terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A LEALDADE COMO GARANTIA DE AMPLA DEFESA NO PROCESSO



poder de punir pode ser legítimo, se for democrático, mas não será democrático se não for digno de credibilidade. Mas como exercer esse controle e, dessa forma, legitimar o poder de punir que é reclamado pela sociedade, vítima coletiva da escalada crescente do fenômeno criminal? Para o procurador regional da República Rogério José Bento Soares do Nascimento, a resposta passa, necessariamente, pela aproximação entre a norma constitucional e o processo penal, além de mudanças do atual modelo de política criminal, que ele classifica como “seletivo, centrado no cárcere e dependente da atuação de uma polícia livre de freios”.
Constatações e alertas como esses permeiam as 272 páginas de Lealdade Processual – Elemento de Garantia de Ampla Defesa em um Processo Penal Democrático, escrito por ele. O livro é dedicado à defesa no processo penal e ao estudo da lealdade, em contraposição ao abuso processual, tema suficientemente explorado na área civil, mas que não tem merecido maior atenção no processo penal. Para Nascimento, somente a ética do discurso pode compensar, pela via do rigor procedimental, o déficit democrático que o protagonismo judicial acarreta, e auxiliar na adoção de uma prática judicial democrática, orientada pela busca do entendimento mútuo.
Matéria-prima para o estudo não foi problema. Além de coordenar a Câmara Criminal do Ministério Público Federal na 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), que tem como uma de suas atribuições a coordenação dos órgãos institucionais que atuam na área criminal e no controle externo da atividade policial, Rogério Nascimento é professor de Teoria da Constituição, nos cursos de mestrado e doutorado da Universidade Estácio de Sá, e de Direto Processual Penal, na PUC-RJ. São três atividades distintas, mas que aparecem indissolúveis no livro, sob a premissa de que o direito processual não pode ser estudado ou aplicado fora dos marcos normativos que a Constituição fornece.
“Em um processo penal impregnado pela defesa dos direitos fundamentais, o interesse público a perseguir não reside necessariamente, nem prioritariamente, na pretensão de aplicar pena, mas depende, sempre, da credibilidade do resultado da prestação jurisdicional”, compara. Para ele, mais do que a “quantidade de pena” é a efetiva aplicação da norma penal a variável capaz de devolver a confiança ao sistema.
No livro, ele aborda a lealdade não como signo de linguagem, mas como resultado de parâmetros que condicionam e dão legitimidade ao processo, algo que deve ser buscado além do Direito, com o auxílio da filosofia e da ética. “Só o processo democrático justifica cobrança de lealdade e não há processo democrático sem regras garantidoras da exigência de lealdade”, afirma.
Embora contemple todos os personagens do processo, as atenções do professor e procurador da República jamais se afastam da figura do acusado, definido por ele como “alguém que, culpado ou inocente, estará envolvido pelo estigma da dúvida e da suspeita que a decisão judicial nem sempre dissipa”. O autor deixa claro no livro que procurou fugir das armadilhas de uma dicotomia redutora, que vê o deliquente como resultado de um contexto social marcado pela desigualdade ou como um inimigo a ser removido. “Política criminal não é uma questão ideológica”, adverte. “O imputado, aquele a quem se atribui, no processo, a prática de um crime, foi tomado neste estudo apenas como pessoa, mas uma pessoa capaz de medir consequências e de fazer escolhas, que precisa ser tratada como adulto, como responsável”.
Na análise histórica sobre a criminalidade que se transfere da rua para a cena judiciária pela mediação do processo, Rogério Bento do Nascimento considera importante saber como a violência é percebida pela sociedade, pois é ela, a sociedade, que seleciona os argumentos levados em conta na formulação de leis, na definição da política criminal e na gestão da segurança pública. Na ampla pesquisa sobre o tema, ele coleciona um considerável número de leis que foram criadas ou reformuladas como reflexo direto da percepção da sociedade sobre determinados delitos. Entre os diversos exemplos relatados, aparecem o arsenal legal contra crimes financeiros, decorrentes de uma sucessão de escândalos a partir da segunda metade dos anos 80; e as leis surgidas na década de 90 em resposta à onda de rebeliões em presídios e ao fortalecimento dos vínculos entre as facções de presidiários e lideranças do tráfico nas favelas do Rio de Janeiro.
A partir de dezenas de casos rememorados, ele considera possível algumas conclusões. Uma delas aponta para uma suposta tolerância histórica por parte da sociedade para métodos informais e violentos de controle social. Outra, identifica uma política criminal seletiva, com exarcebação repressiva para alguns e desoneração para outros. “A visão que a sociedade constrói sobre o processo criminal se confunde com a imagem que a sociedade faz do sistema repressivo, ainda associada mecanicamente às cadeias e penitenciárias”, afirma Nascimento. Um imagem, segundo ele, “nada favorável a um Brasil desigual e desorganizado, aonde a repressão é também desigual e desorganizada, portanto irracional injusta”.

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