quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ADVOGADO QUE RECEBEU VOZ DE PRISÃO CONTA SUA VERSÃO

O advogado criminalista Vanildo José da Costa Júnior, que em sessão da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, recebeu voz de prisão no dia 9 de novembro por desacato a autoridade, classificou o episódio como uma afronta à Constituição e um caso grave de cerceamento das prerrogativas dos advogados. Ao apresentar sua versão dos fatos em carta enviada à revista Consultor Jurídico, Costa Junior destacou que é necessária uma resposta por parte da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio.

O criminalista defende quatro réus acusados de participar da máfia do combustível. Durante a sessão do dia 9 de novembro, Costa Junior disse que usaria o seu direito constitucional de permanecer calado para protestar contra irregularidades na tramitação do processo. O relator da ação, desembargador Abel Gomes, entendeu a prática como desacato à autoridade e deu voz de prisão ao profissional.

Sobre o caso, o advogado afirmou que, como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e expor nulidades, tentou, como forma de protesto, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a corte e tentar a reforma do julgado. “Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas”, afirmou ele na carta.

Leia na íntegra a carta do criminalista Vanildo José da Costa Júnior.

Como advogado criminalista, sempre aprendi que o direito à defesa permite o silêncio, mesmo em estado de flagrante delito. É direito sagrado aduzir o silêncio, face à magna garantia.

Nas disciplinas básicas de Direito Penal, um caso clássico de homicídio causado por xingamento é muito comentado. O advogado criminalista doutor Tício interpela o juiz por duas horas na tribuna do júri, sempre com “Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz! Excelentíssimo senhor juiz!”. Sabe-se que, depois da incessante exclamação, o juiz deu voz de prisão ao advogado e, em seu duro ofício, saiu processado. Entretanto, absolveu seu cliente no voto do júri, quando sacramentou: “Ora, se passei duas horas chamado o juiz de forma nobre e ele mandou me prender, justifica-se meu cliente ter matado por um xingamento tão absurdo a que foi submetido.”

As lições aprendidas na universidade estão sempre se renovando na vida profissional, sobretudo numa profissão de liberdades, como a advocacia. A liberdade, para o advogado, é imprescindível face à natureza da profissão, tanto que o inciso IX do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) profetiza: “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de 15 minutos, salvo se prazo maior for concedido”.

Nesta terça-feira (9/11), em meio ao livre exercício do trabalho e investido de minha prerrogativa profissional, fui interrompido de exercer o direito de sustentação oral na tribuna da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tendo sido conduzido pela Polícia Federal, onde foi lavrado um termo circunstanciado que culminará num processo por crime de desacato.

Vale frisar que, desde a sua sentença, em 2005, constam numerosas nulidades no processo causador do fatídico episódio. Os recursos que as aduziram foram destinados à Corte Especializada do TRF-2, que, ilegalmente, por decisão judicial, dividiu os 15 minutos de sustentação para todos os advogados, concedendo apenas um minuto e meio para cada advogado realizar a defesa técnica.

Diante de mais uma nulidade processual, o Superior Tribunal de Justiça, por óbvio, entendeu que houve cerceamento de defesa e determinou o retorno dos autos ao tribunal, determinando que outro julgamento fosse realizado com a observância do prazo da sustentação oral de 15 minutos para a defesa de cada réu.

Sendo assim, com a descida dos autos, no segundo dia de julgamento (9/11), ao abrir a sessão, apresentei-me para a defesa dos meus quatro clientes, fato que me daria sessenta minutos de sustentação. Como entendo que qualquer modificação do processo só poderá ocorrer através de uma metanoia processual, o que só é possível nas Cortes Superiores, entendi que a melhor forma de defesa, naquele momento, era aduzir as nulidades e o desrespeito às garantias processuais, zelando pelo direito à defesa de meus clientes e utilizando argumentos técnicos, que eivam de nulidade o processo.

Assim, é importante ressaltar que mais uma vez não me foi dada a oportunidade de ampla defesa, haja vista a cassação de palavra, a interrupção da sustentação e o desligamento do microfone a que fui submetido na ocasião. Tive cerca de 50 minutos interrompidos, o que confere um caráter ilegal à atitude da União. Mais uma vez, através de um de seus órgãos, ela cerceou o mais sagrado direito dos meus clientes: o direito à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e defesa técnica. Até o presente momento, o Colegiado vem descumprindo a determinação do Tribunal da Cidadania, trazendo mais uma nulidade ao processo e lesionando a prerrogativa do inciso IX do artigo 7º do Estatuto do Advogado, o que gera prejuízo inestimável e é uma afronta à Constituição.

Como na tribuna é garantido ao advogado utilizar comparações e aduzir as nulidades, tentei, como forma de protesto, diante de um dogma intransponível, utilizar exemplos e garantias de nulidade para sensibilizar a Corte e tentar a reforma do julgado. Por isso, utilizei a figura do silêncio como metáfora, como também poderia utilizar qualquer outra figura constitucional para aduzir a nulidade, retratando o absurdo processual à luz da teoria das nulidades.

Jamais entrei em discussão com o desembargador; minha atuação, naquele momento, foi de defesa dos meus clientes e prerrogativas. Tive o meu direito à sustentação cassado, fui retirado da sessão arbitrariamente e preso, tudo em confronto ao parágrafo 3º do artigo 7º do Estatuto – proibição da prisão. Fui escoltado por um delegado da Polícia Federal e seus agentes, saindo do tribunal dentro de um camburão, e ficando meus clientes desassistidos, sem qualquer defesa técnica, com os demais advogados se sentindo coagidos e amedrontados com o ocorrido.

Insta salientar que o mandamento do Estatuto da Advocacia, que tem estatura constitucional, não permite esse tipo de situação. Não devemos ter medo de falar o que quer que seja para quem quer que seja. O advogado deve exercer sua advocacia com liberdade (artigo 7º). O que está em risco não é apenas o restabelecimento da minha moral, mas as prerrogativas dos advogados.

No primeiro dia de julgamento (8/11), o brilhante advogado doutor Alberto Louvera, após observar a necessidade da importância da leitura do relatório, e evitando mais uma nulidade processual, exercendo o seu múnus constitucional (artigo 133 da Constituição), foi advertido e proibido de se retirar da sessão – mais atitude ilegal do órgão, que afronta, por conseguinte, a garantia da alínea a do inciso VI do artigo 7º do Estatuto da Advocacia.

As sucessivas práticas abusivas cometidas neste processo agridem as prerrogativas dos advogados. A referida Corte, que, num primeiro momento, tentou fracionar o tempo de sustentação concedendo apenas um minuto e meio – salvo anulação do STJ –, proibiu ilegalmente a retirada de um advogado da sessão no primeiro dia de julgamento, e deu voz de prisão a outro, durante sua sustentação, no segundo dia. É válido ressaltar que a sustentação oral foi interrompida com condução coercitiva da delegacia da Polícia Federal. E mais: como testemunhado por mim e diversos colegas advogados, o desembargador Abel Gomes chamou a presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ, doutora Fernanda Lara Tórtima, de “bucha de canhão”.

Por fim, diante de atitudes injustificáveis, é hora de falar para que sejam tomadas as providências cabíveis e pertinentes, sobretudo porque, afora as ilegalidades e ofensivas, as prerrogativas foram violentadas. É extremamente necessário que haja forte resposta por parte da seccional da OAB-RJ.

Vanildo José da Costa Junior

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

OAB GANHA LIMINAR CONTRA MEDIDA PROVISÓRIA DO SIGILO FISCAL

A Justiça Federal de Brasília concedeu liminar em Mandado de Segurança coletivo impetrado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), suspendendo a necessidade de procuração por instrumento público para a constituição de advogados que atuam perante a Receita Federal, em especial, e aos órgãos fazendários de um modo geral — exigência gerada pela Medida Provisória 507, conhecida como MP da quebra do sigilo fiscal. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou nesta terça-feira (23/11) que a liminar "representa uma decisão que resgata a cidadania junto ao Fisco, pois é fundamental que o Estado sirva ao cidadão e não que crie obstáculos, impedindo que as pessoas possam defender seus direitos".

A exigência suspensa pela liminar constava do artigo 7º e do parágrafo único do artigo 8º da Portaria da Receita 1.870/10. A portaria regulamentou a MP 507 — editada após denúncias de violações de sigilo fiscal durante a campanha presidencial - e foi atacada no mandado de segurança da OAB como "claramente ilegal ao não excepcionalizar os advogados". A liminar foi deferida pelo juiz federal titular João Luiz de Sousa, da Seção Judiciária do Distrito Federal.

"A partir do momento em que a Receita Federal passou a exigir procuração pública para que o advogado ou o cidadão possa ter acesso a seus processos, houve necessidade de se tomar posicionamento em defesa do direito fundamental de acesso às informações sobre sua vida nos órgãos fazendários, e foi isso o que a OAB fez", sustentou Ophir Cavalcante. "A partir desse mandado de segurança coletivo, os advogados voltam a ter acesso às informações de seus clientes, independentemente de procuração pública, bastando a procuração particular como, aliás, aliás sempre foi a norma exigida nos processos judiciais".

Além da ilegalidade da exigência de procuração por instrumento público para se advogar e ter acesso a informações de órgãos fazendários — o que afronta prerrogativas da advocacia previstas na lei 8.905/94 —, o mandado de segurança impetrado pelo Conselho Federal da OAB apontou como flagrantemente inconstitucional a MP, que fere o previsto no artigo 5º da Carta. "Isto tudo tem sido impossibilitado, comprometido ou muito dificultado pela notoriamente inconstitucional MP 507/10 e a ilegal Portaria RFB 1.860/10, que lhe atribuiu eficácia concreta", sustentou o texto do mandado de segurança, em trecho reproduzido na decisão do juiz federal João Luiz de Sousa.

Ao conceder a liminar, o magistrado conclui afirmando que, "ao contrário do que alega a União em sua defesa, não há interesse público direto e relevante a ser amparado pelo ato normativo, na parte que está sendo impugnado (pela OAB). Assim, a ordem liminar nada mais fará do que restabelecer o primado da lei e o status quo ante, sem qualquer prejuízo a quem quer que seja".

Além do presidente nacional da OAB, assina o Mandado de Segurança impetrado pela OAB na Justiça Federal do DF, com base no qual foi concedida a liminar, o vice-presidente da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da entidade, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

CRIMINALIZAÇÃO EXARCEBADA VIOLA DIREITOS HUMANOS

Por Raul Haidar

Um advogado e uma estudante de direito foram alvos de notícias estranhas. O primeiro, que já havia declarado ser um demônio, foi entrevistado pela TV confessando ser usuário de entorpecente, enquanto a moça declarou ódio a nordestinos que pretende ver mortos por afogamento.

Ambos os casos obrigam-nos a uma reflexão sobre o que está acontecendo com os profissionais e os estudantes de direito, mas isso não implica em tentarmos julgar essas pessoas e nem mesmo - o que seria pior - criticar o destaque que a mídia deu a esses assuntos.

Discordamos que se trata de notícia ruim, pois a única notícia ruim é a falsa. A imprensa não tem o direito, mas o dever de divulgar qualquer notícia que lhe pareça útil ou interessante. Uma sociedade só evolui quando pode dispor de qualquer informação, sem censura, sem qualquer conselho, autoridade ou mesmo juiz dizendo o que pode ou não ser divulgado.

Aqueles fatos - um advogado ser toxicômano e uma estudante ser preconceituosa - não apresentam isoladamente nenhuma relevância.

O uso regular de substâncias capazes de provocar dependência química é uma doença e deve ser tratada como tal através da medicina e da psicologia.

A eliminação dos preconceitos talvez seja um processo mais demorado, vez que enraizado na alma da sociedade brasileira, que ainda se comete coisas ridículas e idiotas como falar em nobreza, chamar algumas pessoas de excelência e apelidar de doutor qualquer engravatado. Educação e cultura são coisas muito demoradas.

As duas notícias repercutiram de forma que nos pareceu excessivamente burocrática e exageradamente formal. A Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais teria encaminhado o assunto ao Tribunal de Ética, enquanto uma seccional do nordeste pretende ver a estudante preconceituosa criminalmente apenada. O escritório onde ela fazia estágio resolveu dispensá-la. Se ela dependia do estágio para pagar a faculdade, passou a ter mais um problema além da ignorância.

Parece-nos que tais questões mereçam ser tratadas com mais serenidade e até mesmo levando-se em conta a possibilidade de ocorrência daquilo que um ministro do STF chamou de “três minutos de insanidade”.

Durante a XXVI Reunião de Presidentes de Subseções da OAB-SP, em 1999 em Águas de Lindóia, o então Ministro do STF, Carlos Mário da Silva Velloso, admitindo a hipótese de que votara certa matéria de forma equivocada, afirmou que “...certamente estava naqueles três minutos de insanidade que nós todos, que todo homem, todo dia passa...”.

Ora, se um Ministro do Supremo admite que pode decidir questões de grande relevância para a Nação durante esses “três minutos de insanidade” , devemos admitir que advogados e estudantes acham-se sujeitos ao mesmo risco, que é o de passar por três minutos de insanidade todo dia.

Dependência química é classificada como doença e nessas condições não pode ser classificada como infração ético-disciplinar. Parece-nos, pois, que um procedimento disciplinar no caso do advogado aqui citado dificilmente possa prosperar.

Mas quando um advogado sofre de doença mental ele deve ser licenciado de oficio pela OAB, conforme o artigo 12, inciso III, da lei 8906. Ou seja: ele é afastado da profissão para que se recupere da doença. Cabe observar que a lei fala em doença mental curável, o que pode dar ensejo a discussões, uma vez que a lei tem mais de 16 anos e nesse espaço de tempo houve uma expressiva modificação nas ciências médicas, com o surgimento de medicamentos mais sofisticados e eficazes, o que nos obriga a reconhecer a necessidade de laudos psiquiátricos nesses casos. Doença que não era curável em 1994 talvez o seja hoje.

Todavia, ainda que se trate de doença incurável, os direitos do doente devem ser respeitados e antes de mais nada verificado se a doença impede o trabalho, até porque o exercício da atividade quase sempre é ajuda importante no tratamento.

De qualquer forma, não podemos nos esquecer que o advogado deve ser assistido e amparado pelos serviços assistenciais da OAB, conforme ordena o artigo 62 do nosso estatuto. Essa assistência deve ser a mais ampla possível, eis que a lei não lhe fixa limites, falando apenas em prestar assistência aos inscritos. Se o advogado tem doença deve ser assistido pela OAB, não disciplinarmente punido. Uma coisa exclui a outra.

A história recente da advocacia registra vários casos de minutos de insanidade.

Há cerca de dez anos um advogado sofreu vários processos disciplinares, quase sempre por ofensas a magistrados e colegas, quando usava linguagem totalmente incompatível com a profissão. Com algumas suspensões, já se podia antever que teria sua inscrição cancelada pela aplicação do artigo 38 da nossa lei.

Mas advocacia e justiça não se limitam a aplicar a lei e esta é instrumento criado pelo homem para ser instrumento de sua felicidade. Não é a criatura humana que está a serviço da lei, mas o contrário.

Por outro lado, estamos nos desviando dos princípios básicos da civilização e da declaração universal dos direitos humanos quando, a pretexto de controlar comportamentos, acabamos criminalizando qualquer coisa e transformando quase todas as nossas atitudes em coisas perigosas, que devem ser controladas pelo Grande Pai, o estado...

Em face a tais princípios, a OAB-SP, por sugestão do relator do TED naquela ocasião, convidou o advogado para uma reunião, onde este confessou-se doente mental, declarando-se impossiblitado de arcar com as despesas do tratamento. Em face do laudo psiquiátrico reconhecendo a doença como curável, nosso colega foi temporariamente afastado da profissão, a ela retornando mais tarde quando recuperado e hoje trabalha sem problemas.

Situação parecida também ocorreu em relação a advogado que voluntariamente se afastou da OAB por estar fazendo tratamento psiquiátrico e que recentemente pleiteou reinscrição eis que já está recuperado. Ou seja: quando acometido de doença mental - consta que dependência química assim se define - tem direito a afastar-se ou deve ser afastado de ofício o profissional que, recuperado, pode voltar ao exercício de seu trabalho. Note-se que não cabe à OAB pretender avaliar a recuperação, que só pode ser feita pelo médico psiquiatra.

Outra situação ocorreu quando um jovem pretendia inscrever-se na OAB e teve seu pedido questionado, ao argumento de que fizera ameaças de morte a todos os ministros de STF, as quais teriam sido divulgadas pela internet. Uma situação um pouco parecida com a estudante de direito que não gosta de nordestinos.

A inscrição foi concedida por unanimidade pelo Conselho da OAB-SP, que aceitou o parecer do relator, onde este demonstrou que as ameaças não eram sérias, que o pretendente à inscrição era um jovem de boa reputação e que tudo não passara de uma bobagem decorrente dos “... três minutos de insanidade que nós todos, que todo homem, todo dia passa...”.

Ora, se todo homem passa, a mulher também passa. Assim, pretender crucificar uma jovem por uma besteira que ela falou ou escreveu, não engrandece ninguém. Não se trata de ignorar a ofensa, de concordar com o preconceito ou estimular tal comportamento. Trata-se de buscar uma solução harmônica, humana, que reconheça a nossa posição de animais racionais, sem que nos coloque na vala comum das bestas vingativas que encontram prazer no sofrimento de nossos semelhantes.

No caso da estudante preconceituosa, muito provavelmente ela é duplamente vítima: a) da ignorância que ostenta, resultado do mau ensino que recebeu; e b) da falta de solidariedade e companheirismo de seus colegas de estudo e trabalho.

Uma estudante que tivesse tido aulas pelo menos razoáveis teria a obrigação de saber que os maiores juristas, os mais relevantes autores da doutrina jurídica do Brasil, os mais consagrados mestres em todos os campos do direito foram nordestinos ou nortistas: Clovis Bevilacqua (cearense), Rui Barbosa (baiano), Djaci Falcão (paraibano), Pontes de Miranda (alagoano), Hugo de Brito Machado (piauiense) e tantos e tantos outros.

A estudante que não sabe disso é culpada? Ora, deveria ser obrigatório o estudo das biografias dos grandes mestres do direito brasileiro. Mas, infelizmente, estuda-se apenas onde colocar o “x” na alternativa certa da prova do concurso. Se há alunos que fingem estudar, há professores que fingem ensinar.

Fala-se em processar a estudante por racismo! Essa história de dizer que tudo é crime acaba por nos transformar todos em escravos da lei que, como já afirmamos, deveria ser escrava da sociedade.

A mencionada jovem ignorante, se processada na forma da lei poderia ser condenada e se fosse presa se tornaria uma pessoa melhor? Nossas prisões recuperam alguém? Queremos transformar uma estudante de Direito, ainda que ignorante em cultura jurídica, em mais uma delinqüente profissional, com curso de pós-graduação na Universidade do Crime?

Foi muito simples para o escritório onde ela estava trabalhando livrar-se do assunto: bastou dizer que a dispensaram. E fica a pergunta: ela era um objeto dispensável que pode ser descartado na primeira falha como se fosse um copo trincado? Ora, os nossos colegas quando selecionam uma estagiária devem fazer uma seleção rigorosa. Talvez não tão rigorosa a ponto de verificar conhecimentos culturais mais amplos, mas pelo menos deve ser uma pessoa de boa índole, séria, que não vá causar prejuízos ao escritório.

Imaginar que um episódico incidente de preconceito praticado por uma estagiaria possa prejudicar a boa imagem de um escritório é ridículo. Não parece razoável supor que besteira de estagiário na sua vida pessoal e da forma como aqui relatada possa comprometer o escritório em que trabalha.

Assim, fica evidente que os advogados que selecionaram a estagiária não estavam preocupados com sua auxiliar. Devemos nos lembrar que qualquer auxiliar de um advogado, seja estagiário, recepcionista ou faxineiro, é, antes de mais nada, uma pessoa, uma criatura humana, que merece nossa compreensão, nossa solidariedade. O estagiário merece mais que isso: precisa ser orientado, instruído, aconselhado. Para isso é que inventaram o estágio, que não é apenas uma forma de arranjar mão de obra mais barata e sem relação de emprego.

Com tais considerações, retornamos ao início: o que está acontecendo com os profissionais e os estudantes de Direito?

Quanto aos advogados, tudo indica que muitos não estejam percebendo a necessidade de revermos todos os nossos valores, eis que nos encontramos num mundo totalmente diferente daquele onde nossa profissão foi construída.

Também é incrível que ainda haja algum colega se imaginando superior a outros, apenas porque ocupou este ou aquele cargo na OAB ou no governo ou porque fez um curso de mestrado ou doutorado ou tenha publicado livros.

Todos sabemos que cargos no governo quase sempre ignoram méritos e qualidades do indicado, sendo quase sempre resultado de interesses menores, e que a composição de chapas na OAB também é repleta de defeitos. Títulos acadêmicos não raras vezes são outorgados sem critérios ou mesmo atribuídos a trabalhos sem qualidade que podem até ser comprados aqui ou ali. Publicar livros hoje já não significa quase nada, pois a indústria editorial se tornou uma grande brincadeira, principalmente depois da invenção da internet.

Talvez isso explique a preocupação do advogado já mencionado em apresentar-se como demônio, satanás ou belzebu. Muitas pessoas acreditam nessas coisas, cuja credibilidade deve ser maior do que a apresentada por muitos advogados. Parece ser aquela velha história: se eu não posso ser respeitado, tentarei ser temido.

A estudante de direito fez uma besteira decorrente de ignorância. Enquadrar isso como crime não leva a nada, além do que os nordestinos provavelmente não estão nem aí com essa bobagem. Ela deveria, quem sabe, sujeitar-se a duas penas: pedir desculpas - se ainda não o fez - e fazer um trabalho escolar resumindo a biografia de mestres do direito que são ou foram nordestinos.

Se o advogado quer livrar-se do vício, pode e deve procurar ajuda da OAB ou de quem o possa auxiliar. Se a estudante não gosta de nordestinos demonstra grande ignorância e deve ler um livro. Pode ser um volume só do Tratado de Direito Privado de Pontes de Miranda.

Essas questões envolvem ignorância, vaidades mal resolvidas, maldades desnecessárias. A advocacia precisa livrar-se dessas questões. Nossa profissão é séria e defende coisas sérias. O patrimônio, a liberdade e a honra de nossos clientes dependente de nosso trabalho. Não podemos brincar com isso. Não podemos sequer desfrutar de apenas três minutos de insanidade.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A DENGUE SEGUE MATANDO E A FUNASA EM EXTINÇÃO

POR: David Cavalcanti, Médico Sanitarista

A arquitetura da morte pela dengue foi tramada em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso aceitou pano elaborado pelo alto tucanato que decidia extinguir a Funasa ou
pelo menos colocar seus servidores em extinção, abrindo importante brecha para a contratação de mão-de-obra barata diretamente pelas prefeituras, as quais poderiam assim angariar importantes cabos eleitorais pagos por verbas públicas. O tiro de misericórdia veio em 2002, quando a descentralização literalmente jogou os servidores qualificados da Funasa nas mãos de prefeitos e secretários de saúde sem qualquer noção da valorosa contribuição qualificada que recebiam sem custo do governo federal. O resultado era o previsto pela equipe de FHC: os servidores de carreira da Funasa foram desprezados enquanto que os terceirizados contratados por critérios político-eleitoreiros foram deixando de lado o combate às epidemias. Por causa disso, da irresponsabilidade do governo federal, as endemias foram retornando criminosamente e afetando nossas vidas. Dengue, malária, febre amarela, tuberculose e leishmaniose encontraram no abandono do combate sistemático, anteriormente realizado à exaustão pelos servidores da Funasa, o tempo/espaço necessário à proliferação e descontrolada. O presidente Lula teve nas mãos uma rara oportunidade de mostrar sua seriedade no trato da saúde pública, mas todos sabemos que a política de saúde dele não é lá essas coisas e o abandono prosseguiu. È desnecessário dizer que mais de cem mil casos de dengue estão previstos para 2010, sem falar no numero de mortes que poderiam ser evitadas se houvesse vontade política e se o Ministério da Saúde não fosse moeda de troca por apoio político, hoje nas mãos do PMDB, o qual sabemos, sempre ávido por cargos, nem sabe o que é política de saúde pública, elementar ou primária. Isso sem falar nos desvio de verba na Funasa, sempre relegados ao esquecimento pela conveniência das alianças espúrias. Para acabar com essa corrupção na alta cúpula (cópula), o governo quer extinguir a Funasa e, como disse um sindicalista paranaense, “mata-se o boi para acabar com o carrapato”, típica solução dos corruptos ativos e passivos. Lula vai sair e tanto Dilma quanto Serra, é o continuísmo da omissão e do descaso. Pobre saúde do povo brasileiro. Milhares vão morrer nos próximos quatro anos enquanto que os servidores da Funasa, cansados de tanto desprezo, só aguardam a obtenção de contagem especial para requerer aposentadoria e saírem de cena. Triste espetáculo este onde quem trabalha tem que sair e quem faz de conta insiste em mamar nas tetas da viúva, mesmo que esse mamar signifique matar boa parte do povo brasileiro de doenças primitivas facilmente combatíveis.

INICIATIVA APÓCRIFA - DENÚNCIA ANÔNIMA DEVE SER TRATADA COM CAUTELA

POR: Alex Leon Ades

Nos últimos anos temos testemunhado inúmeras operações policiais, muitas delas realizadas com base em informações trazidas através de denúncias anônimas, as quais fazem pairar de imediato suspeição sobre o denunciado. Produzem desde logo, indiscutivelmente, resultados nefastos que provêem de seu conteúdo, independentemente de sua forma e da não identificação de sua autoria.

Na verdade, o que mais preocupa não é a própria acusação apócrifa, mas o ato que a sucede e como ela é recebida pelos agentes investigadores. Considerando o anonimato, indispensável seria recebê-la com extrema cautela, de forma que as investigações não desprezassem a igual possibilidade de tratar-se de acusação inverídica, e da tentativa de manipular o aparelho para agir contra determinada pessoa. Na maioria das vezes, a motivação da denúncia nada tem a ver com o interesse público, mas com o interesse pessoal do denunciante em prejudicar o denunciado.

Assim, não se pode desenvolver uma ótica parcial, adotando-se como premissa verdadeira o conteúdo de acusação, dedicando esforço, apenas, para arrecadar provas que robusteçam o teor daquela “denúncia”. Principalmente, quando não existem outros elementos de prova aptos a evidenciar a prática de qualquer ilícito.

Resulta temerário, portanto, encampar a Administração sob a forma de apuração de ofício, denúncia à qual falta a identificação de autoria e sobre cujo conteúdo o Poder Público nada sabe além da iniciativa apócrifa, invertendo o princípio do in dubio pro reo e da presunção constitucional de inocência (C.F., art. 5°, LVII).

Tanto é assim, que a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, no Habeas Corpus 1.216.751.3/0, a devolução de documentos apreendidos e destruição de prova ilícita em um caso que investiga crime de lavagem de dinheiro. Os desembargadores aplicaram o novo artigo 157 do Código do Processo Penal: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. O desembargador Pinheiro Franco, relator do caso, ressalvou que denúncias anônimas devem ser apuradas pela Polícia, mas é preciso de fatos concretos para que peça medidas como busca e apreensão. Para ele, é inconstitucional a instauração de inquérito com base apenas em carta apócrifa não apurada.

Também para o ministro Nilson Naves, relator de pedido de Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, “procedimento criminal baseado em denúncia anônima é nulo e sofre de ausência de justa causa”. Para definir a questão, considerou preceitos constitucionais como a presunção da inocência, a dignidade da pessoa humana e o princípio da ampla defesa.

O ministro, no entanto, ressalvou a validade das denúncias recebidas por serviços de disque-denúncia, que provocam o Poder Público a apurar a possível ocorrência de ato criminoso. De acordo com o ministro, “é preciso reconhecer que, se, por um lado, não se pode negar o interesse da vítima e da sociedade na repressão dos crimes, por outro, a Constituição veda o anonimato, coibindo abusos na livre expressão do pensamento”.

Em outro julgado (STJ - 5ª T. — HC 64.096 - rel. Arnaldo Esteves Lima — j. 27.05.2008 — DJU 04.08.2008), o STJ se pronunciou da seguinte forma: “Processo penal. Denúncia anônima não pode ser fundamento de interceptação telefônica. Prova ilícita. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima — Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ (HC 44.649/SP, rel. min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 8/10/07). Dispõe o artigo 2º, inciso I, da Lei 9.296/1996, que “não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”. A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (artigo 339 do Código Penal). A prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes, sendo inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação (artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal). Aplicação da “teoria dos frutos da árvore envenenada”. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória, inviável, como cediço, em sede de habeas corpus.”

O Pleno do Supremo Tribunal Federal também reconheceu, no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Carlos Velloso (DJU de 11.11.2005), “que abrir inquérito baseado em carta anônima é dar valor jurídico a um objeto que nem documento pode ser considerado e que a ordem jurídica define como desvalor”. No julgamento, o Min. Celso de Mello manifestou claramente o seu entendimento ao deixar assentadas as seguintes conclusões: “a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da “persecutio criminis”, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante seqüestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o “o crimen falsi”, p.ec.); b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p.ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas e; c) o Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial, também pode formar a sua “opinio delicti” com apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os dados informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos anônimos.”

Resta claro, portanto, que a “Administração Pública, não pode acolher uma iniciativa incompatível com a Constituição — que veda o anonimato (artigo 5°, IV) — e que se choca frontalmente com a legalidade, a moralidade e a transparência, para fundamentar uma apuração formal, que se tornaria eivada de nulidade, por abuso e desvio de poder, vulnerando o artigo 5°, incisos XXXIV, a, e LXIX, in fine, da Constituição Federal, pois a finalidade da regra de competência é garantir a legalidade e não prestigiar a imoralidade em detrimento da presunção constitucional de inocência” (PARECER Nº AGU/GV — 01/2007).

O processo administrativo disciplinar e o trato da denúncia anônima

POR: João Bosco Barbosa Martins
Auditor-Fiscal da Receita Federal, lotado na Superintendência Regional da RF na 3ª Região Fiscal e especialista em Direito Administrativo.

O presente trabalho trata da impossibilidade de se instaurar um processo administrativo disciplinar através de uma denúncia anônima, na visão da maioria dos doutrinadores do país na área do Direito Administrativo Disciplinar.

Segundo o art. 144 da Lei n° 8.112/90, in verbis: "As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade". O parágrafo único disciplina que quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

As palavras de José Armando da Costa assim sintetiza o assunto:

"Pela alternativa postulatória (precisa e definida), requer o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei n° 8.112/90, art. 144 e parágrafo único) que somente devam constituir objeto de apuração em processo as denúncias que:

a) sejam formalizadas por escrito;

b) contenham a identificação e o endereço dos denunciantes;

c) tiverem a autenticidade das assinaturas dos denunciantes devidamente confirmadas; e

d) veiculem fatos que configurem, pelo menos em tese, evidente infração disciplinar ou ilícito penal".

Na mesma linha são os passos de Sebastião José Lessa: "Pelo que se vê da redação do art. 144 e seu parágrafo único, acima citado, cuidou o legislador no sentido de evitar que denúncias absolutamente inconsistentes viessem a macular a honra do servidor denunciado e, ao mesmo tempo, perturbar as atividades da repartição pública"

Semelhante é a lição do procurador do Distrito Federal Antônio Carlos Alencar Carvalho: "O preceito do art. 144 da Lei 8.112/90 tem o escopo de preservar a dignidade do cargo público e constitui um direito subjetivo dos servidores contra denúncias vazias, infundadas, perseguições políticas, agressões à honra perpetradas por desafetos ou por pessoas de má-fé, de modo a evitar que, sob o manto do anonimato, terceiros irresponsáveis venham a vilipendiar a imagem e a distinção de cidadãos que zelam e servem a coisa pública. Não se trata de uma garantia da pessoa física do funcionário, porém de uma proteção à dignidade do posto público e ao alcance dos fins superiores da própria Administração. Sem regras, indivíduos inescrupulosos empregariam, anônima e impunemente, todo tipo de difamação e calúnia, sem ao menos a oportunidade de defesa para os ofendidos, que sofreriam o constrangimento da instauração de sindicâncias e processos administrativos disciplinares, procedimentos cujo conteúdo termina por se refletir publicamente, no âmbito da repartição pública, com irreparável gravame ao funcionário ilegalmente acusado. O art. 144 é uma garantia dos que exercem cargo público e da dignidade que se lhes presume, que requer prova robusta e identificação, qualificação, endereço e denúncia por escrito dos delatores, sob pena de os funcionários padecerem afrontas e danos físicos e morais irreparáveis apenas porque um desconhecido - quiçá um desafeto ou mesmo pessoas mal-intencionadas - resolveu adotar o expediente apócrifo como meio de prejudicar facilmente o servidor público".

Antônio Carlos Palhares Moreira Reis defende que não se pode aceitar a denúncia anônima, pela hoje expressa vedação constitucional ao anonimato, contida no inciso IV do art. 5º, que não se refere, exclusivamente, às manifestações pela imprensa e á transmissão de conhecimentos. Aduz, ainda, "mas, como onde há fumaça há fogo, é possível que a denúncia anônima tenha conteúdo de verdade, levando o administrador que a recebe a proceder com as devidas cautelas, como se fosse uma denúncia não formalizada". O autor finaliza o seu raciocínio com a idéia de que a denúncia anônima poderá ser tratada como um informe capaz de levar a autoridade a uma prévia averiguação informal dos fatos apontados, a fim de comprovar a sua existência.

Já o professor Ivan Barbosa Rigolin contesta com veemência o artigo "sub studio" com a seguinte argumentação: "Este artigo contraria abertamente o anterior, pois pretende que apenas denúncias manifestadas de modo formal e com autenticidade confirmada merecerão apuração. É profundamente infeliz a idéia, negando de forma evidente a responsabilidade de qualquer autoridade que passe a ter ciência de fato delituoso. Se, apenas, por exemplo, um chefe de serviço é informado por boataria de que seu servidor praticou grave descaminho na repartição, da qual ele pode até mesmo ter prova material, mas sem que tenha sido daquilo informado por escrito, a teor deste art. 144 estaria desobrigado de apurar a irregularidade, tal conclusão é rematadamente absurda, custando a crer possa ter sido tão contraditório neste ponto o legislador federal".

É de bom alvitre relembrar que o art. 143 da Lei n° 8.112/90 preleciona que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância administrativa ou processo administrativo disciplinar, assegurado ao acusado a ampla defesa.

Destaque-se, ainda, o alerta desse juspublicista: "uma autoridade administrativa séria e idônea jamais observará o art. 144, atuando com fidelidade, isto sim, ao artigo 143 da Lei 8.112/90". Comenta, ainda: "(...) que não importa o modo como a autoridade foi cientificada de infração ocorrida no âmbito de seu serviço, bastando que dela tivesse tido ciência para precisar apurá-la".

Léo da Silva Alves à luz do Direito Positivo brasileiro diz que "(...) não se pode desconsiderar que essas manifestações, muitas vezes deflagradas como instrumentos de vingança, têm, no fundo, informações verdadeiras. O mérito do expediente pode ser questionável, mas a essência da notícia não pode ser desprezada. (...) Como a autoridade procede nesses casos? Cruza os braços? Ignora? Não nos parece a mais sábia das medidas. É evidente que ninguém, de consciência sã, de posse de um documento apócrifo, irá deflagrar um processo ou expor o nome de um funcionário ao imediato constrangimento. Mas, em nome da supremacia do interesse público, uma averiguação discreta deverá ser feita. Quem sabe encontrar elementos que demonstrem efetivamente a ocorrência, e, aí sim, justifique-se a medida disciplinar. Sem dúvida, é preciso dupla cautela. A primeira, já observamos, para não expor levianamente o nome e a honra de uma pessoa. A segunda, para não criar a figura da prova ilícita. O direito pátrio acolhe a chamada teoria da árvore dos frutos envenenados. (...) O expediente anônimo não pode ser prova. (...) Antes de ser um estímulo à delação, é uma solução que atende a necessidade de controle da máquina administrativa, o que é de interesse de toda a sociedade".

Exemplo da matéria pode ser encontrado nos arestos cujas ementas se destacam:

"Ementa : Administrativo. Instauração de inquérito, mediante denúncia anônima. Possibilidade. Anistia. Não caracterização.

I - A instauração de inquérito administrativo, ainda que resultante de denúncia anônima, não encerra, no caso, qualquer ilegalidade.

II - Não havendo ainda contra o impetrante qualquer sanção administrativa, não há cogitar-se da anistia prevista no art. 29 do ADCT da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

III - Recurso ordinário desprovido".

"Ementa : Processual Civil. Mandado de Segurança. Processo Administrativo Disciplinar. Omissão. Nulidade. Citação. Inocorrência.

I - Verificada a ocorrência de omissão no acórdão, que não se pronunciou sobre a nulidade da citação das servidoras no processo disciplinar, acolhem-se os embargos declaratórios nesse ponto para sanar o defeito.

II - Improcedência, no entanto, da alegação, porquanto embora o mandado de citação tenha sido omisso quanto aos fatos imputados às servidoras, tiveram elas, no dia seguinte, vista dos autos, não se podendo aceitar a alegada ignorância sobre os termos da acusação.

III - Não houve omissão quanto à nulidade do processo disciplinar por ter sido deflagrado a partir de denúncia anônima, pois o tema foi expressamente abordado na decisão.

IV - Também se rejeita a omissão quanto à nulidade na intimação das acusadas para audiência de interrogatório e também por cerceamento de defesa, pois tais alegações foram devidamente rechaçadas no julgamento do mandamus.

Embargos parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes".

Destarte, relatou o Ministro Adhemar Maciel do egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n° 4.435:

"Quanto à denúncia anônima, tenho para mim que o dispositivo constitucional (art. 5º, IV) não tem a extensão que o recorrente lhe dá. Tal cláusula constitucional, pinçada a esmo, não pode ser tomada em sentido absoluto. É regra comezinha de hermenêutica que não se pode pegar, isoladamente, um dispositivo de um artigo de lei e dele tirar conclusões inarredáveis. A vedação do anonimato está jungida a um dos direitos fundamentais mais importantes do homem e do cidadão: a livre manifestação do pensamento. Ora, o caso concreto nada tem com "livre manifestação de pensamento". Por outro lado, pergunta-se: como se combaterá o tráfico de drogas sem a notícia anônima ? Como apurar-se qualquer fato contra um policial truculento ? Caberá à Administração avaliar e verificar se a notícia apócrifa encontra ressonância ou não. No caso em testilha, encontrou. Por outro lado, como bem sublinhou o relator a quo, Des. DUARTE MONTEIRO (sic), o Estatuto estadual, em seu art. 170 é taxativo:

"A autoridade que tiver ciência de irregularidades no serviço público é obrigada a promover sua apuração imediata ...".

Desse modo, não importa como chegou a notícia".

Destaca-se que o Ministro Luiz Vicente Cernicciaro ao acompanhar o voto do relator no writ analisado, dá o seu diagnóstico a respeito do assunto: "Quanto ao mérito, sem dúvida, a carta anônima, a denúncia anônima não podem ser fundamento de sanção. O funcionário tem interesse em identificar a pessoa que fez a imputação, mesmo porque, tal como acontece com a testemunha, poderia ser argüido o interesse, o impedimento, ou suspeição. Mas como fato, do qual irá decorrer investigação, é indiscutivelmente legítima".

Somos a favor da corrente que defende que não se pode instaurar um processo administrativo disciplinar, sem a devida identificação do denunciante. Deve-se analisar que numa Administração Pública Gerencial que se destaca por aplicar o princípio da economicidade, plasmado na Lei Fundamental em vigor, com certeza adota a prudência necessária quando recebe notícias confusas e possivelmente frágeis com relação ao cometimento de infrações disciplinares por parte de seus agentes públicos. A denúncia anônima não é suficiente para propiciar incontinente a instauração de um processo administrativo disciplinar, porém não se pode desprezar o teor da notícia de irregularidades no serviço público. Somos, assim, partícipes do pensamento de que se deve tomar conhecimento das informações de cunho denunciativo, e com fulcro na razoabilidade, poderão ser feitas investigações, levantamentos, inspeções nas áreas denunciadas, que possam elucidar a procedência da notícia anônima.

In fine, o ilustre administrativista José Armando da Costa assevera que "não é jurídico nem democrático que o servidor público venha, sem mais nem menos, responder a processo disciplinar". (...) O Direito Processual Disciplinar exige a presença desses conectivos (princípios de prova) como forma de evitar que venha o servidor público sofrer os incômodos e os aborrecimentos oriundos de um processo disciplinar precipitadamente instaurado, além de, com tal cuidado, proporcionar resguardo à dignidade do cargo público ocupado pelo acusado, o que se reverte, por fim, em benefício da normalidade e regularidade do serviço público, escopo inarredável a que deve preordenar-se toda repressão disciplinar".

A NULIDADE DO PROCESSO DISCIPLINAR POR VÍCIO NA DESIGNAÇÃO DE COMISSÃO PROCESSANTE

por Luiz Cláudio Barreto Silva

É causa de nulidade do processo disciplinar o vício na designação de Comissão Processante. É que esse ato não pode se distanciar do comando da lei. Por isso, desatendido o comando legal, o caso é de nulidade por violação aos princípios da legalidade e do juiz natural.

Poderia se objetar com o argumento de existência de julgados não proclamando a nulidade do processo disciplinar em casos excepcionais, fundado no argumento de ausência de prejuízo, o que se constata de precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Gilson Dipp, em que a Comissão Processante foi composta por quatro membros, mas a legislação estabelece o número de três:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PORTARIA INAUGURAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. COMISSÃO DISCIPLINAR. ART. 149 DA LEI Nº 8.112/90. "WRIT " IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I – Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a portaria de instauração do processo disciplinar prescinde de minuciosa descrição dos fatos imputados, sendo certo que a exposição pormenorizada dos acontecimentos se mostra necessária somente quando do indiciamento do servidor. Precedentes. II – Nos termos do artigo 149 da Lei 8.112/90, o processo administrativo será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente, exigindo que o Presidente deverá ocupar cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado, não havendo qualquer irregularidade no fato de a comissão ser composta por quatro servidores. Precedentes. III - Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief", pois a nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. In casu, o servidor teve pleno conhecimento dos motivos ensejadores da instauração do processo disciplinar. Houve, também, farta comprovação do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, sendo certo que foi oportunizada ao indiciado vistas dos autos, indicação de testemunhas e apresentação de defesa. IV - Consoante prevê o art. 156, § 1º da Lei nº 8.112/90, "O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos." V - Descabida a argüição de nulidades quando o "writ" é impetrado como forma derradeira de insatisfação com o robusto e conclusivo desfecho do do processo administrativo disciplinar. VI - Ordem denegada”. [1]

No entanto, no que diz respeito à observância do requisito do juiz natural e do princípio da legalidade, o entendimento predominante é no sentido da nulidade do processo disciplinar.

Sobre o assunto, no campo doutrinário, as oportunas considerações de Claudio Rozza:

“Sem o requisito do juiz natural/autoridade competente, o processo é nulo, e por vezes, sequer existente.

Após a Constituição Federal/1988, não pode mais existir processo de estrutura inquisitorial, e o processo disciplinar reclama uma nova visão, aproximando-o de uma estrutura de caráter acusatório,

Comissões de exceção, parciais, improvisadas, acidentais, despreparadas, dependentes, submissas, medrosas, designadas sob encomenda, devem ser banidas de vez, dando-se prévia publicidade das autoridades instauradora, instrutora, julgadora, investidas das respetivas competências, com mandato e critérios predefinidos, antes da ocorrência dos fatos que lhes vierem a ser submetidos à análise mediante sindicância ou processo disciplinar.

O processo administrativo disciplinar deve espelhar, pelo desenvolvimento concretizador dos princípios constitucionais na sua prática quotidiana, o Estado Constitucional Democrático de Direito.

Assim, no entardecer do outono, à luz crepuscular, ao ouvir o ruflar da bandeira, agitada ao vento, será menos utópica a mensagem simbólica de ordem e progresso, e, ainda que, estrela inacessível, mais próximo o objetivo fundamental da nação, ao qual se agrega o do servidor público: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. [2]

Em sede jurisprudencial, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do Ministro Paulo Galotti, anulando processo disciplinar contra policial federal, uma vez que a legislação[3] estabelece que a apuração deve se processar por meio de “Comissão Permanente”[4], mas, no caso concreto, se deu por intermédio de “Comissão Provisória”:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NULIDADES. ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. VÍCIO DE COMPETÊNCIA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTE ESPECÍFICO.

1. A instauração de comissão provisória, nas hipóteses em que a legislação de regência prevê expressamente que as transgressões disciplinares serão apuradas por comissão permanente, inquina de nulidade o respectivo processo administrativo por inobservância dos princípios da legalidade e do juiz natural. 2. Precedente. 3. Ordem concedida”. [5]

Em igual sentido, precedente da relatoria do Ministro Felix Fischer, com a seguinte ementa:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. POLICIAL FEDERAL. ART. 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65. COMISSÃO AD DOC. NULIDADE. SEGURANÇA CONCEDIDA. A designação de comissão temporária para promover processo administrativo disciplinar contra servidor policial federal viola os princípios do juiz natural e da legalidade, a teor do art. 53, § 1º, da Lei 4.878/65, lei especial que exige a condução do procedimento por Comissão Permanente de Disciplina. (Precedentes: MS 10.585/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ de 26/02/2007 e MS 10.756/DF, Rel. Min. Paulo Medina, cujo voto foi modificado após voto-vista do Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 30/10/2006.) Segurança concedida”. [6]

É também o entendimento do Ministro Arnaldo Esteves Lima, em precedente da relatoria do Ministro Paulo Medina, com trecho de voto-vista nos seguintes termos:

“Segundo o princípio do juiz natural, a Constituição garante que as pessoas serão processadas e julgadas somente pelas autoridades competentes (art. 5º, inc. LIII), todavia, isto não foi respeitado no caso, porquanto o Impetrante foi submetido a uma Comissão ad hoc de disciplina, e não a uma Comissão Permanente, como prevê o citado art. 53, § 1º, da Lei 4.878⁄65.

Segundo a Lei do Processo Administrativo (Lei nº 9.784⁄99), a competência é irrenunciável (art. 11) e não pode ser objeto de delegação, quando a matéria for exclusiva do órgão ou autoridade (art. 13, inc. III).

Não podia a autoridade instauradora do processo administrativo, Sr. Diretor-Geral do DPF, delegar a atribuição da Comissão Permanente de Disciplina a uma Comissão ad hoc, mas, como o fez, provocou a nulidade do processo de demissão do Impetrante ab ovo, que se sujeitou ao processo administrativo disciplinar perante um órgão incompetente, a Comissão ad hoc, conforme o art. 5º, inc. LIII, da CF⁄88, c⁄c art. 53, § 1º, da Lei nº 4.878⁄65”. [7]

Portanto, e sem desmerecer os entendimentos em sentido diverso, não observado o comando legal na designação da Comissão Processante o caso é de nulidade do processo por violação ao requisito do juiz natural e princípio da legalidade.

*O autor é Advogado, escritor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e Professor Universitário.

Notas e referências bibliográficas

[1] STJ. MS 8297 / DF. Relator: Min. Gilson Dipp. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+8297&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=14 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[2] ROZZA, Claudio. Processo administrativo disciplinar e comissão processante escolhida por encomenda . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2081, 13 mar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2009.

[3] BRASIL. LEI Nº 4.878, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1965. . Dispõe sôbre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L4878.htm . acesso em: 17 dez. 2009.

[4] ARTIGO 53, § 1º, DA LEI Nº 4.878/65.

[5] STJ. MS 10585 / DF. Relator: Min. Paulo Gallotti. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[6] STJ. MS 13250 / DF. Relator: Min. Felix Fischer. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ms+10585&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1 . Acesso em: 17 dez. 2009.

[7] STJ. MS. 10756. Relator: Min. Paulo Medina. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200501011632&dt_publicacao=30/10/2006 . Acesso em: 17 dez. 2009.

PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO

A acusação no Processo Administrativo Disciplinar deve ser circunstanciada, objetiva, direta e ter previsão em um tipo legal – princípio da tipicidade no Direito Administrativo

por Mauro Roberto Gomes de Mattos

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O processo administrativo disciplinar é a forma jurídica prevista pela lei para investigar o servidor público que tenha transgredido os seus deveres funcionais.

Ele é instaurado sempre que a Autoridade administrativa, ou o particular devidamente identificado e qualificado, comuniquem a prática de uma conduta irregular por parte do servidor público, mesmo que em tese, e que guarde correlação com o cargo, emprego ou função pública do acusado.

Dessa forma, a conduta funcional tida como irregular deve se revestir de tipicidade e antijuridicidade bem como, deve haver indícios de autoria devidamente demonstrados e elementos suficientes que comprovem a materialidade, para que, desde a fase que antecede a instauração do processo administrativo disciplinar seja revelada uma justa causa, capaz de respaldar o início da investigação disciplinar.

É importante para toda a sociedade que as Autoridades públicas não engendrem atos dissociados do direito, ainda mais quando se verifica que eles são produzidos na esfera sancionatória do Estado.

Assim sendo, ao ser concretizado o ius puniendi do Estado, o mínimo que se exige é que a acusação seja perfeitamente descrita, através da exposição detalhada do fato a ser investigado, com todas as suas circunstâncias e a classificação do tipo legalmente previsto no ordenamento jurídico que foi infringido.

Se na instância criminal o artigo 41, do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou a queixa sigam essa fórmula legal, no processo administrativo disciplinar também deverá haver a observância do mesmo modelo legal, pois a acusação não poderá ser ato de prepotência ou arbitrariedade da Administração Pública.

O tipo penal, segundo Miguel Reale Júnior,1 é aquele que a sua estrutura não poderá ser uma construção arbitrária e livre, porquanto decorre do real, submetido a uma valoração. Por sua vez, o tipo disciplinar também segue o mesmo princípio da segurança jurídica, onde tanto a Portaria inaugural como o mandado de citação/intimação devem conter uma exposição narrativa, circunstanciada e demonstrativa da infração disciplinar que será investigada, com o tipo legalmente classificado, ou seja, com a qualificação jurídico-administrativa do mesmo. Narrativa, porque deve descrever o fato a ser investigado com todas as circunstâncias conhecidas, para que oportunize a defesa saber do que o servidor está sendo acusado e qual foi o ato funcional que foi praticado ou omitido, em tese, em desconformidade com as obrigações assumidas pelo exercício do cargo, emprego ou função de confiança.

Demonstrativa, pois tal qual o direito penal, deve a peça acusatória descrever o fato e através de conhecida razão de convicção, fundamentada em prova direta da prática de uma infração disciplinar correlacionada com o munus público do servidor, explicitar os motivos da investigação

Tivemos2 a oportunidade de deixar consignado que: “A Portaria inaugural, como especialmente o termo de indiciamento, devem corresponder, por exemplo, como já dito, a uma denúncia penal, onde a descrição dos fatos, fundamentos e a demonstração das provas, de forma explícita retiram a inépcia da acusação. Ou seja, o fato apurado é esclarecido exatamente nessa fase, onde o direito administrativo brasileiro saiu do inquisitório para o acusatório, passando o investigado a ter direitos impostergáveis e indelegáveis, sendo que um deles é tão fundamental tanto quanto os demais, consiste em saber do que é acusado e como demonstrará sua inocência, pois a presunção de inocência milita a seu favor e só uma acusação séria e concreta é que terá legitimidade de provar o contrário.”

No direito administrativo disciplinar, exige-se que a acusação seja certa, objetiva, circunstanciada e o fato imputado ao servidor público subsumido em um tipo legalmente previsto, decorrendo tais exigências dos princípios da legalidade e da segurança jurídica.

Sucede que apesar de não ter o mesmo formalismo3 e rigorismo do processo penal, o processo administrativo disciplinar não pode ser uma incógnita para o servidor público acusado.

Exatamente por não seguir a formalidade do processo penal, uma plêiade de ilustres juristas ergue-se na defesa que no processo administrativo disciplinar não é exigido o respeito e observância ao princípio da tipicidade, por entenderem que a esfera disciplinar se utiliza de fórmulas gerais que prevêem o cumprimento pelo servidor público de determinados deveres, sem adentrar na descrição pormenorizada da conduta.

Ou seja, essa corrente doutrinária, ultrapassada em nosso entendimento, pretende impor uma verdadeira norma em branco no âmbito disciplinar, sem a demonstração inequívoca da descrição de uma infração disciplinar praticada pelo servidor público.

A bem da verdade, esses posicionamentos construídos por ilustres juristas no passado, e que infelizmente não foram atualizados, são anteriores à promulgação da atual Constituição Federal (05 de outubro de 1988), que constitucionalizou o Direito Administrativo, por força do artigo 37,4 da CF, e partem do equívoco da lei para justificarem a aceitação de uma acusação genérica, vaga e aberta.

Ora, o Direito Administrativo sancionador contemporâneo exige que haja um ilícito administrativo previsto na lei, com a clara e certa descrição da conduta do servidor público tida, em tese, como infração disciplinar.

É a chamada reserva legal, onde o princípio da legalidade impõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (art. 5º, II, da CF).

Nesse sentido, detectada a falha da Lei nº 8.112/90, que não traz em seus artigos, como deveria fazê-lo, dispositivo que estabeleça o princípio da tipicidade, a Lei nº 9.784, de 29.01.99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e é utilizada supletivamente àquela, quando não colida com a mesma, em seu capítulo IX, estabelece a necessidade da descrição dos atos processuais, v.g., art. 26.

A intimação/comunicação dos atos públicos deve indicar os fatos e fundamentos legais pertinentes (art. 26, VI, da Lei nº 9.784/99), sendo a mesma nula quando feita sem observância das prescrições legais previstas na referida Lei (§ 5º, do art. 26).

Esse intercâmbio processual equiparou juridicamente as intimações e as notificações, como ensina José dos Santos Carvalho Filho:5 “No direito processual anterior, fazia-se distinção entre intimações e notificações, mas o código vigente aboliu a distinção, mantendo apenas as intimações, e estas atualmente tanto podem referir-se à ciência de atos pretéritos como à dos futuros (...). Dentro do contexto da disciplina do processo administrativo, as intimações desempenham importante papel para os interessados, de modo que tanto para cientificá-los de atos praticados como para instá-los à prática de algum ato, possivelmente de seu próprio interesse, há inegável relação de causa e efeito com o princípio do contraditório e da ampla defesa. Sem tais garantias, os interessados não poderiam exercer, em toda a sua plenitude, a defesa de seus interesses e oferecer, quando necessário, elementos de contrariedade em relação a fatos e afirmações deduzidas no processo.”

Dessa forma, a intimação/notificação citatória do servidor público acusado, dentre outros, deverá conter os seguintes requisitos legais para a sua validade jurídica:

* identificação do servidor e nome do Órgão ou entidade administrativa;
* finalidade do ato;
* data e local onde está disponível o processo disciplinar, com o horário de funcionamento da Comissão Disciplinar;
* o servidor investigado poderá se defender pessoalmente ou fazer-se representar por seu defensor legalmente constituído;
* indicação (descrição) dos fatos e fundamentos legais pertinentes;
* a intimação deve observar a antecedência mínima de três dias úteis quando se tratar de diligências;
* poderá ser levada a efeito pessoalmente, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Assim sendo, a apuração disciplinar deverá ser feita de maneira ordenada e de forma pública e translúcida, não se tornando oculta e imprecisa para as partes, pois vigora no processo administrativo disciplinar o fair play (jogo limpo), onde o direito justo garante as mínimas condições para as partes demonstrarem o escopo fundamental da verdade real abrigada na defesa e na produção de todos os meios de provas admitidos, cotejadas com a acusação contida no ato inaugural do processo administrativo disciplinar.

Nessas condições, o Poder Público é obrigado a oferecer o “libelo acusatório” (equivalente à Portaria inaugural), que além do ato de instauração deve conter outros requisitos, bem como descrições circunstanciadas e detalhadas dos fatos, com as definições jurídicas dos mesmos, ou seja, suas exatas qualificações jurídico-administrativas.
II – DA ACUSAÇÃO CERTA (NARRATIVA DETALHADA) NO DIREITO SANCIONATÓRIO

Como já foi referido nas considerações iniciais, o artigo 41, do Código de Processo Penal estabelece: “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.”

Sobre a denúncia nunca é demais recordar-se as clássicas lições de João Mendes de Almeida Júnior:6 “É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo enumeração de Aristóteles, na Ética a Nincomac, 1. III, as circunstâncias são resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando, assim referidas por Cícero (De Invent. I)). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes.” –[Itálico e parênteses no original]-

Em relação às expressões latinas acima referidas pronuncia-se Fernando da Costa Tourinho Filho, in “Código de Processo Penal Comentado”. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 1, p. 114: “Estas expressões latinas correspondem às alemãs: Wer? Was? Wo? Womit? Warum? Wie? Wann?, ‘expressivamente designadas pelos sete W dourados da criminalística’.” –[Aspas no original]-

A técnica da denúncia tem merecido especial atenção da doutrina e da jurisprudência, através de uma ampla reflexão no plano da dogmática constitucional, vinculada especialmente ao direito de defesa.

Não resta dúvida que essa proteção jurídica da ampla defesa do acusado, estabelece limites contra a violação dos seus direitos fundamentais, de não ter sua intimidade e honra violadas indevidamente, por ineptas e insubsistentes denúncias.

Para não se transformar em instrumento de injusta persecução estatal, deve a denúncia ter aptidão, através de uma necessária base empírica.

O recebimento de denúncia pelo Juiz, iniciando-se a ação penal (processo), como a instauração de processo administrativo disciplinar, supõem a existência de justa causa, que estará ausente quando o comportamento atribuído ao acusado “nem mesmo em tese constitui ilícito”, “ou quando, configurada uma infração penal, resulta de pura criação mental da acusação.”7

A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Sendo certo que essa narração, mesmo que não seja exaustiva, deve descrever com clareza e objetividade qual é o fato ilícito praticado pelo denunciado, como exigência do postulado constitucional que assegura ao mesmo o pleno e efetivo direito de defesa e do contraditório. Pois, inclusive, é dessa descrição/narração que é imputada ao denunciado que o mesmo se defende.

Nesse sentido, destacam-se as reflexões desenvolvidas pelo Ministro Celso de Mello, no HC nº 70.763/DF, 1ª T., do STF:8 “O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas, à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia – enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal – constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta. A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta.” –[Itálico no original]-

O presente tema é de grande relevância no campo dos direitos fundamentais dos acusados, em decorrência que pessoa alguma poderá se defender de acusações genéricas, vagas ou insubsistentes. Por isso é que sem um justo motivo jurídico, não há plausibilidade para a acusação penal ou disciplinar.

Melhor dizendo, o Ministro Gilmar Mendes, no HC nº 84.409/SP, 2ª T., do STF,9 de forma oportuna deixou bem explícito que: “Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. (...) quando se fazem imputações vagas, dando ensejo à persecução criminal injusta, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana que, entre nós, tem base positiva no art. 1º, III, da Constituição.”

Ainda sob o prisma do direito penal, o saudoso professor Hélio Bastos Tornaghi,10 se posicionava quanto ao conteúdo da denúncia: “Refere-se o código à exposição minuciosa, não apenas do fato infringente da lei, como também de todos os fatos que cercaram; não somente de seus antecedentes, mas ainda das causas, efeitos, condições, ocasião, antecedentes e conseqüentes. A narrativa circunstanciada, não só encaminhada à atuação da autoridade policial, como até ministra ao juiz elementos para um juízo de valor.”

A denúncia conterá, portanto, “a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias”, como preleciona Julio Fabbrini Mirabete,11 sendo: “(...) indispensável que na denúncia se descreva, ainda que suscintamente, o fato atribuído ao acusado, não podendo ser recebida a inicial que contenha descrição vaga, imprecisa, de tal forma lacônica que torne impossível ou extremamente difícil ao denunciado entender de qual fato preciso está sendo acusado.”

Lapidar também é a lição do Ministro Celso de Mello, ainda na esfera da denúncia penal, em seu bem lançado voto no HC nº 84.409/SP, 2ª T., do STF:12 “Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a análise de qualquer peça acusatória apresentada pelo

Ministério Público impõe que nela se identifique, desde logo, a narração objetiva, individuada e precisa do fato delituoso, que deve ser especificado e descrito, em todos os seus elementos estruturais e circunstanciais, pelo órgão estatal da acusação penal. É preciso proclamar que a imputação penal não pode ser o resultado da vontade pessoal e arbitrária do acusador (RTJ 168/896-897, Rel. Min. Celso de Mello). Este, para que possa validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma necessária base empírica, a fim de que a acusação não se transforme, como advertia o saudoso Min. Orosimbo Nonato, em pura criação mental do acusador (RF 150/393). Uma das principais obrigações jurídicas do Ministério Público, no processo penal de condenação, consiste no dever de apresentar denúncia que veicule, de modo claro e objetivo, com todos os elementos estruturais, essenciais e circunstanciais que lhe são inerentes, a descrição do fato delituoso, em ordem a viabilizar o exercício legítimo da ação penal e a ensejar, a partir da estrita observância dos pressupostos estipulados no art. 41 do CPP, a possibilidade de efetiva atuação, em favor daquele que é acusado, da cláusula constitucional da plenitude de defesa.” –[Parênteses no original]-

Não se concebe mais o denuncismo irresponsável, pois o direito já conviveu por muito tempo com esse tipo de postura estatal. O curso da história revelou muitas opressões e injustiças, causadas pelo apenamento de pessoas idôneas e ilibadas, que caíram em desgraça por exporem os seus ideais de vida e políticos.

Quando o Estado desenvolve a sua atividade persecutória, têm-se duas situações jurídicas distintas, reveladas pelo conflito entre a pretensão punitiva estatal e a intenção de preservação da liberdade individual manifestada pelo acusado.

Por isso é que não poderá haver dúvida que a persecução penal é justificada pela suposta prática de um fato criminoso, devidamente exposto, em todas as suas circunstâncias e com sua qualificação jurídico-penal, de modo que haja uma causa justa e relevante para dar início ao processo penal, pois a persecutio criminis deve observar as condições que lhe impõe o ordenamento jurídico.

A peça acusatória, tem o dever de descrever com perfeição e clareza todas as circunstâncias do fato delituoso, a fim de que a hipótese jurídica nela contida seja apta perante o ordenamento legal, e nesse sentido Vicente Greco Filho,13 enaltece esses requisitos como forma de possibilitar a ampla defesa do acusado: “Outro requisito essencial à ampla defesa é a apresentação clara e completa da acusação, que deve ser formulada de modo que possa o réu contrapor-se a seus termos. É essencial, portanto, a descrição do fato delituoso em todas as suas circunstâncias. Uma descrição incompleta, dúbia ou que não seja de um fato típico penal gera a inépcia da denúncia e a nulidade do processo, com a possibilidade de trancamento através de habeas corpus, se o juiz não rejeitar desde logo a inicial. Para que alguém possa preparar e realizar sua defesa é preciso que esteja claramente descrito o fato de que deve defender-se.” -[Itálico no original]-

Será inepta a denúncia, quando demonstrada inequívoca deficiência técnica capaz de impedir a compreensão dos fatos típicos narrados/descritos na peça acusatória, em grave e inconcebível prejuízo à defesa do acusado. A formalidade e demais requisitos que devem constar da peça acusatória são uma obrigação legal imposta à acusação.

Haverá ausência de justa causa para o prosseguimento da persecução penal, quando sem a necessidade de exame aprofundado e valorativo dos fatos e provas diretas, restar inequivocamente demonstrada a atipicidade da conduta do investigado/denunciado.

Essa justa causa para o prosseguimento da instrução criminal, como visto, vem devidamente estabelecida na peça inaugural da ação penal, que ao descrever precisamente a conduta delituosa do denunciado, com todas suas circunstâncias, tipifica todos os elementos de definição legal do delito, o que será objeto de investigação.

Já no processo administrativo disciplinar, que possui natureza de direito penal geral, também há a obrigatoriedade de se fazer uma individualização dos fatos, com a descrição circunstanciada dos mesmos e a subsunção no tipo legal.

Dessa forma, a instauração do processo administrativo disciplinar é de competência da Autoridade Superior, estabelecida pela lei, que ao tomar conhecimento de infrações disciplinares praticadas pelo servidor público no exercício de sua função ou em decorrência dela, obriga-se a determinar a investigação mais detalhada dos fatos, mediante sindicância ou diretamente através da instauração de um processo administrativo disciplinar.

Se os elementos probantes forem insubsistentes, o mais recomendável é a instauração de sindicância, que possui tramitação mais célere e quando ela não é punitiva não existe a figura jurídica do acusado, porquanto é concebida para um aprofundamento mais detalhado dos fatos, a fim de verificar se será ou não promovida a instauração do processo administrativo disciplinar, ou haverá o seu arquivamento por insubsistência ou imaterialidade dos fatos.

Instaurado o processo administrativo disciplinar, a Portaria inaugural que lhe dá substância, deve conter a descrição e a qualificação dos fatos,14 a acusação imputada ao servidor público acusado e a sua subsunção em um tipo legal, além da indicação dos integrantes da Comissão Disciplinar, etc.

Como aduz Fábio Medina Osório,15 o direito sancionador exige a utilização da regra do due process of law, como garantia fundamental para sua validade jurídica, e para a certeza da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Aquela concepção de autoritarismo que existia no processo administrativo disciplinar já não se sustenta mais, pois o direito administrativo sancionador incorporou inúmeros princípios constitucionais que tomam assento em seu âmbito; também não se pode olvidar a aplicação de princípios penais nesse referido ramo.

Assim sendo, como é vedada uma decisão desarrazoada ou arbitrária, é também defesa uma acusação que não seja circunstanciada, revelando-se incompleta e insubsistente, sem substrato de legalidade, originada do excesso/abuso de poder da Autoridade administrativa superior.

Esses dispositivos legais, estabelecidos também para evitar o desvio de poder sancionatório do Estado, guardam íntima conexão com uma garantia fundamental outorgada pela Constituição Federal em favor daqueles que são vítimas, em juízo, ou administrativamente, da persecução estatal sem a garantia de plenitude da defesa.

Nada pior do que “a vagareza absoluta, a indeterminação ilimitada, da acusação pela acusação.”16 –[Grifo no original]-

Nesse sentido, deve a peça acusatória, quer aquela consubstanciada pela denúncia penal, como a portaria inaugural/citação e a intimação do servidor público acusado no processo administrativo disciplinar conter a exposição do fato delituoso/infracional, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, devidamente classificado em um tipo legal (qualificação jurídico-penal-administrativa). Mesmo que sucinta, impõe-se ao Órgão acusador como exigência do plasmado constitucional que assegura aos acusados em geral a plenitude do direito de defesa com o contraditório, a correta e adequada descrição dos fatos à serem investigados no decorrer da instrução criminal e no processo administrativo disciplinar.

Assim, faltará justa causa para a acusação, se não for descrito na peça acusatória ou na Portaria inaugural, adequadamente e circunstanciadamente o fato tido como ilícito penal ou infração disciplinar.

III – DA CORRENTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Nosso entendimento é no sentido de que o Estado Democrático de Direito não admite que o Poder Público puna os seus servidores disciplinarmente com base em norma em branco; contudo, grande parte da doutrina, representada por ilustres e cultos administrativistas, aos quais nutrimos o maior respeito e grande admiração, ainda recalcitram em atualizar os seus ultrapassados posicionamentos, que não admitem a aplicação do princípio da tipicidade no Direito Administrativo Disciplinar.

Algumas das penalidades disciplinares, quando impostas, dado o seu caráter sancionatório, podem deixar seqüelas irreversíveis na vida do servidor público. Por essa razão, para evitar a imposição indiscriminada e arbitrária da sanção administrativa, por parte do administrador público, devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica no processo administrativo disciplinar, para que o plasmado da justiça seja respeitado.

O objetivo do processo administrativo disciplinar é verificar se um fato típico, previsto no Estatuto dos Servidores Públicos ou em normas jurídicas afins, como infração disciplinar foi infringido, gerando responsabilidade para o seu infrator.

Por essa razão é que entendemos que quando da imposição de uma sanção disciplinar, deverá a mesma ser vinculada à tipificação prevista na lei, para que seja exteriorizado o direito justo, oriundo do somatório de todos os elementos que serviram de base para que fosse perquirida a verdade real, extraída do conjunto probatório. Por isso, no apuratório punitivo, o tipo disciplinar, capaz de respaldar a aplicação de penalidades leves, médias ou graves, deve ser detalhado, descrevendo de forma analítica a conduta tida como infracional bem como a penalidade que deve ser aplicada.

A grande discussão doutrinária sobre o tema sub oculis é verificada pelo fato dos deveres, obrigações e proibições dos servidores públicos, estarem inseridos em seus Estatutos jurídicos, onde as condutas infracionais são descritas em capítulos afetos ao regime disciplinar, “através de comandos normativos proibitivos ou impositivos que trazem ora minudentes descrições, ora padrões vagos, para a definição do ilícito administrativo e do ilícito disciplinar, constituindo tipificações fluidas, abertas, flexíveis.”17

Para se ter a devida dimensão da falta de uma precisa descrição do tipo legal, o artigo 132, da Lei nº 8.112/90, estabelece que os casos de demissão se inserem nas seguintes situações legais:

* crime contra a Administração Pública;
* abandono de cargo;
* inassiduidade habitual;
* improbidade administrativa;
* incontinência pública e conduta escandalosa, verificadas no serviço público;
* insubordinação grave em serviço;
* ofensa física, em serviço, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;
* aplicação irregular de dinheiros públicos;
* revelação de segredo funcional;
* lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
* corrupção;
* acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
* transgressão dos incisos IX a XVI do artigo 117, da Lei nº 8.112/90 (violação à dignidade da função pública; gerência de empresa privada; advocacia administrativa; recebimento de propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão da função pública exercida; prática de usura e desídia).

Não resta dúvida que os tipos das penalidades administrativas disciplinares são abertos, diferentemente dos do direito penal, porquanto nessa última situação jurídica eles são fechados, com exceções.

Sucede, que tal diferença ontológica não dá ensejo ao afastamento do princípio da tipicidade no direito administrativo sancionador, pois apesar de serem tipos legais abertos, eles devem ser conjugados com o disposto pelo artigo 128, da Lei nº 8.112/90, que estabelece que na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Ou seja, foram estabelecidos critérios objetivos, que complementam os tipos abertos declinados à guisa de exemplo.

Esse complemento determinado no artigo 128, da Lei nº 8.112/90, estabelece uma certa dose de proporcionalidade quando da aplicação dos tipos abertos previstos no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, pois o poder disciplinar não é irresponsável, tendo em vista que a sanção disciplinar deve conter um equilíbrio entre a infração cometida e a responsabilidade do servidor acusado, considerando-se o dano causado ao ente público.

Destarte, os padrões vagos e abertos dos tipos disciplinares, revelados por uma descrição sumária no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, sem a mínima densidade jurídica, exige uma justificada motivação do trio processante, bem como da Autoridade Julgadora, que devem se ater a análise de todo o conjunto probatório constante do processo administrativo disciplinar, para exteriorizarem o plasmado do direito justo.

Infelizmente, esses padrões vagos e abertos de descrição das infrações disciplinares possibilitaram que grande parte da refinada doutrina administrativa defendesse o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, ficando ao livre alvedrio da Autoridade administrativa, preencher a lacuna do direito disciplinar, como bem lhe aprouver.

Por essa visão jurídica, a infração disciplinar descrita, como por exemplo “falta grave”, ficaria a cargo da Autoridade Julgadora, para desenvolver a sua fundamentação objetivando respaldar a aplicação do ato punitivo e teria a ampla discricionariedade de afastar o princípio da legalidade.

Defendendo a atipicidade como regente do processo administrativo disciplinar, José Cretella Júnior,18 adunou: “A falta disciplinar é atípica; a infração penal é típica. (...) O poder disciplinar é, em tese, discricionário. Não vinculam os pressupostos de antecedência da lei na determinação da falta ou da sanção. Não se aplica à instância administrativa o princípio da reserva legal que domina, regularmente, a doutrina em lei penal (nullum crimen, nulla poena sine lege). Não há, em matéria disciplinar, a exigência de verificação legal da falta que se caracteriza, in genere, como violação dos deveres funcionais, a serem explicitados em atos regulamentares ou administrativos.” -[Itálico e parênteses no original]-

Por esse entendimento do professor J. Cretella Júnior19 simplesmente a atipicidade da conduta disciplinar, teria o condão de afastar o princípio da legalidade da infração disciplinar, bem como a análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo , conferindo uma ampla, geral e irrestrita discricionariedade ao julgador do processo administrativo disciplinar e aplicador da penalidade.

A ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro,20 também se perfilha a essa corrente doutrinária, quando afirma que “no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo: A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência do serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas no modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim deve ser levado em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público.”

-[Aspas no original]-

Esse posicionamento foi defendido amplamente pela corrente francesa do início do século XX, onde renomados tratadistas, entre eles Gaston Jéze,21 afirmaram que constituía erro fundamental confundir a infração disciplinar com a penal: “La falta disciplinaria y la infracción penal no tiene, pues, la misma naturaleza; no nos hallamos ante una cuestión de gravedad de la falta. Confundir la falta de servicio y el delito del agente público, sería un error capital, en el que muchas veces se ha incurrido. Olvidar esta idea fundamental, es correr el riesgo de dar al poder disciplinario una significación jurídica que no tiene. La represión disciplinaria de los agentes públicos que cometen faltas y la represión penal de los agentes públicos delincuentes son dos casos totalmente diferentes.”

Duez et Debeyre,22 também sustentou a diversidade fundamental do delito penal com o disciplinar, em face da diferença de seus tipos legais, tendo em vista que as infrações disciplinares não necessitavam de previsão legal sendo desnecessária, via de conseqüência, a exigência de tipicidade, tão fundamental para o direito francês; todos os servidores públicos poderiam ser punidos quando eles infringissem deveres funcionais em sentido lato, sem que houvesse a necessidade do contexto descritivo do rol de penalidades cabíveis.

Esses posicionamentos jurídicos de doutrinadores franceses foram suficientes para influenciar A. Gonçalves de Oliveira,23 ex-Consultor Geral da República, ao proferir alentado parecer, em 1956, como se infere: “Para aplicação da pena disciplinar, não é necessário esteja a mesma expressamente prevista na lei, não se sujeitando à idéia da prévia tipicidade.”

Odete Medauar24 também defende a atipicidade das infrações disciplinares, por dois fundamentos: dificuldade de se catalogar com exatidão todas as condutas infracionais e discricionariedade do administrador público: “Cabem algumas ressalvas a respeito da atipicidade das infrações. Dois argumentos aparecem amiúde para justificar essa atipicidade ou a não aplicação do adágio nullum crime sine lege: a) dificuldade de catalogar com exatidão todas as condutas que possam desatender deveres e proibições funcionais; b) discricionariedade do poder disciplinar.”-[Itálico no original]-

No mesmo sentido, o ilustre mestre José dos Santos Carvalho Filho25 aduz: “Os estatutos funcionais apresentam um elenco de deveres e vedações para os servidores e o ilícito administrativo vai configurar-se exatamente quando tais deveres e vedações são inobservados. Além do mais, os estatutos relacionam as penalidades administrativas sem, contudo, fixar qualquer elo de ligação a priori com a conduta.” -[Itálico no original]-

Pedimos vênia aos ilustres doutrinadores que entendem não haver a subsunção da conduta infracional disciplinar em um tipo legalmente previsto num dispositivo instituído pelo ordenamento jurídico, no sentido de que a tipicidade da infração disciplinar fere os princípios da legalidade, proporcionalidade, segurança jurídica e deixa de atender ao ideal de justiça.

IV - DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS

Para se instituir o princípio do devido processo legal na instância disciplinar, em primeiro lugar, faz-se necessário a existência de um processo justo, onde o acusado tenha a devida ciência da descrição/narração circunstanciada do fato tido como infração disciplinar, devidamente tipificado em um dispositivo legal, cuja prática lhe é imputada.

Ou seja, como averbava Heleno Cláudio Fragoso,26 “o elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do fato fundamenta o pedido, demonstra a convicção da acusação pública’, sendo justificado tanto a ação penal, como o procedimento administrativo disciplinar, porquanto é afastado ‘o arbítrio e o abuso de poder’.” –[Aspas no original]-

Enfatizamos, ainda por necessário, que no atual sistema jurídico brasileiro, não existe a menor possibilidade de ser permitido aos poderes públicos, com fundamento somente em provas indiretas, reconhecer, em sede disciplinar, a responsabilidade funcional do servidor público.

Na realidade, a constitucionalização do direito administrativo, introduzida pela Carta Política de 1988, repele qualquer ato estatal que viole o dogma de que não haverá culpa penal ou administrativa por presunção ou por uma mera suspeita desacompanhadas de provas diretas ou de outros elementos legais de convicção. Pois, “meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal.”

Não se admite a imposição de uma penalidade disciplinar ao servidor público, a qual por óbvio pressupõe uma condenação, sem a descrição circunstanciada e detalhada da conduta infracional praticada e da classificação do tipo legal tido como infringido, pois o princípio da legalidade estabelece essa mínima obrigatoriedade para a acusação.

Ou em outras palavras, “os agentes administrativos não são meros objetos da repressão disciplinar, antes assumindo um papel ativo no desenvolvimento do respectivo procedimento, que lhes concede importantes garantias de defesa, de modo a poderem influenciar o seu resultado. Aliás, só assim o procedimento disciplinar pode cumprir a sua função legitimadora do ato administrativo disciplinar.”28

Aproxima-se o direito disciplinar e as suas respectivas sanções do ponto de vista teorético do direito penal e de suas penas, conforme lição de Jorge de Figueiredo Dias.29 Essa aproximação é de conseqüência do “Estado, estritamente subordinado ao princípio da legalidade da Administração.”30

O citado penalista lusitano, Jorge de Figueiredo Dias,31 fiel aos direitos constitucionais fundamentais dos acusados em geral e também a benéfica influência do direito penal, defende a aplicação do princípio da tipicidade no direito administrativo disciplinar, nos seguintes termos: “o que estaria ligado sobretudo à circunstância de as exigências da tipicidade das infrações – em conseqüência também da culpa – se encontrarem no direito disciplinar extremamente amortecidas relativamente ao que sucede, por força do estrito princípio da legalidade, no direito penal. Não deve ser assim, e não é assim segundo o direito disciplinar português vigente. Sem prejuízo de dever conhecer-se que o direito disciplinar é, em maior medida que o direito penal, orientado para o agente, não pode esquecer-se que se trata aqui de direito sancionatório e que por isso uma consistente defesa dos direitos dos argüidos impõe que sejam respeitados no essencial os princípios garantísticos que presidem o direito penal. Por isso o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (DL 24/84, de 16-1), se não tipificou as infraccões – os tipos de factos – que dão origem à responsabilidade disciplinar, descreveu em todo o caso o dever geral dos funcionários e agentes aos seus concretos deveres, de isenção, de zelo, de obediência, de lealdade, de sigilo, de correção, de assiduidade e de pontualidade, cuja violação sujeita os funcionários e agentes ao poder disciplinar (art. 3º do DL 24/84).” –[Parênteses no original]-

As infrações disciplinares no direito português a que alude Jorge de Figueiredo Dias, são aquelas que estão previstas no Decreto-Lei nº 24/84, que atualizou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

O artigo 3º, do citado Decreto-Lei nº 24/84, estabelece como infração disciplinar: “3.1. – Considera-se infração disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce. 3.2.– Os funcionários e agentes no exercício das suas funções estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração. 3.3. – É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito. 3.4. – Consideram-se ainda deveres gerais: a) o dever de isenção; b) o dever de zelo; c) o dever de obediência; d) o dever de lealdade; e) o dever de sigilo; f) o dever de correção; g) o dever de assiduidade; h) o dever de pontualidade.”

Sendo que a jurisprudência portuguesa identifica os elementos constitutivos da infração disciplinar, como: “São elementos essenciais da infração disciplinar: a) uma conduta do funcionário ou agente; b) o caráter ilícito desta, decorrente da inobservância de algum dos deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida; c) o nexo de imputação, que se traduz na censurabilidade da conduta, a título de dolo ou culpa. Enferma de violação de lei, a punição por conduta a que falta alguns desses elementos.”32

Em outro aresto, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal estabeleceu posição sólida sobre os elementos essenciais para a tipificação de uma infração disciplinar, como se verifica da seguinte ementa: “-São elementos essenciais constitutivos de infração disciplinar: a) uma conduta do funcionário; b) a violação de algum dos deveres gerais ou específicos; c) a censurabilidade desta, por imputação ao agente a título de dolo ou de mera culpa. A culpa envolve, por natureza, um complexo juízo de censura ou reprovabilidade que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente.”33

De igual modo, verifica-se que a Corte Superior Portuguesa não tem dúvida da necessidade jurídica de se tipificar a infração disciplinar em relação aos fatos que possam ser objeto de ilicitude, quando confrontados com a norma legal: “- Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do Estatuto Disciplinar do Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovada pelo art. 1º, do DL nº 24/84, de 16 de janeiro, só são disciplinarmente relevantes os fatos que possam ser objecto de um juízo de ilicitude face à norma ou princípio jurídico que impõe ao funcionário argüido um dever funcional geral ou especial.”34

Como visto, o direito português exterioriza a necessidade de se identificar uma conduta ilícita por parte do servidor público responsável perante o ordenamento jurídico, através de um tipo estabelecido previamente pela lei.

Tal qual em nosso direito, mesmo que vagos ou indeterminados os conceitos dos ilícitos disciplinares de Portugal, o Poder Judiciário estabeleceu firme jurisprudência que a responsabilidade administrativa decorre, por força do princípio da legalidade, da conduta dos servidores públicos que configuram infrações, previstas em normas do Estatuto dos funcionários públicos daquele país.

Na Espanha, o artigo 25.1 da Constituição estabelece que ninguém será punido, condenado ou sancionado por falta ou infração disciplinar, sem que haja previsão na legislação vigente: “25.1 – Nadie debe ser condenado o sancionado por acciones u omisiones que el momento de producirse no constituyan delito, falta o infracción administrativa, según la legislación vigente en aquel momento.”

Conferindo efetividade ao citado comando constitucional, a Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e Procedimento Administrativo Comum (Lei 30/1992, de 26 de novembro), em seu artigo 129, estabelece explicitamente a necessidade do princípio da tipicidade nas infrações administrativas: “Art. 129.1 – Solo constituyen infracciones administrativas las vulneraciones del Ordenamiento Jurídico previstas como tales infracciones por una Ley, sin perjuicio de lo dispusto para la administración local en el título XI de la Ley 7/1985, de 2 de abril, Reguladora de las Bases del Régimen Local. Las infraciones administrativas se classificarán por la Ley em leves, graves y muy graves. 2 – Únicamente por la Comisión de infracciones administrativas podrán imponerse sanciones que, en todo caso, estarán delimitadas por la ley. 3 – Las disposiciones reglamentarias de desarrollo podían introducir especificaciones o graduaciones al cuadro de las infracciones o sanciones estabelecidas legalmente que, sin construir nuevas infracciones o sanciones, no alterar la natureza o limites de los que la Ley contempla, contribuyan a la más correcta identificación de las conductas o a la más precisa determinación de las sanciones correspondientes. 4 – Las normas definidoras de infracciones y sanciones no serán susceptibles de aplicación analógica.”

Jesús Gonzáles Pérez e Francisco Gonzáles Navarro,35 ao comentarem o artigo 129, da LRJPA aduzem: “La infracción administrativa es por lo ponto una acción previamente descrita por la ley, precisamente por una ley en el sentido formal, que haya sido emanada del Parlamento. Tipificación y reserva legal son así los dos primeros rasgos que sirven para empezar a perfilar el concepto de infracción administrativa.”

Por sua vez, José Mária Quirós Lobo,36 sobre o tema assinala que os preceitos sancionadores “em branco” são os primeiros inimigos do princípio da tipicidade disciplinar.

No mesmo sentido, em Obra específica sobre o princípio da tipicidade nas infrações disciplinares qual seja, “La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador”, Joaquim Meseguer Yebra, afirmou:37 “La descripción de la infracción administrativa, referida a actos u omisiones aislados y concretos, no es una facultad discrecional de la Administración o autoridad sancionadora, sino propiamente una actividad jurídica de aplicación de las normas, que exige como presupuesto objetivo el encuadre o la subsunción de la infracción en el tipo predeterminado legalmente, rachazádonse criterios de interpretación extensiva o analógica. A afectos de revisión jurisdiccional la tipicidad de la infracción, supone la coincidencia de una conducta con el supuesto de hecho de la norma tipificante.”

Por fim, José Manuel Serrano Alberca,38 ao comentar a Constituição da Espanha em magistral obra organizada por Fernando Garrido Falla, também se perfilha aos posicionamentos doutrinários citados alhures: “El principio da tipicidad, como aplicación y concreción del principio de legalidad y reserva de ley exige también la delimitación concreta de las conductas en la ley prohibiendo, con caráter general, las remisiones en blanco a preceptos de rango inferior y su interpretación analógica.”

Também o Tribunal Supremo Espanhol teve a oportunidade de se manifestar no seguinte sentido: “El derecho fundamental así enunciado (de acuerdo con el tenor literal del art. 25.1 CE) incorpora la regra nullum crimem nulla poena sine lege, extendiéndola incluso al ordenamiento sancionador administrativo y comprende una doble garantía. La primeira, de orden material y alcance absoluto, tanto por lo que se rifiere al ámbito estritamente penal como al de las sanciones administrativas, refleja la especial transcedencia del principio de seguridad en dicho ámbitos limitativos de la liberdad individual y se traduce en la imperiosa exigencia de pretederminación normativa de las conductas ilícitas y de las sanciones correspondientes.”39 -[Itálico e parênteses no original]-

O Tribunal Constitucional Espanhol em outro expressivo julgado deixou explícita a necessidade da aplicação do princípio da legalidade no âmbito do direito sancionador estatal: “implica, por lo menos, estas três exigências: La existência de una ley (lex scripta); que la ley sea anterior al hecho sancionador (lex previa), y que la ley describa un supuesto de hecho estrictamente determinado (lex certa); lo que significa un se chazo a la analogía como fuente creadora de delitos y penas, e impide, como limite a la actividad judicial, que el Juez se convierta en legislador.”40

O mesmo Tribunal Supremo Espanhol enfrentou os conceitos de legalidade e de tipicidade nas infrações e sanções disciplinares, da seguinte forma: “Los conceptos de legalidad y de tipicidad no se identifican, sino que el segundo tine un próprio contenido, como modo especial de realización del primero. La legalidad se cumple con la previsión de las infraciones y sanciones en la ley, pero para la tipicidad se requiere algo más, que es la precisa definición de la conducta que la ley considera pueda imponerse, siendo en definitiva medio de garantizar el principio constitucional de la seguridad jurídica y de hacer realidad junto a la existencia de una lex previa, a la de una lex certa.”41

Após as lições doutrinárias e jurisprudenciais do direito comparado, não resta dúvida que o princípio da legalidade encontra-se encravado no processo administrativo disciplinar em seu todo, sendo que a tipicidade é uma conseqüência da sua salutar influência. Por essa concepção, quando se tratar de investigação, onde se apura a prática de ilícito criminal ou infração disciplinar, com a aplicação de penalidade, têm-se, como exigência do princípio da legalidade, as seguintes providências:42

* irretroatividade da lei;
* proibição de criação de ilícitos administrativos e penalidades pelos costumes ou que não estejam legalmente estabelecidos em ordenamento legal;
* impossibilidade de se utilizar o princípio da analogia para definir infrações disciplinares ou agravar/fundamentar as penalidades;
* tipicidade;
* descrição precisa e circunstanciada dos fatos, sendo vedada a acusação vaga e indeterminada.

Sobre o princípio da tipicidade no direito administrativo disciplinar, deixamos registrado em nossa Obra intitulada “Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada : Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União”:43 “Apesar de ilustres administrativistas defenderem que o princípio da tipicidade (tatbstand) não se aplica ao processo disciplinar, após o advento da Constituição de 1988, onde o direito administrativo foi constitucionalizado, o princípio da legalidade (art. 37, CF e o art. 5º, II, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) não permitem uma acusação genérica, sem ponto de apoio em uma norma legal descritiva que reprima a conduta tida como ilícita. Na atual fase do direito constitucional administrativo não mais vigora a visão de que a acusação no processo disciplinar pode ser ampla e dissociada de um tipo legal.”-[Itálico e parênteses no original]-

No mesmo sentido, o ilustre doutrinador lusitano Manoel Afonso Vaz,44 autor da consagrada Obra “Lei e Reserva de Lei”, averbou: “A idéia fundamental, ou ponto de partida, é estabelecer, uma conexão adequada entre uma concepção particular da pessoa e os primeiros princípios de justiça, através de um procedimento de construção. Ou dito de outro modo, procura-se estabelecer um certo procedimento de construção que responda a certas exigências de razoabilidade e, dentro desse procedimento, explicitar um modo de as pessoas racionais, caracterizadas como ‘agentes de construção’, especificarem, mediante os seus acordos, os princípios de justiça.” –[Aspas no original]-

Fábio Medina Osório,45 representando a corrente doutrinária moderna, não teve dúvida em confirmar a necessidade da aplicação da teoria da tipicidade no direito administrativo: “Sem embargo, a teoria da tipicidade é um fenômeno peculiar ao direito, sem uma necessária vinculação com a idéia de tipos penais. Daí porque, naturalmente, os tipos entram no campo administrativo, desempenhando determinadas funções. (...) O princípio da tipicidade das infrações administrativas, decorre genericamente, do princípio da legalidade, vale dizer, da garantia de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, II, da CF/88), sendo que a Administração Pública, ademais, está submetida a exigência de legalidade administrativa (art. 37, caput, CF/88), o que implica necessária tipicidade permissiva para elaborar modelos de contas proibidas e sancioná-los. Além disso, a garantia de que as infrações estejam previamente tipificadas em normas sancionadoras integra, por certo, o devido processo legal da atividade sancionatória do Estado (art. 5º, LIV, CF/88), visto que sem a tipificação do comportamento proibido resulta violada a segurança jurídica da pessoa humana, que se expõe ao risco de proibições arbitrárias e dissonantes dos comandos legais.” –[Aspas, itálico e parênteses no original]-

Em igual diapasão, Paulo Otero,46 eminente administrativista português, filiado à modernidade do Direito Público, não teve dúvida em adunar: “O princípio da legalidade de ser mero limite da actividade administrativa para passar a ser igualmente, seu fundamento. A extensão do princípio da legalidade determina a evolução do princípio da reserva de lei para o princípio da reserva total de lei, através do qual todas as tarefas administrativas e o conteúdo da sua própria actividade exige a existência de um fundamento legal.”

Outro grande expoente do direito administrativo brasileiro, Romeu Felipe Bacellar Filho,47 amparado pela Constituição Federal de 1988, não teve dúvida em inadmitir a possibilidade jurídica da atipicidade da infração no âmbito disciplinar: “A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmações do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidades inconcebíveis em Direito Penal’. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5º, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, nulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionar.” –[Aspas, itálico e parênteses no original]-

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:48 “Inexiste discricionariedade para imposição de sanções, inclusive quando se tratar de responsabilidade administrativa. A ausência de discricionariedade se refere, especialmente, aos pressupostos de imposição da sanção. Não basta a simples previsão legal da existência da sanção. O princípio da legalidade exige a descrição da ‘hipótese de incidência’ da sanção. A expressão, usualmente utilizada no campo tributário, indica o aspecto da norma que define o pressuposto da aplicação do mandamento normativo. A imposição de sanções administrativas depende da previsão tanto da hipótese de incidência quanto da conseqüência. A definição deverá verificar-se através da lei (...).” –[Aspas no original]-

Sem o nexo entre a conduta descrita no “libelo acusatório”, (equivalente a portaria inaugural e mandado de citação do processo administrativo disciplinar) e o tipo legalmente estabelecido em lei para uma futura punição, não haverá legitimidade a aplicação de uma sanção disciplinar, porquanto o Estado Democrático de Direito não permite a existência de normas incriminadoras em branco.

Os elementos descritivos do tipo, segundo Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weingend,49 “son conceptos que pueden ser tomados tanto del cotidiano como del uso de lenguage jurídico y que describe objetos del mundo real. Son susceptibles de una verificación fática y, por este motivo, también pueden ser concebidos como componentes ‘descritivos’ aún cuando la determinación de su más exacto contenido sólo se consiga a través de la referencia a una norma, mostrando asi en cirta medida un contenido jurídico.” –[Aspas no original]-

Sobre a taxatividade no direito penal, da lei ser a única fonte definidora de crimes, extrai-se as brilhantes lições de Celso Delmanto:50 “(...) as leis que definem crimes devem ser precisas, marcando, exatamente a conduta que objetivam punir. Assim, em nome do princípio da legalidade, não podem ser aceitas leis vagas ou imprecisas, que não deixem perfeitamente delimitado o comportamento que pretendem incriminar os clamados tipos penais abertos... Por outro lado, ao juiz que vai aplicar leis penais é proibido o emprego da analogia ou da interpretação com efeitos extensivos para incriminar algum fato ou tornar mais severa sua punição. As eventuais falhas da lei incriminadora não podem ser preenchidas pelo juiz, pois é vedado a este completar o trabalho do legislador, para punir alguém.”

Exige, também, o direito administrativo disciplinar uma descrição legal do tipo subsumido a uma conduta específica, conjugada ou imbricada com uma correspondente penalidade.

Esse tipo legal proibitivo, vinculado a uma sanção disciplinar, é suficiente para afastar o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, em decorrência de que a infração disciplinar não pode ser fundamentada/embasada por preceitos fluidos ou discricionários da Administração Pública, para que ela “possa entender violado determinado preceito primário (tipo), independentemente de perfeita subsunção.”51

V - DA APLICAÇÃO PERMANENTE DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Não há como obstar a aplicação subsidiária dos princípios e das normas do Direito Penal ao processo administrativo disciplinar, tendo em vista que eles atuam supletivamente às normas administrativas. Essas garantias penais regulam e aplicam-se ao direito sancionatório do Estado, que foi constitucionalizado exatamente para estabelecer uma ampla atuação no ordenamento jurídico, sem obstáculos formais.

Todos os ramos do direito se comunicam objetivando trazer paz e segurança jurídica para os cidadãos, por isso é que os referidos ramos tiveram os seus princípios constitucionalizados, em grande parte, para estabelecer direitos fundamentais a toda sociedade. Desse modo, o direito penal cumpre importante papel no âmbito do direito sancionatório, incluindo o disciplinar, pois exterioriza muitas garantias aos acusados, para estabelecer a certeza na repreensão a prática de uma infração disciplinar legalmente prevista e tipificada em lei.

Por isso é que muitos dos princípios legais que regem o direito penal estão também presentes no direito administrativo disciplinar, tais como os princípios da tipicidade, prescrição intercorrente, isonomia, proporcionalidade, proibição da reformatio in pejus, non bis is idem, presunção de inocência, inversão do ônus da prova, direito à ampla defesa e ao contraditório, legalidade, dentre outros.

O direito administrativo sancionador/disciplinar é apenas mais uma das condições jurídicas de manifestação do ius puniendi do Estado. Sua diferença para o direito penal é apenas de grau ou, em algumas situações, mera opção legislativa.52

Nelson Hungria,53 que compôs as Comissões responsáveis pela elaboração dos Ante-Projetos dos Códigos Penal, Processo Penal e da Lei das Contravenções Penais, pronunciou-se no sentido a seguir transcrito, reforçando o que foi aduzido anteriormente: “A ilicitude é uma só, do mesmo modo que um só, na essência, é o dever jurídico. Dizia BENTHAM que as leis são divididas apenas por comodidade de distribuição: todas podiam ser, por sua identidade substancial, dispostas ‘sobre um mesmo plano, sobre um só mapa-mundi’. Assim, não há como falar-se de um ilícito administrativo ontologicamente distinto de um ilícito penal. A separação entre um e outro atende apenas a critérios de conveniência ou de oportunidade, afeiçoados à medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço. Conforme acentua BELING a única diferença que pode ser reconhecida entre as duas espécies de ilicitude é de quantidade ou de grau, está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com a outra. O ilícito administrativo é um minus em relação ao ilícito penal. Pretender justificar um discrime pela diversidade qualitativa ou essencial entre ambos, será persistir no que KUKULA justamente chama de ‘estéril especulação’, idêntica à demonstração da quadratura do círculo.” –[Aspas e itálico no original]-

Não há razão jurídica para rejeitar-se o sistema de semelhança do processo administrativo disciplinar para a estrutura do processo penal: “A punição administrativa guarda evidente afinidade, estrutural e teleológica, com a sanção penal.”54

Por isso é que a tipificação de um ilícito passa a assumir papel de grande relevância também na esfera disciplinar/sancionatória, pois nesse ramo do direito, apesar de ser representado por uma instância administrativa, ela é responsável pela aplicação de severas penas, que possuem o efeito de estabelecer um permanente dano psicológico, com reflexos financeiros, familiares e sociais, na vida do servidor público condenado disciplinarmente.

Dessa forma, Eduardo García de Enterría e Tomás Ramón Fernandez,55 fiéis ao desenvolvimento da jurisprudência constitucional espanhola, ressaltam a aplicabilidade de princípios constitucionais do direito penal no âmbito do direito administrativo disciplinar, destacando: “a) legalidade (exigência de que as condutas sancionáveis sejam previamente tipificadas pela lei formal e não por simples regulamento); b) injusto típico (imperativo de determinação prévia na lei das condutas, isto é, ações ou omissões, que constituem infrações administrativas, excluindo-se cláusulas abertas ou indeterminadas ou ainda as condutas de qualificação genérica ou subjetiva); c) nulla poena sine culpa (exclusão da responsabilidade objetiva, exigindo-se que qualquer sancionamento administrativo seja fundado quer em culpa quer em dolo); d) prescrição (limitação temporal da faculdade punitiva da Administração, de forma a pacificar as relações sociais e efetivar o valor segurança); e) prova verificada da realidade da conduta reprovável (afastamento das presunções desfavoráveis contra os administrados, princípio compreendido por aquele da presunção de inocência e pelo due process of law, a exigir um procedimento que assegure a possibilidade de ampla defesa, de contraditório e de produção probatória aos administrados.” -[Itálico e parênteses no original]-

Essas condições legais descritas pelos ilustres mestres espanhóis retratam a perfeita adaptação com a atual constitucionalização da ordem jurídica brasileira.

Na situação jurídica do processo administrativo disciplinar, onde os tipos legais são vagos e abertos, o administrador público terá que descrever circunstanciadamente e detalhadamente os fatos e indicar os fundamentos legais (tipos) –classificação/qualificação jurídico disciplinar- pertinentes (art. 26, VI, da Lei nº 9.784/99), capazes de demonstrar a prática de infrações disciplinares, em tese, por parte do servidor público.

Essa base fática e jurídica completam o binômio exigido pelo princípio da legalidade (ou da reserva legal) capaz de conferir uma segurança legal para a investigação.

A propósito do princípio da legalidade Damásio E. de Jesus, em sua Obra “Direito Penal : Parte Geral”. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986, v.1, p. 54, pronuncia-se no seguinte sentido: “Ensina José Frederico Marques que, além de seu significado político, possui o princípio um aspecto jurídico, uma vez que ‘fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinações da sanctio juris aplicável’.” –[Aspas e itálico no original]-

Sem as exigências legais anteriormente referidas, o mandado de citação56 ou a portaria inaugural57 que, além de outros requisitos determina a instauração do processo administrativo disciplinar, possuem grave vício capaz de violar o devido processo legal, impedindo que haja ampla defesa e que seja instituído o contraditório.

Sendo certo que, tanto o Regulamento como qualquer outro ato administrativo58 não poderão estabelecer um tipo legal, pelo fato do mesmo, em termos de definição/descrição/sanção, ser sempre fixado por uma lei formal, que só poderá ser aplicada ao caso concreto, se for sancionada e entrar em vigor anteriormente a prática da conduta infracional pelo servidor público.

Oportuna é a lição da eminente administrativista Lúcia Valle Figueiredo, quando em exercício no TRF – 3ª Região, ao julgar o Mandado de Segurança nº 142.666, da 2ª T., em 22 de jun. de 1994: “Impende saber se o princípio da tipicidade, uma vez que trata de procedimento sancionatório, poderia ser postergado e, de seu turno, dar-se pela implicitude do controle sobre as cópias para vídeo-cassete. O procedimento administrativo sancionatório segue o devido processo legal e, na hipótese, o penal, do mesmo modo que o procedimento sancionatório tributário. O princípio da tipicidade é importantíssimo para preservação do princípio da legalidade. Deve estar descrita na lei a infração com a devida conseqüência. Se determinadas formas de ‘infrações’ ainda não tiverem sido tipificadas, possível é que passem a sê-lo, modificando-se a lei. Possível não é, entretanto, que em matéria de infração utilize-se da analogia. (...) transpondo para o nosso texto constitucional, mesmo o anterior, o princípio da legalidade geral (‘ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei’) e da legalidade administrativa, exclui qualquer possibilidade de aplicar sanções, mesmo administrativas, que não se sediem diretamente na lei. Na Constituição anterior já estava garantido o devido processo legal para as infrações penais. O texto atual é expresso garantindo-o também, para os procedimentos administrativos, que devem ter as mesmas garantias do procedimento judicial. É claro que o procedimento administrativo sancionatório deve seguir a trilha do processo penal. Massimo Severo Giannini, em seu Instituzione de Diritto Amministrativo, p. 396, também afirma que os procedimentos administrativos, devem ser modelados segundo o esquema geral do processo penal.” -[Aspas e parênteses no original; grifo nosso]-

Não fosse essa efetiva influência do direito penal constitucionalizado, o princípio da publicidade administrativa, previsto no caput, do art. 37, da CF, já seria suficiente para impor a necessidade de se estabelecer a obrigatoriedade da descrição certa, precisa e circunstanciada do fato investigado, com a sua adequação em um tipo legal, estabelecido pelo texto normativo.

Todavia, como muito bem averbaram Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari,59 “na seara dos processos administrativos pertinentes à aplicação de sanções não deve o agente decisório deixar de levar em consideração a rica trama principiológica do direito penal. Cabendo-lhe, em suma, levantar as pontes conceituais antes por nós exaltadas, a fim de evitar que o processo realize não a justiça, mas a suma injustiça.”

Mais a frente, os ilustres tratadistas,60 com o devido acerto, peculiar aos seus posicionamentos jurídicos, deixam bem lançadas razões sobre os princípios da reserva legal e da tipicidade normativa da sanção administrativa, verbis: “Em primeiro lugar, impõem-se bradar em altas vozes: não há sanção administrativa admissível sem prévia capitulação legal (lei em senso estrito). Nem é preciso, no particular, recorrer ao inciso XXXIX, do art. 5º da Constituição Federal, assim evitando a polemica. Com aqueles que pretendem a aplicabilidade desse comando exclusivamente ao crime (também em sentido estrito); bastará nos afinarmos ao inciso II do mesmo art. 5º, consagrador do princípio da legalidade, marca fundamental da atividade administrativa de qualquer natureza. Em definitivo: sanção administrativa só pode decorrer de lei anterior, e lei em cunho formal (não bastando simples medida provisória, que não passa de lei sob condição, lei a título precário – o que, a toda evidência, não se presta a definir infrações e respectivas sanções: a repercussão e a profundidade do enquadramento infracional e da decorrente submissão sancionatória são incompatíveis com um juízo de validade definitiva dependendo da hipotética conversão da medida em lei). Decorrência inafastável das precedentes considerações estampa-se na inaceitação, de nossa parte, da afirmação, até aqui correntia, de não existir no direito administrativo, a exigência da tipicidade. Ou seja, em suas atuações sancionatórias bastaria à Administração referir, abertamente, o fato punível, dispensando-se do enquadramento normativo correspondente. Não há como compatibilizar tal afirmação com as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, desde 1988 expressamente conferidas também ao processo administrativo.” –[Parênteses no original; grifo nosso]-

Portanto, deve o Administrador público, quando investido do poder disciplinar, primar pelo cumprimento da regular investigação, através de uma apuração justa, sendo a conduta infracional praticada pelo servidor público prevista em um tipo legal, com a sua descrição detalhada e circunstanciada.

Averbe-se, nesse sentido, o magistral julgado da 5ª Turma, do Superior Tribunal de Justiça, no ROMS nº 16.264/GO,61 que teve a relatoria da eminente Ministra Laurita Vaz, assim ementado o aresto: “Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Processo Administrativo Disciplinar. Infração Administrativa tipificada no art. 303, inciso LVI, da Lei nº. 10.460/88. Ausência da elementar do tipo “em serviço”. Nulidade do Decreto Demissório. Direito líquido e certo. 1. In casu, em nenhum momento restou efetivamente evidenciado que o Recorrente estivesse no exercício de seu mister (“em serviço”). Isso porque, uma vez que os fatos se deram em local diverso do ambiente do trabalho, ainda que próximo, como consta do Relatório Final, somente seria cabível a imputação acaso ficasse demonstrado que o Recorrente estava, ao menos, no cumprimento das atribuições do cargo no momento do ocorrido, o que não ocorrera na espécie. 2. O fato de cuidar-se da vítima de funcionário público, colega de serviço do Recorrente, e de existir uma animosidade entre eles em razão do serviço, segundo consta dos autos, não se mostra suficiente para tipificar o ilícito administrativo. 3. No campo do direito disciplinar, assim como ocorre na esfera penal, interpretações ampliativas ou analógicas não são, de espécie alguma admitidas, sob pena de incorrer-se em ofensa direta ao princípio da reserva legal. 4. Ressalte-se que a utilização de analogias ou de interpretações ampliativas, em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio da tipicidade, corolário do princípio da legalidade, segundo as máximas: nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido para anular a pena demissória aplicada ao Recorrente.” –[Aspas, itálico e parênteses no original]-

Em seu voto condutor, no ROMS nº 16.264/GO a Ministra Laurita Vaz, ao estabelecer a similitude do direito disciplinar ao direito penal, vinculou a discricionariedade do administrador público ao princípio da legalidade: “É que, no campo do direito disciplinar, assim como ocorre na esfera penal, interpretações ampliativas ou analógicas não são, de espécie alguma, admitidas, sob pena de incorrer-se em ofensa direito ao princípio da reserva legal. Não se pode admitir-se que a discricionariedade do administrador atue de forma derrogatória do princípio da legalidade, em especial nos casos cujos preceitos secundários cominem penalidades graves ou gravíssimas, como no caso da demissão, na medida em que importa em ferimento aos direitos fundamentais do servidor ante à inegável inconstitucionalidade de que se reveste o ato punitivo quando pautado em padrões fluidos, oriundos de conceitos indeterminados. (...) Ressalte-se que a utilização de analogia ou de interpretações ampliativas em matéria de punição disciplinar, longe de conferir ao administrado uma acusação transparente, pública, e legalmente justa, afronta o princípio a tipicidade, corolário do princípio da legalidade, à luz das máximas: nullum crimen nulla poena sine lege stricta e nullum crimen nulla poena sine lege certa, postura incompatível com o Estado Democrático de Direito.” -[Itálico no original]-

A propósito, seguem outros importantes julgados do STJ que foram construídos com a finalidade de fiscalizar a aplicação indiscriminada da pena de demissão do servidor público, que apesar de estarem previstas no tipo legal descritivo de uma infração disciplinar, a desproporcionalidade da sanção foi identificada pela insubsistência das condutas investigadas, verbis: 1)- “Administrativo. Mandado de Segurança. Policial Rodoviário Federal. Processo Administrativo Disciplinar. Controle Jurisdicional. Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. Demissão. Ilegalidade. Concessão da Segurança. 1. O controle jurisdicional em mandado de segurança é exercido para apreciar a legalidade do ato demissório e a regularidade do procedimento, à luz dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, bem como proporcionalidade da sanção aplicada com o fato apurado. Precedentes. 2. A conduta do Impetrante não se ajusta à descrição da proibição contida no art. 117, inciso XI, da Lei n.º 8.112/90, tendo em vista que a Comissão Processante não logrou demonstrar que o servidor tenha usado das prerrogativas e facilidades resultantes do cargo que ocupava para patrocinar ou intermediar interesses alheios perante a Administração. 3. Ordem concedida, para determinar a reintegração do Impetrante ao cargo público, sem prejuízo de eventual imposição de pena menos severa, pelas infrações disciplinares porventura detectadas, a partir do procedimento administrativo disciplinar em questão.”62 2)- “Mandado de Segurança. Ministro da Justiça. Administrativo. Servidor Público. Demissão. Processo Disciplinar. Prática da usura não configurada. O impetrante se volta contra a sua demissão, calcada em processo disciplinar no qual teria sido caracterizada a prática da usura por parte do respectivo policial. Não compreendida, no conceito legal de usura, a conduta do servidor, o ato de demissão é ilegal e arbitrário. Segurança concedida para determinar a anulação do ato demissório e determinar a sua reintegração no cargo de que fora demitido.”63

Verifica-se, com muita clareza, que os motivos determinantes do mérito da sanção disciplinar, resultantes do devido processo legal, são passíveis de análise pelo Poder Judiciário, eis que devem conter, obrigatoriamente, não só os princípios objetivos estabelecidos no caput do art. 37, da CF (legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade), como também aqueles que se baseiam em fatos que, por força de normas legais propiciam a tomadas de decisões disciplinares neles contidos. Ou melhor dizendo, “a legalidade do ato administrativo exige como condição de validade não apenas a competência para a sua prática e a regularidade formal extrínseca, mas também os seus requisitos substanciais – a motivação, os seus pressupostos de direito e de fato, mormente quando, - como na espécie – estes elementos estão definidos em lei como vinculadores da função administrativa imposta.”64

Por isso, é lícito ao Poder Judiciário examinar o motivo ou o ato administrativo disciplinar, para verificar se ele se compraz com o princípio da segurança jurídica, que nas palavras do Ministro Gilmar Ferreira Mendes65 se constitui em “elemento fundamental do Estado de Direito”, sendo certo, que se “exige que as normas restritivas sejam dotadas de clareza e precisão, permitindo-se que o eventual atingido para identificar a nova situação jurídica e as conseqüências que dela decorrem. Portanto, clareza e determinação significam cognos cibilidade dos propósitos do legislador.” -[Itálico no original]-

Seguindo-se o modelo legislativo adotado pela Lei nº 8.112/90, que estabelece em seu artigo 132, as taxativas situações dos tipos legais com previsão de pena de demissão, deve-se verificar a conduta infracional do servidor público, para se estabelecer a devida adequação com um dos respectivos tipos legais, sob pena de violação ao princípio da legalidade, pois, se assim não for, a Autoridade administrativa estaria criando infrações disciplinares através de ato administrativo. Por isso é que a fiel descrição das condutas infracionais dos servidores públicos, subsumindo-se em um dos tipos legalmente previstos na lei, são imperiosas ao Estado Democrático de Direito no que pertine a condenação, imposição de sanções e restrições de direito.

Dessa forma, o princípio da tipicidade administrativo é um dos corolários do plasmado de segurança jurídica que é estabelecido em um Estado Democrático de Direito.
VI - CONCLUSÃO

Malgrado o respeito e a profunda admiração que nutrimos aos citados administrativistas que, apesar de fornecerem relevantes posicionamentos doutrinários à toda comunidade jurídica, interpretam que o princípio da tipicidade não é aplicável ao direito administrativo sancionador, entendemos justamente o contrário deles, por ser uma exigência legal, limitar o discricionarismo desenfreado do Administrador público através de disposições Constitucionais e leis infraconstitucionais.

Somente a lei formal poderá estabelecer tipos legais com suas respectivas penalidades disciplinares, bem como adequar condutas aos respectivos ilícitos.

A tipicidade no direito administrativo disciplinar segue a salutar influência do direito penal, exigindo-se da Comissão Disciplinar e Autoridade Julgadora, a verificação dos elementos objetivos do tipo bem como dos subjetivos (dolo ou culpa) e normativos, para efetuarem a devida subsunção do fato praticado pelo servidor público ao tipo -( sua descrição)- previsto na lei, “corolário da observância do princípio da culpabilidade e do instituto da imputação subjetiva.”66

Dessa forma, as infrações disciplinares de baixo, médio ou grave potencial ofensivo ao Poder Público, devem ser objeto de descrição minuciosa e analítica da conduta tida como ilícita (conteúdo preciso), visto que nessa situação, não se confere margem discricionária à Autoridade administrativa, para ao final se proceder ao enquadramento legal das respectivas infrações disciplinares relacionadas ao princípio da tipicidade.

A atuação da Administração Pública deve sempre ser em conformidade com a lei e com o direito (art. 2º, I, da Lei n.º 9.784/99). Por essa razão é que o pressuposto da ação administrativa é a previsão legal de sua atuação. Encontrando-se submetida às leis, somente podendo regularmente agir ou deixar de agir quando por elas permitida, se constata que o princípio da tipicidade é um dos corolários dessa vinculação.

Deflui esse entendimento do fato da legalidade administrativa estabelecer também a submissão do Estado a toda ordem jurídica. Sendo um dos encargos do legislador construir modelos jurídicos, a partir da realidade, para estabelecer abstratamente, valores que a colocam como um fim a ser alcançado.

Nesse sentido, Miguel Reale Júnior,67 em conformidade com os ensinamentos de Karl Engisch disserta sobre a ação típica: “Segundo ENGISCH, a ação típica decorre de uma passagem do concreto ao concreto por meio do abstrato, ou seja, o legislador da realidade constrói o modelo, o qual se amolda ao comportamento futuro, pela presença no concreto dos dados elementares invariáveis que ele descreve. A construção normativa é, contudo, sempre orientada na direção do significado da ação, cuja positividade afirma-se ou nega-se.”

Por isso, não se pode fundamentar uma penalidade no direito consuetudinário ou em aplicação analógica,68 por esse ou aquele fundamento.

Deve a ação ser típica e antijurídica, ou seja, adequando-se com a descrição feita pela lei, objetivando subsumir na mesma a conduta de quem praticou um ato ilícito, para fundamentá-lo.

Em abono ao que foi dito, segue o magistério de Klaus Roxin:69 “Esa acción há de ser típica, o sea, há de coincidir com uma de las descripciones de delitos, que lãs más importantes están reunidas em la Parte especial do CP. (...) La estricta vinculación a la tipicidade es una consecuencia del principio nullun crime sine lege. Por consiguinete no es posibile derivar acciones punibles de princípios jurídicos generales y sin un tipo fijado, como ocurre en algunas consequencias juridisca civiles.” -[Itálico no original; grifo nosso]-

Dessa forma, a tipicidade (typizität), como característica do direito penal moderno, totalmente extensível ao direito administrativo disciplinar segundo Beling, é a necessidade de que os delitos sejam catalogados, ou correspondam, aos tipos descritos em lei, para que eles não fiquem expostos a vagas e genéricas definições.

Por essas razões, não há plausibilidade jurídica em impor-se uma punição disciplinar se a mesma não está fulcrada em um tipo legal, previamente estabelecido, através de lei formal e em vigor antes da prática da conduta infracional do servidor público (princípio da anterioridade da lei).

=> NOTAS DE RODAPÉ CONVERTIDAS

1 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 2, p. 135.

2 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada, 3. ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 1030.

3 “El formalismo moderado determina la adopción de ritos y formas más simples. Sin embargo, es importante resguardar las formalidades necesarias a la seguridad jurídica, al cumplimiento de los derechos, principalmente a los princípios del contradictorio y de la amplia defesa, atendimiento en todo momento al fin deseado” (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. El Procedimiento y el Proceso Administrativo en el Sistema Jurídico Brasileño, cit. ant., p. 44).

4 Cf. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o Novo Código Civil, Belo Horizonte: Fórum, 2007, ps. 12-13.

5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. ps.156-157.

6 ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O Processo Criminal Brasileiro. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1959, v. 2, p. 183.

7 Rel. Min. Orozimbo Nonato. In: RF 150/393.

8 STF. Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 70.763/DF, 1ª T., DJ de 23 set. 1994, p. 25.328.

9 STF. Rel. Min. Gilmar Mendes, HC nº 84.409/SP, 2ª T., DJ de 19 agos. 2005, p. 57.

10 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 2, p. 15.

11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 171.

12 STF. Relator p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, HC nº 84.409/SP, 2ª T., DJ de 19 agos. 2005, p. 57.

13 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 64.

14 “(...) o Inquérito administrativo disciplinar instaurado para apuração prática de ilícito administrativo mediante Portaria que não contém a descrição dos fatos imputados ao servidor público contém grave vício de nulidade, porque afronta os princípios do contraditório e da ampla defesa. Recurso Ordinária provido.” (STJ. Rel. Min. Vicente Leal, ROMS nº 10.578/PA, 6ª T., DJ de 22 nov. 1999, p. 194).

15 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, São Paulo: RT, 2005,p.18-19.

16 STF. Voto do Min. Gilmar Mendes, no HC nº 84.409/SP, 2ª T., DJ de 19 agos. 2005, p. 57.

17 DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 3.

18 CRETELLA JÚNIOR, José. A prática do Processo Administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 1998, p.79-80.

19 CRETELLA JÚNIOR, José. Id.

20 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 515.

21 JÉZE, Gaston. Principios Generales del Derecho...,op. cit. ant., v. III, p. 92-93.

22 DEBEYRE, Duez et. Traité de Droit Administratif. Paris: s./ed., 1927, p. 677.

23 OLIVEIRA, A. Gonçalves de. Parecer de 20 de agosto de 1956. In: RDA, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 46, p. 479, outubro-Dezembro de 1956.

24 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 358.

25 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 576.

26 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na Prisão Preventiva. In: Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, São Paulo, nº 13-63, p. 15.

27 STF. Voto do Min. Celso de Mello, HC nº 84.409/SP, 2ª T., DJ de 19 agos. 2005, p. 57.

28 ABREU, Luís Vasconcelos. Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As relações com o Processo Penal. Coimbra: Almedina, 1993, p. 72-73.

29 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal : Parte Geral. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, t. I, p. 157.

30 DIAS, Jorge de Figueiredo. Ibid., p. 158.

31 DIAS, Jorge de Figueiredo. Ibid., p.159-160.

32 AC. STA. de 89-10-24, AP. DR 94-12-30, 5944.

33 AC. STA. de 92-04-28, Proc. nº 28.667.

34 AC. STA de 9 dez. 2004, Ap. DR 95-0322, 7268.

35 PÉREZ, Jesús Gonzáles ; NAVARRO, Francisco Gonzáles. Comentarios a la Ley...,op. cit. ant., t. II, p. 2794.

36 LOBO, José Mária Quirós. Principios de Derecho Sancionador. Granada: Editorial Comares, S. L., 1996, p. 32.

37 YEBRA, Joaquim Meseguer. La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador. Barcelona: Bosch, 2001, p. 13.

38 ALBERCA, José Manuel Serrano. Comentários a la Constitución. In: FALLA, Fernando Garrido (Org.). 3. ed. Madrid: Editorial Civitas, 2001, p. 587.

39 STC 42/1987.

40 STC 133/1987.

41 STC 20/1989.

42 DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 8.

43 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada, 3. ed., Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006, p. 1037.

44 VAZ, Manoel Afonso. Lei e Reserva de Lei. Porto: Universidade Católica Lusitana, 1992, p. 264.

45 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo...,op. cit. ant., p. 207-208.

46 OTERO, Paulo. Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1992, p. 89.

47 BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo Disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 173-174.

48 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 621-622.

49 JESCHECK, Hans Heinrich ; WEINGEND, Thomas. Tratado de Derecho...,op. cit. ant., p. 289.

50 DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 4.

51 DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 13.

52 Cf. NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 77.

53 HUNGRIA, Nelson. Ilícito Administrativo e Ilícito Penal. In: Seleção Histórica da RDA (Matérias Doutrinárias Publicadas em Números Antigos de 1 a 150), Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 15, 1945-1995.

54 STJ. Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, REsp nº 19560/RJ, 1ª T., DJ de 18 out. 1993, p. 21.841.

55 ENTERRÍA, Eduardo García de ; FERNANDEZ, Tomás Ramón. Curso de Direito...,op. cit. ant., p. 543.

56 “Mandado de Segurança - Processo Administrativo Disciplinar - Revelia - Edital de Citação - Ausência de Descrição e Tipificação da Conduta - Cerceamento de defesa. 1. O mandado de citação não cumpre sua destinação específica quando não se reporta à base fática ou jurídica que sirva para dar ciência ao investigado das imputações feitas contra si, impossibilitando o exercício do amplo direito de defesa, impondo-se reconhecer, em casos que tais, a ilegitimidade da atividade disciplinar, e, por conseguinte, a nulidade do processo administrativo. 2. Precedente do Tribunal. 3. Segurança concedida.” (STJ. Rel. Min. Anselmo Santiago, MS nº 5612/DF, 3ª S., DJ de 1º dez. 1999, p.103).

57 “Administrativo. Recurso em Mandado de Segurança. Processo Disciplinar. Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento. 1. A Portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado. 2. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas. 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal. 4. Recurso conhecido e provido.” (STJ. Rel. Min. Peçanha Martins, ROMS nº 1074/ES, 2ª T., DJ de 30 set. 1992, p. 3.968).

58 “Ato administrativo não pode tipificar infração administrativa nem cominar penalidade, sob forma de violar o princípio da legalidade. A garantia constitucional do devido processo legal alcança procedimentos administrativos sancionatórios.” (TRF – 3ª Região. Rel. Des. Fed. Lúcia Valle Figueiredo, MS nº 142.666, 2ª T., julgado em 22 de jun.1994. In: Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, p. 789-790, dezembro de 1995).

59 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu, Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, 1. ed., 2. Tiragem. p. 154.

60 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Ibid., p. 154-155.

61 STJ. Rel. Min. Laurita Vaz, ROMS nº 16.264/GO, 5ª T., DJ de 2 mai. 2006, p. 336.

62 STJ. Rel. Min. Laurita Vaz, MS nº 9.621/DF, 3ª S., julgado em 13 de abr. 2005, citado no ROMS nº 16.264/GO, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJ de 2 mai. 2006, p. 339.

63 STJ. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, MS nº 6673/DF, 3ª S., DJ de 5 jun. 2000, p. 113.

64 TJ/PR. Rel. p/acórdão Oto Luiz Sponholz, Ap. Cível nº 0022145-8/PR, 1ª C.C., julgado em 10 de agos. 1993, DJ de 3 set. 1993.

65 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade – Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 117.

66 DEZAN, Sandro Lúcio. O princípio da atipicidade do ilícito disciplinar. Efeitos jurídicos produzidos pelos princípios da culpabilidade e da imposição subjetiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 55, 14 jan. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 de jul. 2007, p. 20.

67 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de...,op. cit. ant., 2. ed. v. 1, p. 136.

68 MEZGER, Edmundo. Derecho Penal : Parte General. 16. ed. Tradução de: Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Librería El Foro, 1996, t. I, p. 65.

69 ROXIN, Klaus. Derecho Penal : Parte General. 2. ed. Tradução de: Diego Manuel Luzón Pena et al. Madrid: Editorial Civitas, 2001, t. I, p. 194-195.