio Antonio Barros Batista, há 20 anos na magistratura, disse que está "tranquilo" sobre as decisões que tomou. "Não tenho nenhum constrangimento. Jamais prejudiquei alguém intencionalmente e as decisões foram tomadas com base em critérios técnicos e jurídicos." Para ele, a correição cometeu equívocos. "Os homens são capazes de se equivocar, em algum momento, naquele contexto de fazer correição açodada, apressada." Disse que já esclareceu as acusações.

Procurados, os juízes Douglas Amorim, José de Arimatéia Correia Silva, Luís Carlos Nunes Freire e José Raimundo Sampaio Silva não foram localizados para comentar o assunto, segundo a Folha.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

TRIBUNAL DO JÚRI "A ARTE DO CONVENCIMENTO"

Técnicas linguísticas-discursivas, paráfrases e tribunal do júri: a arte do convencimento


O presente trabalho tem como objetivo elucidar a importância do conhecimento e a conseqüente utilização de alguns recursos lingüísticos em situações cujo resultado tende a advir de intensa atividade dialética. Nesse liame, encontra-se no tribunal de júri palco perfeito para apreciação da aplicação dos conceitos e técnicas discursivas.

Far-se-á, primeiramente, uma análise sobre o desenvolvimento da palavra falada e escrita; após, breve conceituação sobre as formas de apuração das infrações; até se chegar à presente estruturação do Tribunal de Júri no sistema jurídico brasileiro.

Em uma última etapa, desenvolver-se-á a temática discursiva, especialmente a utilizada pelos atores de acusação e defesa no âmbito dos tribunais, levando-se em conta a forma como é dirigida a palavra para o auditório predeterminado e as conseqüências que o bom uso desta podem trazer no desfecho do julgamento perante o Tribunal popular.

1. Os humanos, a fala e os tribunais: linguagem, língua e discurso.

Antes de adentrar no cosmos jurídico, especialmente no sistema dos tribunais ditos "populares", mister se faz atingir um nível satisfatório de compreensão sobre a atuação dos personagens que, através de suas ações e omissões, falas e representações, operam e constituem o cenário do julgamento, dotando de realidade toda essa reconstrução secular a cada dia renovada.

Nós, seres humanos, ao longo dos séculos desenvolvemos formas diferentes para conseguir um canal eficiente de comunicação com nossos semelhantes. Nos primórdios, alguns gestos e ruídos animalescos traduziam as vis idéias que a mente símia conseguia produzir. Depois, foram desenvolvidas a palavra falada, a palavra escrita, os meios de comunicação em massa e outras fontes tantas cujas citações não se fazem necessárias. Tudo isso com um objetivo: transmitir o conteúdo que criamos ou entendemos justo para outros, informando-os ou persuadindo-os a se aliarem aos nossos ideais.

O tribunal do júri encontra nessa "interpretação teatral" sua fonte de subsistência: as alegorias apregoadas pelos advogados de defesa ou pela acusação visam convencer um auditório delimitado de que as teses apresentadas são as mais corretas entre as possíveis e passíveis de aplicação ao caso guerreado.

Nesse contexto, desenvolve-se a interlocução: trata-se de um espaço de produção da linguagem e de constituição dos sujeitos; uma ação individual com finalidade orientada; uma verdadeira e íntima relação entre um "eu" e um "tu". Através da interlocução, opera-se uma reconstrução da linguagem, ao mesmo tempo em que o sujeito se completa e se constrói nas falas apresentadas.

Fenômeno social, a interlocução, como tal, necessita de um palco, de um contexto hábil a recebê-la, para que possa produzir os efeitos e atingir os objetivos aos quais se propõe. É, pois, a situação histórico social o centro do espetáculo onde se processam as interações entre os sujeitos. Interações essas incapazes de operarem no campo metafísico sem constrições. A partir disso, o sujeito e a linguagem unem-se de distintas maneiras: há a possibilidade daquele realizar ações "sobre" a linguagem ou mesmo "com" a linguagem, ora produzindo sistemas de referência, ora recebendo ações próprias da linguagem.

Nesse campo, o estudo da análise discursiva costuma classificar as atividades da fala, tanto oral quanto escrita:

a) atividades lingüísticas: referem-se ao assunto em pauta, há progressão do assunto; b) atividades epilinguísticas: operam uma reflexão sobre os recursos expressivos; c) atividades metalingüísticas: reconhecem na linguagem o próprio objeto de estudo.

Classificadas as atividades da fala, passa-se à aplicação de seus conceitos no cosmus jurisdicional.

2. O sistema judiciário e sua relação com seus destinatários.

Amado, odiado, compreendido ou simplesmente aceito. A visão da população é amplamente divergente quando o tema é a justiça ou sua administração. Inicialmente, o sistema fora implantado como mecanismo de controle: os administrados eram sujeitos passivos, apáticos, excluídos, sem interação. A "busca da verdade" rompia a barreira do racional e invocava uma suposta intervenção divina como fonte de justiça. E isso não podia causar outra coisa se não indignação. A Idade Média, compreendida por alguns como "idade das trevas" e por outros como "depressão necessária à iluminação" contribuiu amplamente para a construção dessa imagem negativa da justiça que subsiste até os dias de hoje. Juntamente com a evolução cultural e racional da sociedade, o sistema jurídico buscou também o aperfeiçoamento: não seria mais uma mão pesada que abateria inocentes, mas sim um jogo de discursos, saberes e pressões, no qual os destinatários das normas não pudessem ser visualizados concretamente, numa clara apegação ao princípio romano "in dubio pro reo".

A norma jurídica, para KELSEN (2000), era uma prescrição. A lei, por outro lado, era a luva que revestia a norma no âmbito de um ordenamento jurídico. Nesse sentido, a lei era vista como fonte do direito na medida em que traduzia o revestimento estrutural da norma jurídica. Essa norma, na visão de FAGUNDES (2001), é bi-direcionada: a) ao próprio grupo legislador (coesão, credibilidade interna e eficácia); b) grupos sociais (controle à luz dos valores impostos pelos grupos dominantes).

Porém, nem tudo é perfeito na linda história da evolução do direito...O sistema de normas trouxe consigo uma segurança nunca dantes vista. Mas também cedeu espaço para lacunas e antinomias. E é exatamente sobre essas que pairam os esforços habilidosos e ardilosos de advogados e acusadores, usando o sistema de forma contrária à qual fora (im)posto: abre-se o campo da argumentação e subversão; do (des)entendimento e do livre convencimento; do justo e do aplicável.

BARTHES, deleitando-se sobre o assunto, reforça a diferença entre raciocínios argumentativos e meros argumentos: enquanto esses são formas públicas de raciocínios impuros e dramatizáveis, opiniões obtidas através de uma prévia identificação emocional, valorativa e ideológica, aqueles são reflexões processadas a partir de uma ideologia, uma inversão do real suficiente para obter a adesão dos interlocutores em relação ao argumentado.

Toda essa polêmica, que parece invenção das sociedades pós-modernas, teve suas raízes fixadas por ARISTÓTELES, por meio de sua teoria axiológica: abandonando o campo do idealismo e adentro no do empirismo, determinava a aceitação de princípios iniciais como sendo verdadeiros para poder ao longe chegar. Anos mais tarde, PERELMAN (1988) deu nova visão à linguagem e aos axiomas aristotélicos: a demonstração passava a travar uma árdua batalha contra a argumentação. No intuito de ampliar e melhor fundamentar a base teórica da Teoria da Argumentação através do método da Nova Retórica, Perelman passou a utilizar como objeto a Razão Prática. Esta estava mais bem relacionada com a teoria do direito por mostrar-se dinâmica tal qual este deve ser, extrapolando os limites de uma razão analítico-descritiva a fim de se adequar como guia de ação do homem. Em torno da razão prática desenvolveu-se a Filosofia Prática, capaz de estabelecer parâmetros para o plano de ação da esfera humana. Em continuidade, esta filosofia requisitava aprovação, ao invés da prova requerida pela razão teórica. A razão prática tinha na razoabilidade o critério da necessária aprovação das argumentações. A aprovação era dada pelo consentimento do auditório universal, destinatário ideal.

3. O Tribunal do Júri no sistema processual penal pátrio.

O conselho de sentença, constituído por sete jurados, escolhidos entre vinte e um cidadãos de reputação ilibada previamente sorteados dentre os catalogados na lista de jurados da comunidade onde residem, juntamente com o juiz de direito, apresentam-se como soberanos para proferir o edito aos submetidos à sua apreciação. Desta feita, compete ao Tribunal de Júri julgar os crimes dolosos praticados contra a vida, tanto em suas formas consumadas quanto nas formas tentadas. É essa a informação trazida pelo Código de Processo Penal:

"Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1o e 2o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados".

Todo o procedimento relacionado ao julgamento está muito bem discriminado no CPP, e não convém, nesse momento, adentrar nos detalhes atinentes às regras protocolais desse antigo e resistente instituto. O propósito, aqui, é mergulhar nas fábulas criadas; inundar-se na maré argumentativa advinda da representação e parafraseamento dos atores envolvidos no espetáculo que tende a produzir uma única certeza: a justiça do convencimento!

Os principais personagens envolvidos na (re)construção dos fatos figuram como adversários no campo oratório: enquanto o representante ministerial opera a acusação e tenta convencer a platéia sobre a admissibilidade do emprego de uma sanção por parte do estado-juiz, o defensor utiliza-se das mais variadas técnicas para desmantelar os fatos narrados na denúncia, peça inicial do processo crime instaurado mediante ação pública. Note-se que a platéia mencionada é ampla e diversificada; nela estão presentes gabaritados juristas e cidadãos de "ilibada reputação", que não necessariamente dispõem de conhecimento teórico sobre as instituições jurídicas.

Em razão dessa discrepância, o discurso é carregado de figuras que ora lhe dão suporte, ora lhe complementam: são jargões, figuras lúdicas, formas estereotipadas e paráfrases que "enriquecem" o vocabulário do emissor. Essas formas lingüísticas utilizadas pelos interlocutores na construção de seus enunciados (recursos expressivos) visam, em um primeiro momento, demonstrar habilidades técnicas e domínio do conteúdo e, posteriormente, induzir o público a compactuar com a história versada.

Uma destas técnicas consiste no emprego do dito "jargão". Em uma conceituação semântica, tem-se que se trata de uma terminologia específica da profissão que a emprega. Assim como no terreno das ciências médicas o termo "cianótico" faz parte do vocabulário diário dos especialistas em salvar vidas, no campo do direito há algumas palavras que por si só expressam o conteúdo de todo um entendimento prévio, sejam elas vocábulos técnicos ou os chamados "brocados jurídicos".

A utilização dos brocados traz conseqüências diversas ao interlocutor, dado as formas distintas pelas quais serão aceitos pelos receptores. Neste liame, observa-se que, no jogo travado perante o Tribunal, duas são as espécies de espectadores envolvidos:

a) o juiz togado que preside a sessão e o(s) procurador(es) da parte contrária; b) os jurados, que não necessariamente detém conhecimento acerca das regras e postulados jurídicos perpetrados e consolidados no transcorrer dos anos.

Segundo FAGUNDES (2001), são três as implicações ou funcionalidades advindos do uso dos jargões:

1. mostrar a (b) que eu (a) sei sobre o que estou falando; 2. mostrar a (a) que também sou do ramo (a); 3. limitar a interpretação de (b) à tese do locutor (a).

Assim, um jargão muito comum e quase sempre presente nos debates orais perante o Tribunal do Júri é o que se liga ao princípio da presunção de inocência, pilar basilar que, juntamente com o princípio da legalidade, sustentam o aparato repressivo estatal, que tem na justiça criminal sua conseqüência natural. Desta feita, enquanto cabe à acusação provar de forma inequívoca e inconteste os fatos articulados na denúncia e no libelo-crime acusatório, à defesa cabe tão-somente desconstruir a possibilidade de reconhecimento da autoria do denunciado no crime a ele imputado, sem a necessidade de fazer prova do contrário. Resta, portanto, a alegação da dúvida; e, em havendo dúvida, esta deve ser resolvida em favor do réu. Isto porque o direito penal tem incidência sobre o bem maior do ser humano, qual seja, sua liberdade. Imortaliza-se, então, dessa forma, o uso do postulado "in dubio pro reo"!

São inúmeros os julgados que acolhem essa tese defensiva, que culmina com a absolvição do denunciado e a conseqüente improcedência da peça vestibular. A titulo de exemplo, transpõe-se aqui um julgado proferido pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO TENTADO. AUSÊNCIA DOS ELEMENTOS DA TENTATIVA. DÚVIDA QUANTO À OCORRÊNCIA DA CONDUTA TÍPICA. ILEGALIDADE DA CONDENAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO RECONHECIDA NA SENTENÇA E NO ACÓRDÃO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Não cabe condenação por tentativa, sob pena de configurar constrangimento ilegal, quando não se demonstram – com base no conjunto probatório produzido durante a instrução criminal – os atos de execução, a não-consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente e o dolo do delito consumado.

2. A dúvida quanto ao efetivo início da execução do comportamento punível não autoriza a condenação por tentativa, tendo em vista que sua presença sempre se resolve em favor do agente, em observância ao princípio in dubio pro reo.

3. Ordem concedida para restabelecer a sentença do Juízo de 1º grau" (HC 41621 / RJ; 2005/0019019-0. Data da decisão: 6/12/2005).

O supracitado julgado demonstra, de forma clara e límpida, o largo uso desse recurso, mesmo em não se tratando de delito sujeito ao rito especial do júri; porém, em virtude disso, não há um tratamento próprio aos jurados: há apenas a aplicação de conceitos estritamente focados na literalidade argumentativa da linguagem jurídica.

É nesse ponto que nasce a especialidade e a diferenciação do julgamento perante um tribunal popular formador de um conselho de sentença: não basta ao advogado ou ao acusador despejar conhecimentos adquiridos ao longo da experiência jurídica em um papel destinado a outro jurista: além de demonstrar conhecimento na área, o locutor deve fazer-se entender pelos interlocutores que povoam a platéia (b). Nessa árdua tarefa, o emprego de um recurso lingüístico estereotipado faz-se mister: trata-se da paráfrase.

Diferentemente da ironia, que busca a desconstrução do sentido para constituição da linguagem, ou da paródia, que consiste na produção de novos sentidos tendentes a desestruturar a prática jurídica através de uma espécie de imitação, a paráfrase tem como função primordial a supressão das ambigüidades decorrentes da livre interpretação de uma tese pré-existente, através de sua retomada e releitura por um outro viés, o qual tende induzir o interlocutor a receber de forma pacífica e sem restrições a nova tese criada pelo locutor. Nesse sentido, a paráfrase jurídica não se conceitua como mera reforma do pré-dito ou simples exclusão de outros já-ditos possíveis: trata-se de uma forma de trabalho discursivo responsável pela multiplicação dos enunciados em circulação; opera uma reconstrução do já-dito.

Nesse liame, aplica-se à paráfrase o conceito de transposição de sentido, que para PARRET nada mais é do que indispensável condição de possibilidade do próprio sentido. Situando a paráfrase nesse campo interpretativo, PARRET cria seguinte esquema de transposições:

a) discursiva: paráfrase ("atividade natural onde a semelhança do sentido transposto e do sentido transpositor está mais ou menos intuitivamente posta");
b) hermenêutica: interpretação (saber de um texto);
c) científica: metalinguagem (conhecimento da ciência).

No transcorrer de uma sessão de julgamento, facilmente identificam-se as três formas de transposições preconizadas pelo citado autor: no momento em que o acusador aplica conceitos concernentes à ciência jurídica para induzir o auditório leigo a acatar sua tese discursiva, como, por exemplo, diferenciar dolo, culpa, legítima defesa direta e legítima defesa putativa, aplica ao seu discurso uma transposição cientifica; por outro lado, quando interpreta a lei geral e aplica-a ao caso em deslinde, faz uso de uma transposição hermenêutica reducionista; mas quando, diferentemente das ações anteriores, cria um embate com o defensor, utilizando as próprias teses daquele para fazer valer as articuladas pelo órgão de acusação, emprega a transposição discursiva.

A paráfrase, no cenário do julgamento, pode adquirir quatro funções:

a) função didática: explica o funcionamento judicial e os episódios do processo, tendo como destinatário o conselho de sentença;
b) função definitória: dirigida ao juiz presidente e ao advogado da parte contrária, aproxima-se da metalinguagem, pois direciona a argumentação a uma interpretação que antecede a própria definição;
c) função explicativa: explica os fatos elucidados em (b) para os mesmos destinatários de (a); não há confusão entre a forma (a) e a forma (c): enquanto esta "traduz" conceitos jurídicos aplicáveis ao caso sub judice, aquela leciona conceitos básicos sobre o funcionamento do julgamento pelo tribunal popular;
d) função explicitativa: conduz o interlocutor ao sentido que interessa ao locutor.

Dentre as funções acima apontadas, a que maior influência opera sobre o resultado final do julgamento é a elucidada na letra "d". Ao se apropriar do discurso alheio, o interlocutor, numa ação não destruidora, mas sim reconstrutiva, busca, com fundamento no próprio enunciado anterior, apontar seus defeitos e, dentre as possibilidades existentes, escolher a que melhor se encaixa à situação guerreada, apoiando sobre ela toda sua tese argumentativa. O uso desse mecanismo tem por escopo principal convencer a platéia de que a tese anterior apresenta irregularidades e, ao mesmo tempo, soluções diversas das inicialmente pretendidas. Num mecanismo de explicitação, reconstrói a própria tese fundante da argumentação apropriada de forma que aquela se adapte aos anseios pretendidos pelo locutor apropriante.

Toda essa dialética desenvolve-se na fase dos debates orais, em que as partes conflitantes utilizam-se de todos os meios disponíveis para obter o apoio do conselho de sentença às teses apresentadas. Findo os debates, com base nas alegações sustentadas e nas hipóteses criadas, o juiz presidente elaborará os quesitos de julgamento, que serão submetidos à votação do conselho. Os quesitos devem reproduzir fielmente os argumentos elencados pelas partes, sob pena de invalidar-se todo o procedimento judicial, consoante dispõe o art. 563, III, "k", do Código de Processo Penal.

Votados os quesitos e não existindo regularidades, publica-se a sentença em audiência, cujo resultado "premia" quem melhor desempenhou as ações de convencimento dos jurados e (re)construiu a história passada da forma mais próxima à realidade plausível.

(POR Diego Roberto Barbiero)

AGU É CONTRA PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

AGU é contra poder investigatório do MP

Por Fernando Porfírio

A redação dada pelo Constituinte não deixa dúvidas de que é atribuição do Ministério Público promover investigação na proteção de direitos difusos e coletivos, todos de natureza civil, e que cabe às polícias federal e civil dos Estados as atividades de polícia judiciária.
O entendimento é do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que enviou parecer sobre o assunto ao Supremo Tribunal Federal. Ele rejeita a constitucionalidade de dispositivos que, em tese, poderiam permitir que membros do MP façam investigações criminais em substituição às Polícias Judiciárias.
Em debate no STF está a constitucionalidade da Lei Complementar Federal 75/93, que permite aos membros do Ministério Público da União, nos procedimentos de sua competência, fazer inspeções e diligências investigatórias e requisitar o auxílio de força policial. Além disso, a lei permite a livre entrada de promotores e procuradores de Justiça nos estabelecimentos policiais e prisionais e o acesso a qualquer documento que trate da atribuição do controle externo da Polícia.
Também se discute na Ação Direta de Inconstitucionalidade a Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), que determina a aplicação subsidiária da norma ao Ministério Público dos Estados e, ainda, a Resolução 20/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que disciplina o controle externo da atividade policial.
O parecer 102.446/2009, com 35 páginas, foi juntado à ADI 4.271 proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil no STF. A associação argumenta que os poderes de investigação seriam de atribuição exclusiva dos delegados de polícia.
Na ação, a Adepol pede a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993, da Lei 8625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e da Resolução 20, de 28 de maio de 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público. A entidade argumenta que esses dispositivos afrontariam a Constituição Federal. Alega ainda que a atuação da polícia judiciária estaria comprometida ao envolver a atuação direta e coordenada de membros do MP na investigação de ilícitos penais.
A AGU rebateu, no parecer apresentado ao Supremo, argumentos de que a Constituição Federal teria dotado o órgão ministerial de “poderes implícitos” para conduzir investigações criminais. Para ele, “não se pode considerar implícita uma competência quando a Constituição a outorgou – de modo explícito – a outro órgão”.
Toffoli fez considerações históricas a respeito da função do Ministério Público nas investigações criminais no Brasil e da tradição pátria que “outorga apenas à polícia o exercício desse mister”.
Alegou, ainda, que “restou fracassada a tentativa de se incluir, no texto originário da Constituição da República de 1988, tal atribuição ao Ministério Público”, o que evidenciaria “a vontade do Constituinte de afastar do órgão ministerial público das atividades de investigação criminal”.
Nas palavras de Toffoli, “revela-se fora de dúvida que o ordenamento constitucional não reservou o poder investigatório criminal ao Ministério Público, razão pela qual as normas que disciplinam tal atividade devem ser declaradas inconstitucionais”.
O processo segue agora, com vista, à Procuradoria-Geral da República, que deve também emitir parecer sobre o assunto. O relator da ação é o ministro Ricardo Lewandowski.
Antecedentes na PGR
Em parecer emitido em outra ADI, no final do ano passado, o então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza se manifestou pela improcedência da ADI 3.806, também proposta pela Adepol. O ex-procurador entendeu que a investigação conjunta ou paralela aperfeiçoa o sistema de apuração porque reúne as exigências de punibilidade e o respeito aos direitos fundamentais.
O ex-procurador não concordou com o argumento da Adepol de exclusividade do poder de investigação criminal da polícia. Segundo ele, diversos órgãos públicos, como a Receita Federal ou o Banco Central, fazem diligências investigatórias dentro de seus âmbitos de atuação, que podem terminar com a coleção de documentos para o ajuizamento de ação penal pelo Ministério Público.
Como exemplo, citou investigações de sonegação fiscal ou de evasão de divisas feitas por esses órgãos e que geram ação penal, sem necessidade de passar por investigação policial. Para o ex-chefe do MPF, deve-se complementar a investigação criminal. Segundo ele, a apuração dos fatos, ainda que sustentem a propositura de ação penal, pode ocorrer em outros procedimentos, além dos comandados pelo delegado de polícia.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PROPÕE MAIOR CONTROLE SOBRE PRISÕES EM FLAGRANTE

Por Maurício Cardoso

Editada em janeiro de 2009, a Resolução 66 do Conselho Nacional de Justiça, que criou mecanismos de controle do judiciário sobre as prisões provisórias , representou um enorme avanço e deu maior efetividade aos mutirões carcerários existentes já há mais de cinco anos. Segundo dados do próprio CNJ, dentro de uma população de 180 mil presos provisórios no país, os mutirões já analisaram a situação de 28 mil detentos nessa situação e concederam benefícios a mais de 7 mil.
Diante dos extraordinários resultados obtidos com a aplicação da Resolução 66, o Conselho se prepara, agora, para dar mais um passo no enfrentamento do problema das prisões provisórias, conferindo uma especial atenção à questão da prisão em flagrante. Está em discussão no Conselho uma proposta de alteração da própria Resolução 66, que ganha um novo artigo, o primeiro na nova redação, totalmente dedicada à prisão em flagrante.
A proposta nasce justamente da experiência prática dos mutirões carcerários . Em Pernambuco, por exemplo, constatou-se que 40% dos presos provisórios entraram na cadeia pela prisão em flagrante. Destes, uma grande parte já deveria ter sido solto no momento do flagrante, ou porque cometeram pequenos delitos classificados como de bagatela, ou porque estavam sujeitos a penas restritivas de direito ou por que, se condenados, tinham direito de cumprir a pena em regime aberto.
Para o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, que atua na coordenação dos mutirões carcerários, a situação de Pernambuco é apenas uma amostra do que acontece em todo o país e revela a gravidade da situação. Para ele, todo juiz quando recebe um pedido de prisão em flagrante, tende a confirmá-lo na hora e depois não volta a reexaminar o caso. “Para eles é um constrangimento soltar o preso sem julgamento”, diz
Assim, quando a parte requer o relaxamento do flagrante, é atendida e vai para a rua, mas quando não chega o requerimento o preso fica na prisão. Com as enormes deficiências da Defensoria Pública para dar conta da demanda, e como a maioria dos flagrantes atinge a parcela menos favorecida da população, a tendência é que essas prisões irregulares e se multipliquem, onerando de forma desnecessária todo o sistema.
A proposta que está sendo discutida no CNJ é para que o juiz aja de oficio para evitar prisões provisórias irregulares decorrentes de flagrante. Veja os termos da proposta:
Art. 1º O artigo 1º da Resolução nº 66, de 27 de janeiro de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1° Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, imediatamente, ouvido o Ministério Público, fundamentar sobre
I - a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, quando a lei admitirII - a manutenção da prisão, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, sempre por decisão fundamentada e observada a legislação pertinente; ou
III - o relaxamento da prisão ilegal.
§1º Em até quarenta e oito horas da comunicação da prisão, não sendo juntados documentos e certidões que o juiz entende imprescindível à decisão e, não havendo advogado constituído, será nomeado advogado ou comunicada a Defensoria Pública para que regularize em prazo razoável, que não pode exceder a 5 dias.
§ 2º Quando a certidão e o esclarecimento de eventuais antecedentes estiverem ao alcance do próprio juízo, por meio do sistema informatizado, fica dispensada a juntada e o esclarecimento pela defesa, cabendo ao juízo fazê-lo, se entender necessário.
§ 3 Em qualquer caso o juiz zelará pelo cumprimento do disposto do artigo 5º, LXII, da Constituição Federal, e do disposto no artigo 306, §1º e § 2º, do Código de Processo Penal, especialmente quanto à comunicação à família do preso e à Defensoria Pública, quanto ao prazo para encaminhamento ao juiz do auto de prisão em flagrante e quanto às demais formalidades da prisão, devendo ser oficiado ao Ministério Público eventual irregularidade.

STF AFASTA GRAVIDADE DO CRIME COMO FUNDAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA

Gravidade do crime não motiva prisão preventiva

Ao afastar a gravidade do crime como fundamento da prisão preventiva, o ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em Habeas Corpus para que Carlos Augusto Mariano da Silva, acusado de corrupção ativa, permaneça em liberdade até o julgamento definitivo do processo a que responde. Ele foi condenado a seis anos de reclusão, em regime semiaberto, por ter oferecido R$ 5,8 mil a um policial militar. Segundo a denúncia, a intenção era que o policial não prendesse um traficante e não apreendesse os cinco quilos de cocaína encontrados com ele.

O impetrante alegou que, a partir da decisão do Superior Tribunal de Justiça de indeferir o pedido de liberdade provisória, o réu está na iminência de ser detido, sem que haja a necessidade de prisão cautelar. Segundo a defesa, Carlos Augusto é estudante de Direito, réu primário, tem bons antecedentes, ocupação lítica e residência fixa e, por isso, teria o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade.

De acordo com Eros Grau, o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo que negou a liberdade provisória o fez apenas com fundamento na gravidade do crime, sem apresentar qualquer justificativa para a prisão cautelar, o que vem sendo reiteradamente repudiado pelo STF. Além disso, o ministro considerou que “a manutenção da prisão do paciente nessas circunstâncias consubstancia nítida antecipação do cumprimento da pena”, o que é vedado por jurisprudência do Supremo.

FONTE: STF (HC 100.572)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

OAB QUER FIM DE ELO DIRETO ENTRE POLÍCIA FEDERAL E PROCURADORIA

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer o fim da Resolução 63, do Conselho da Justiça Federal (CJF), que estabelece trânsito direto dos inquéritos criminais entre a Polícia Federal e a Procuradoria da República - exceto quando houver pedido de medidas cautelares, como ordens de prisão, interceptação telefônica e mandados de busca, os casos não precisam mais passar pelo crivo da Justiça. Em ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que fiscaliza o Judiciário, a OAB pede liminarmente providências contra a resolução, em vigor desde 26 de junho e salienta que a regra do CJF "além de manifestamente inconstitucional, tem causado os maiores atropelos ao exercício da defesa na fase inquisitiva". A reclamação ao CNJ é subscrita pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, e pelo secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron.

O CJF, colegiado formado por cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelos presidentes dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs), argumenta que a medida confere maior celeridade às investigações e avalia que "não há exercício de atividade jurisdicional no simples deferimento de prorrogação de prazo para a conclusão das investigações policiais". Para o CJF, essa tramitação "além de acabar tornando o órgão do Judiciário mero espectador, com função eminentemente burocrática da atividade realizada no bojo do inquérito, contribui desnecessariamente para o alongamento do procedimento e em nada influi na tutela judicial dos direitos fundamentais".

Os advogados veem riscos de "abusos e descontroles" na nova sistemática. Eles avaliam que todos os procedimentos de investigação policial devem passar pela análise do Judiciário, incluindo os pedidos de ampliação de prazo para os inquéritos. Pedem o restabelecimento "do dever de os magistrados apreciarem os pedidos de vista que lhes sejam dirigidos".

Segundo a OAB, o elo direto PF-Procuradoria "incorre em manifesta inconstitucionalidade formal e material" e a resolução "invadiu a esfera de competência do legislador e dispôs de maneira antagônica à regra constante do Código de Processo Penal (CPP)", que em seu artigo 10 diz que o juiz é competente para autorizar dilação processual. Para os advogados, a resolução restringe o direito de defesa".
(A matéria foi publicada hoje no jornal O Estado de S.Paulo e é de autoria do repórter Fausto Macedo)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

REPRESSÃO PENAL NÃO É SOLUÇÃO DA CRIMINALIDADE

Por Roger Spode Brutti

De acordo com Lacassagne (1885), “o meio social é o caldo de cultura da criminalidade, sendo o delinquente um mero micróbio que não tem qualquer importância enquanto não encontra a cultura que provoca a sua multiplicação”. Se mudanças na legislação resolvessem o problema da criminalidade, o Brasil hoje seria um paraíso, em decorrência do vasto complexo normativo que já produziu.

Como dizia o aposentado ministro do Supremo Tribunal Federal, Evandro Lins e Silva, embora muitos achem que a severidade do sistema legal intimida e acovarda os criminosos, aquele magistrado nunca chegou a ter conhecimento, tampouco eu em minhas funções, de um sequer que tenha feito uma prévia consulta às leis penais antes de infringi-las.

Há que distinguirmos, também, os meios formais de combate à criminalidade (leis) dos meios instrumentais aptos a colocá-los em prática (polícias, presídios, etc.). De nada adianta um sistema legal prodigioso, se, de outro lado, existe um sistema instrumental deficiente. O flagelo do complexo carcerário nacional, por exemplo, já era de todos conhecido, exsurgindo novos debates a respeito diante do recente indeferimento de prisões preventivas na Comarca de Canoas, no Rio Grande do Sul. Paralelamente a isso, como se não bastasse, nossas polícias, já assoberbadas de serviço, travam uma luta desigual contra a crescente criminalidade originada pela mortífera e crescente onda do “crack”.

Percebe-se, pois, que não mais é possível ao Poder Público deixar de reconhecer que a simplória ação de “tentar” reprimir vale menos que a ação de prevenir. Manter-se o foco exclusivamente na repressão penal é mecanismo falho, reprovado pelo tempo e rejeitado pela falta de eficiência. Não se pode focar unicamente a consequência e olvidar-se das suas causas. A crise do sistema penal repressivo é notória e generalizada. São incontáveis e incessantes rebeliões em estabelecimentos penais, reincidência criminal flagrante, aumento significativo e crescente do consumo de drogas, etc.

Por fim, vale dizer que, se para os administradores do nosso país a construção de presídios mostra-se a única solução perceptível perante todo esse sistema penal arruinado vigente, é porque tudo ficará ainda pior do que já está, pois nos faltam gestores de visão. Há que perceberem referidos homens públicos que por trás de todo flagelo de hoje estão as políticas públicas básicas deficientes de ontem. Ou se curam as causas, ou se chegará ao absurdo de um dia a sociedade precisar mais de presídios do que de escolas em seu meio social.