quarta-feira, 30 de março de 2011

PECULATO: os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base.

LUIZ FLÁVIO GOMES*

Áurea Maria Ferraz de Sousa**

A Quinta Turma do STJ no julgamento do HC 124.009/SP (em 15.03.11, relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho) concedeu pedido para reduzir a pena dos condenados sob o fundamento de que os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base.

Os pacientes foram condenados pela prática do crime de peculato porque teriam desviado dinheiro público de uma prefeitura do interior de SP, onde eram funcionários comissionados. A defesa sustentava, dentre outros argumentos, a ausência de comprovação da materialidade do delito e a não fundamentação para fixação da pena-base acima do mínimo legal.

O Min. Napoleão Nunes Maia Filho alertou que a pena deve ser fixada com estrita observância dos artigos 59 e 68 do Código Penal e a fuga dos parâmetros legais ou ausência de fundamentação válida caracterizam constrangimento ilegal.

Ele ponderou, ainda, que os elementos próprios do tipo penal não podem ser utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis para o fim de majorar a pena-base (com informações do STJ ).

O juiz de primeiro grau e o TJ/SP teriam se baseado em elemento próprio do crime (beneficiar-se de verbas públicas em detrimento da coletividade) para elevar a pena-base, o que caracteriza bis in idem (duas vezes pelo mesmo fato).

Os crimes funcionais são aqueles praticados por funcionário público, no exercício ou em razão da função, contra a Administração Pública. O primeiro deles é o peculato que comporta seis modalidades.

Na primeira parte do caput do artigo 312 temos o peculato apropriação (Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo) e na segunda parte temos o peculato desvio (desviá-lo, em proveito próprio ou alheio) conduta imputada aos pacientes do presente writ .

Ambos constroem o que a doutrina indica de peculato próprio. Em contrário, há no 1º do mesmo artigo o peculato impróprio, que é o peculato furto, praticado por aquele funcionário que, não apenas se apropria nem desvia, mas subtrai dinheiro, valor ou bem beneficiando-se da facilidade que o cargo lhe proporciona.

A quarta modalidade de peculato está prevista no 2º do artigo 312, trata-se do peculato culposo. O peculato estelionato é a quinta modalidade de peculato, punindo a conduta daquele que se aproveita de erro de outrem para se apropriar de dinheiro ou utilidade 313, CP. Por fim, o peculato eletrônico previsto no art. 313-A.

Vale dizer, o peculato é crime próprio, pois exige-se a qualidade de funcionário público que, para efeitos penais, é considerada toda pessoa que, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo emprego ou função pública (art. 327, do CP). Não se exclui, entretanto, a possibilidade de que sejam praticados em co-autoria ou em participação.

Como crime praticado em detrimento da Administração Pública, o peculato tutela o patrimônio público, seja qual for a modalidade. Para a Quinta Turma do STJ, exatamente porque o crime de peculato já pressupõe que o criminoso beneficia-se de verbas públicas em detrimento da Administração, logo da coletividade, este argumento não pode ser utilizado para majorar a pena base do apenado.

Para entendermos o posicionamento do Tribunal da Cidadania, vale lembrar que na sentença condenatória, o juiz deve seguir dez etapas, quais sejam: a) verificação da necessidade da pena; b) escolha da pena; c) quantificação da pena de prisão; d) quantificação da pena de multa; e) aplicação de eventual efeito específico da condenação; e) eventual substituição da prisão; g) eventual aplicação do sursis; h) fixação do regime inicial, i) deliberações sobre a prisão preventiva e j) determinações finais.

Na terceira etapa, acima sublinhada, o juiz há de obedecer aos critérios legais previstos no artigo 68 do CP critério trifásico: observância do art. 59, CP, consideração das atenuantes e agravantes e aferição das causas de aumento e diminuição.

O artigo 59 do CP orienta que o juiz deve estar atento à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. Neste momento, as instâncias inferiores ao julgar o caso em comento entenderam que o fato de o crime ter acarretado o enriquecimento dos condenados, em detrimento do patrimônio público, a conduta merecia ser reprovada de maneira que a pena base não fosse fixada no mínimo legal.

O raciocínio contraria a legalidade. A reprovabilidade em abstrato da conduta já está prevista no tipo penal, inicialmente: reclusão de dois anos no caput do 312. Daí porque caracterizado o bis in idem .

*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

**Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

Autor: Luiz Flávio Gomes Áurea Maria Ferraz de Sousa

ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - RESPOSTA À ACUSAÇÃO EVITA AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE

Por Eduardo Pizarro Carnelós

A ainda nova (considerando-se que o objeto de alteração contava mais se 60 anos) sistemática processual instituída pela Lei 11.719/2008 continua a gerar dúvida nos advogados, quando formulam em defesa de seus constituintes a resposta à acusação, e aos juízes, quando a estes cabe decidir entre decretar a absolvição sumária e determinar o prosseguimento do feito, com a designação de audiência para a realização da instrução criminal.

Aos advogados, sobrevém a dúvida sobre se devem desde logo fazer considerações sobre o mérito da imputação, ou se, ao contrário, melhor será agir como outrora se costumava fazer, lançando-se genérica afirmação de inocência e apresentando-se rol de testemunhas, eventualmente requerendo juntada de documentos e realização de alguma diligência. Afinal, as hipóteses elencadas no artigo 397 do Código de Processo Penal como fundamentos para a expedição do decreto de absolvição sumária não se distinguem, verdadeiramente, daquelas enumeradas no artigo 395, como causas de rejeição liminar da inicial acusatória, sem que nem mesmo se dê a citação do acusado para oferecer a resposta de que trata o artigo 396 do mesmo Código.

Sim, porque os quatro incisos do artigo 397 tratam de hipóteses que, se existentes — e basta uma delas, isoladamente, para tanto —, hão de levar à conclusão de que falta justa causa para o exercício da Ação Penal, o que é fundamento para a rejeição liminar da denúncia, conforme dispõe o inciso III do artigo 395.

Sendo certo que a lei não traz palavras inúteis, impõe-se promover a interpretação teleológica das novas normas processuais penais, a fim de que a apresentação da resposta à acusação, prevista no artigo 396, e a absolvição sumária, prevista no artigo 397, não venham a constituir inocuidades inseridas no ordenamento jurídico.

Afinal, se se considerarem taxativas as hipóteses enumeradas nos quatro incisos do artigo 397 como fundamento para a absolvição sumária (considerando-se que todas elas já estão contidas na causa de rejeição liminar da denúncia prevista no inciso III do art. 395), e ao mesmo tempo se entender que o magistrado que recebe a denúncia e determina a citação do acusado para apresentação de resposta à acusação está proibido de, diante de argumentos e documentos trazidos pelo acusado em sua resposta, afastar de plano a hipótese acusatória e decretar a absolvição sumária do denunciado, ter-se-á a conclusão de que aquela que chegou a parecer significativa alteração processual não passou dum “faz-de-conta”, sem nenhum resultado efetivo. E isto, evidentemente, seria inadmissível.

Realmente, qual seria a razão de ser das normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, se, por exemplo, um denunciado citado para apresentar resposta à acusação trouxesse evidências bastantes de que ele não teve nenhuma participação nos fatos, mas apesar disso o juiz não pudesse decretar sua absolvição sumária, porque a hipótese não está prevista, expressamente, em nenhum dos incisos do artigo 397? Se a causa excludente da ilicitude (inc. I) ou da culpabilidade (inc. II) do agente são fundamentos suficientes para excluí-lo da Ação Penal (art. 397 do CPP), por que não o seria a constatação prima facie de não ter ele tido participação nos fatos narrados na denúncia?

Há somente uma solução para tal paradoxo: aplicar-se por analogia (consoante admite, expressamente, o art. 3º do CPP) o disposto no artigo 6º, caput, da Lei 8.038/90 (que institui as normas para os processos de competência originária dos tribunais), segundo o qual, após a resposta apresentada pelo denunciado, “o relator pedirá dia para que o tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas”.

Ora, é evidente que a finalidade da resposta à acusação — seja aquela prevista no artigo 4º da Lei 8.038/90, seja a mais recente de que trata o artigo 396 do CPP —, é evitar a instauração e o prosseguimento de Ação Penal quando já se tenha, desde o alvorecer desta, a improcedência da acusação como decisão inexorável. Não fosse assim, repita-se, de nenhuma valia seriam as normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, e uma vez satisfeitas as condições formais da inicial acusatória a instrução criminal seria indeclinável, ainda que o denunciado demonstrasse de forma cabal a improcedência das imputações que lhe foram endereçadas.

Voltar aos idos de 1941, com efeito, não parece ser decisão inteligente, nem muito menos concorde à doutrina que desde então se desenvolveu e consagrou o princípio de que constitui constrangimento ilegal submeter às peias da instância penal alguém cuja participação nos fatos descritos na denúncia não encontra amparo nos elementos dos autos, especialmente aqueles trazidos pelo próprio denunciado em sua resposta à acusação formulada.

Por isso, ao cotejar a resposta oferecida pelo denunciado com os elementos de prova por ele trazidos e os demais constantes dos autos, deve o juiz verificar se persistem os motivos que o levaram a receber a denúncia, ou se, ao contrário, a absolvição sumária se impõe, como medida de realização de justiça e de respeito ao ordenamento jurídico, pois este não pode restar íntegro com a existência de ação penal carente de justa causa, a impor indevido e ilegal constrangimento ao acusado.

LEI ASSEGURA QUE AVÓS POSSAM VISITAR OS NETOS

Publicada no DOU desta terça-feira (29/3) a Lei nº 12.398, de 28 de março de 2011, que acrescenta parágrafo único ao Art. 1.589 do Código Civil, estendendo aos avós o direito de visita, a critério do juízo, observados os interesses da criança ou do adolescente.

O texto ainda altera o inc. VII do Art. 888 do Código de Processo Civil, dando autonomia ao juiz, como medida provisional, em ordenar ou autorizar o direito à visita, e que se estende a qualquer um dos avós, a critério judicial, também levando em consideração os interesses dos netos.

Atualmente o Código Civil obriga os avós a contribuírem para a subsistência dos netos, quando os pais não têm condições financeiras. Agora, diante da alteração, a Lei também passa a assegurar o convívio familiar.

FAXINEIRA QUE LIMPA BANHEIROS RECEBE INSALUBRIDADE

Faxineira que limpa banheiros recebe insalubridadeUma auxiliar de serviços gerais que trabalhou no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em Porto Alegre — fazendo a limpeza dos vasos sanitários dos banheiros — teve confirmado o direito de receber adicional de insalubridade em grau máximo. A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul manteve sentença do juiz Luís Ulysses do Amaral de Paulida, da 12ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que condenou a Mitra da Arquidiocese de Porto Alegre, mantenedora da escola (hoje, denominada Colégio Santa Marta), a pagar o adicional. O julgamento aconteceu em 23 de março. Cabe recurso.

Inconformada com a decisão de primeiro grau, o colégio recorreu. Alegou que a limpeza de banheiros não se equipara à coleta do lixo urbano, não ensejando o pagamento do adicional. No entanto, conforme o relator do recurso, desembargador Ricardo Carvalho Fraga, na atividade de limpeza dos vasos sanitários, tem-se contato com o mesmo material contido em lixos e esgotos, oferecendo igual risco potencial à aquisição de enfermidades biológicas. Já a retirada de papéis higiênicos utilizados dos cestos, ou mesmo do piso dos banheiros, caracteriza uma das primeiras etapas de coleta de lixo urbano, evidenciando a insalubridade em grau máximo.

Para a reclamante também foi garantida a estabilidade provisória da gestante, pois restou comprovado que ela estava grávida quando foi afastada. O colégio alegou não ter tido conhecimento desta condição, mas os julgadores aplicaram ao caso a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho, cujo inciso I estabelece que “o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade”. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-RS.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O PRINCÍPIO DA REALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO

Por José Vicente Santos de Mendonça

Dizia Nélson Rodrigues que só os profetas enxergam o óbvio. Pois este é, então, um texto de qualidades proféticas. De fato: nada mais óbvio do que exigir que os atos administrativos tenham por base situações reais e se proponham a atingir, de modo realista, estados reais. Se o Direito Público do século XXI não é mais aquele monte de palavras bonitas com resultado zero, também o Direito Administrativo dos dias de hoje é Direito comprometido com o contexto no qual vai ser aplicado e com o adiantamento das conseqüências dessa ou daquela linha de ação. Thomas Grey escreveu que o pragmatismo jurídico é a teoria operacional implícita da maioria dos bons advogados. O mesmo também é verdade em relação à maioria dos bons administradores públicos.

A história do Direito Administrativo é a história da luta entre o empoderamento do Estado e as diversas formas de se controlá-lo: procedimentos, participação, voto. Nos últimos anos, em função de algumas referências doutrinárias e de certa incidência em decisões judiciais, começou-se a falar no princípio da realidade como elemento de controle da discricionariedade.

Definição simples está em Raquel Urbano (Curso de Direito Administrativo, Podium, 2008, p. 95): pelo princípio, nenhuma norma administrativa pode ignorar o mundo dos fatos. “Se há discordância entre determinada presunção e o que restou comprovado na prática administrativa, deve-se atentar para a veracidade das circunstâncias empíricas”. Em termos dogmáticos, não estamos diante de princípio jurídico na acepção de Alexy: exigir que atos administrativos tenham bases e propósitos reais não é norma de incidência gradual. Ou eles preenchem tais requisitos, ou não. Estamos diante de regra. Mas, distanciando-nos de preocupações acadêmicas, podemos muito bem chamá-lo de “princípio” da forma como viemos chamando todas as normas — regras ou princípios ou seja lá o quê — que nos soem importantes.

Problema não é saber se é ou não princípio. Interessante é saber se é novo. Não é. Há — literalmente — séculos se fala que o elemento “motivo” dos atos administrativos significa que as bases de fato e de Direito do ato devem ser válidas e verdadeiras. Isso não é outra coisa senão boa parte das exigências do princípio da realidade. O princípio da realidade também já poderia ser extraído, como regra de interpretação, do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: na interpretação da lei, o juiz (e todo mundo) deve interpretar a lei com base em seus fins sociais e nas exigências do bem comum.

Seja princípio ou regra, novo ou velho, fato é que o princípio da realidade já vai se tornando — perdão pelo trocadilho — realidade. Há pelo menos duas referências no STF. No primeiro caso, o Supremo entendeu que havia violação, dentre outros, ao princípio da realidade, na prática da Administração de demitir e recontratar professores públicos a cada final de ano letivo, como forma de impedir a aquisição da estabilidade do artigo 19/ADCT (RE 158.448).

No segundo caso, a incidência é remota: o Supremo entendeu que, dentre outros fundamentos, o princípio da realidade tornava possível que medida provisória criasse foro especial por prerrogativa de função para o presidente do Banco Central (ADI 3.289/2005). Também constam referências ao princípio da realidade no STJ (por ex., RESP 64.124-RJ) e em vários tribunais locais.

Mesmo assim, em muitos casos atuais ainda se editam leis e atos administrativos afastados de bases reais e de exeqüibilidade prática. São os casos de legislação-álibi (e de administração-álibi): o legislador/administrador resolve dar satisfação à opinião de senso comum (e/ou a seus eleitores) impondo obrigações impossíveis. Imposição de gratuidades em negócios privados sem indicação de custeio, criação de órgãos públicos fiscais do nada — a imaginação é farta.

Conta-se que ainda hoje há ato administrativo, da época da Guanabara, que regula o horário de funcionamento das praias cariocas. E, ao que parece, ainda está em vigor lei municipal carioca que obriga todos os bares e restaurantes a fornecer gratuitamente a todos os que se sentarem um pedaço de pão e um copo d’água. De modo que, ainda hoje, quando a praia de Ipanema fechar, talvez seja uma boa irmos comer de graça um pão de pato no restaurante do hotel Fasano.

Por caricaturais que sejam, as violações ao princípio da realidade mostram dados típicos de nosso pensamento público: ausência de planejamento, externalização de deveres, e, acima de tudo, a tendência a pretender que o mundo mude graças à edição de atos formais. Nunca mudou. O mundo e o Direito estão associados numa interação tensa, dinâmica, muitíssimo complexa. Bem disse Georges Ripert: “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”. Pois é.

OS CRIMES TRIBUTÁRIOS E A EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE

Por Adel El Tasse e Luiz Flávio Gomes

De acordo com a nossa opinião, a Lei 12.382/11 regulamentou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não tendo afetado o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/2003, que prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento (em qualquer tempo). Pagamento direto, sem parcelamento, não é a mesma coisa que pagamento antecedido de parcelamento do débito tributário. Há, assim, duas situações distintas: pagamento direto (regido pela Lei 10.684/2003) e pagamento mediante parcelamento (agora disciplinado na Lei 12.382/11). Ambos os pagamentos extinguem a punibilidade nos crimes tributários, mas suas características são completamente distintas.

Fundamentando nosso ponto de vista:

É da tradição jurídica brasileira a previsão de causas extintivas da punibilidade pelo pagamento, vinculadas aos crimes materiais contra a ordem tributária, tendo em conta a particularidade do bem ofendido (patrimônio público). Por razões de política criminal (e arrecadatória) do Estado quase sempre se preferiu receber o quantum devido do que o processo ou condenação criminal. Os tributos custeiam serviços públicos essenciais. Melhor arrecadá-los que condenar criminalmente o contribuinte. Muitos veem nisso um privilégio odioso, que favorece precisamente os mais aquinhoados.

O regramento fundamental dos delitos contra a ordem tributária e previdenciária é encontrado na lei nº 8.137/90, bem como nos dispositivos dos artigos 168-A; 334, segunda parte e 337-A do Código Penal brasileiro.

O disposto no artigo 34 da lei n.º 9.249/1995 (atrelado à Lei 8.137/90) passou a tratar da extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes de resultado, ao estabelecer que sendo integral (pagamento de todos os valores devidos), até o recebimento da denúncia, produz tal consequência extintiva.

Já o delito descrito no artigo 168-A, do Código Penal, passou a ter, desde sua edição, a regulamentação da causa extintiva da punibilidade no seu próprio § 2º, que contempla a extinção da punibilidade do agente quando ele espontaneamente declara, confessa e paga os valores devidos, inclusive com acessórios, antes do início da ação fiscal, entendo-se este momento como o da notificação pessoal do contribuinte da instauração da ação fiscal.

Também é encontrada previsão especial de extinção da punibilidade, sem pagamento, mas com conduta facilitadora da ação da autoridade fiscal, no crime descrito no art. 337-A do Código Penal, pois, em seu § 1º prevê a extinção da punibilidade se o agente, espontaneamente, declarar e confessar as contribuições, importâncias ou valores, prestando todas as informações devidas à Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

Por outro lado, nunca houve previsão específica de causa extintiva da punibilidade para o delito de descaminho do art. 334 do Código Penal, embora consolidado o entendimento de que constitui crime tributário, razão porque se impôs a aplicação da mais regra benéfica, ou seja, a prevista na lei nº 9.249/95 (art. 34).

Note-se que até agora não falamos nada de parcelamento. Após a edição da lei nº 10.684/2003, a matéria em exame foi submetida a profunda alteração, pois esta legislação passou a prever em seu art. 9º, § 2º, a extinção da punibilidade dos crimes tributários, desde que o agente efetue o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. O pagamento em qualquer tempo passou a ter efeito extintivo da punibilidade (STF, HC 81.929-0-RJ, rel. Min. Cezar Peluso). Mesmo após condenação com trânsito em julgado. De acordo com nossa opinião, esse entendimento continua válido (mesmo depois do advento da Lei 12.382/11).

Por certo, a regra do § 2º, do art. 9º, da Lei n.º 10.684/2003 por ser mais benéfica, no que tange ao pagamento como causa de extinção da punibilidade, que as anteriores, previstas na lei nº 9249/95 e no artigo 168-A § 2º, passou a regulamentar integralmente a matéria com a persistência apenas da hipótese prevista no § 1º, do art. 337-A, que por não se vincular ao pagamento, com suficiência da confissão do débito e fornecimento de informações antes do início da ação fiscal não sofreu revogação.

A tranquilidade da matéria começou a ser alterada com a edição da lei n.º 11.941/2009, que no artigo 69 tratou da questão com a seguinte redação: “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”.

O artigo 68 da Lei nº 11.941/2009 trata da mesma matéria regrada pelo caput do artigo 9.º, da Lei nº 10.684/2003, o que fez o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, julgar prejudicada a ação direta de inconstitucionalidade 3002 intentada pelo Procurador Geral da República ao fundamento de que o artigo 68 da nova legislação tacitamente revogou o 9.º da anterior.

A indagação que se manteve foi se, para fins penais, a regra do § 2º, do artigo 9º, da lei nº 10.684/2003 também foi revogada pela entrada em vigor da lei nº 11.941/2009, alterando-se, assim o quadro das causas extintivas da punibilidade pelo pagamento que sofreriam uma retração, pois o artigo 69 deferiu a possibilidade extintiva da punibilidade pelo pagamento apenas às hipóteses submetidas à anterior parcelamento, já tendo sido revogadas as disposições da lei nº 9249/95 e do artigo 168-A § 2.º, conforme acima analisado.

Persistiriam, nessa ótica, apenas a extinção da punibilidade pelo pagamento ao débito anteriormente parcelado e mesmo sem pagamento na regulamentação do § 1º, do artigo 337-A, do Código Penal.

Ocorre que melhor interpretação passou a ser construída no sentido de que o artigo 69, da lei n.º 11.941/2009, não revogou o § 2º, do artigo 9º, da lei nº 10.684/2003, porque tratou de situação diversa, o que não implica, portanto, em revogação da lei mais antiga pela mais recente, dependendo de revogação expressa, o que não correu.

O diferencial está justamente no fato de que aquela lei vincula-se aos débitos que tenha sido objeto de anterior parcelamento, enquanto esta se aplica a todos, mesmo que não submetidos ao regime de parcelamento, sendo, portanto, hipótese mais ampla. Como se vê, é fundamental distinguir o pagamento direto (sem parcelamento) do pagamento antecedido de parcelamento.

A recente edição da lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, reacende a polêmica em torno da matéria, ao disciplinar a temática da extinção da punibilidade pelo pagamento (antecedido de parcelamento), da seguinte forma, em seu artigo 6º:

“Art. 6 º O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:

“Art. 83. ...........................................................

§ 1 º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.

§ 2 º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3 º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 4 º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

§ 5 º O disposto nos §§ 1º a 4º não se aplica nas hipóteses de vedação legal de parcelamento.

§ 6 º As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.”

Claramente o legislador tentou estabelecer nova regulamentação à matéria da extinção da punibilidade pelo pagamento, vinculando a ocorrência deste até antes do recebimento da denúncia, conforme resta evidenciada na redação do § 6º acima transcrito.

Ocorre que a falta de tecnicismo é manifesta. O artigo 34, da lei nº 9.249/1995, já havia sido revogado pelo § 2º, do art. 9º, da lei nº 10.684/2003, que não foi revogado pela lei nº 12.382/2011. Por quê? Porque uma coisa é o pagamento direto (disciplinado na lei 10.684/2003), outra distinta é o pagamento resultante de parcelamento (que agora acaba de ser regrado pela lei 12.382/11).

A nova lei não tem a força de repristinar o antigo art. 34.

Dessa forma, o sistema segue sendo regulamentado, como regra geral, quanto à extinção da punibilidade pelo pagamento, pelo artigo art. 9º, § 2º, da lei n.º 10.684/2003, ou seja, o pagamento pode-se dar a qualquer tempo.

Persiste a regra especial do artigo 337-A, em que não se exige pagamento para extinguir a punibilidade, desde que haja espontânea confissão e prestação de todas as informações pelo contribuinte antes do início da ação fiscal.

Da lei nº 12.382/2011 o efeito realmente importante que se pode extrair é o que determina estar suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes tributários, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

Em outras palavras, desde que antes do recebimento da denúncia, a pessoa requeira o parcelamento de seu débito, mesmo que superior aos limites em que se impõe o reconhecimento da insignificância (R$ 10.000, 00), mesmo que já não mais passível de qualquer discussão no âmbito administrativo, operacionaliza-se suspensão da pretensão punitiva que ocorre enquanto o agente estiver efetuando o pagamento do valor devido que uma vez, deixando de ocorrer, dá margem a que deixe de haver o obstáculo a operacionalização do processo criminal.

A propósito a regra também introduzida pela lei nº 12.382/2011, no sentido de que a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva é importante, pois, estando regular o parcelamento não flui o prazo prescricional penal. Havendo, no entanto, sua quebra pelo contribuinte, ao mesmo tempo que pode o Estado buscar a persecução penal passa a novamente ter seguimento o prazo prescricional, de sorte que havendo a quebra do regime de parcelamento e não movendo-se a ação penal dentro do prazo fixado em lei, pode dar-se a prescrição, não cabendo argumentar que a adesão ao parcelamento gerou bloqueio na fluência do prazo, pois este bloqueio somente ocorre enquanto o parcelamento encontrar-se regular.

terça-feira, 15 de março de 2011

POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA A REDUÇÃO DE PRESOS

Por André Luís Alves de Melo

No Brasil há aproximadamente 500 mil presos e mais 500 mil pessoas cumprindo penas alternativas. No tocante à situação dos presos sabe-se que aproximadamente 400 mil presos (80%) respondem por furto, roubo e pequenos tráficos. Ou seja, embora tenhamos quase 1.600 tipos (e sub-tipos) de crimes na legislação penal, apenas três tipos de crimes prevalecem no dia a dia prisional.

A situação agravou-se com a política do atual Governo de estatizar a assistência jurídica, na qual curiosamente o Estado acusa e o Estado defende o réu e este passa a ser refém de dificuldades como a escolha de seu advogado em razão de regras que evitam a concorrência. Embora a Ordem dos Advogados do Brasil alegue estar preocupada com a situação prisional, no Exame da Ordem no Edital do mesmo não consta matérias como “criminologia” ou “execução penal”. Logo, confirma-se a distância enorme entre discurso e atitude.

Nos últimos oito anos com a política governamental de estatização da assistência jurídica mediante forte lobby corporativo, inclusive com medidas para centralizar a assistência jurídica estatal e evitar que haja outros prestadores de assistência jurídica, aumentou-se o número de presos. Ou seja, de forma paradoxal o Estado pode ter várias Instituições para ajuizar Ações civis públicas, mas apenas uma para prestar assistência jurídica. Em razão disso, a quantidade de presos aumentou em mais de 30% nos últimos anos, pois os processos penais foram agilizados em razão da assistência jurídica com exclusividade para o Estado em crimes cometidos por pobre como furto, roubo e pequenos tráficos. Assim, criou-se uma perigosa dicotomia em que ricos são defendidos pela advocacia privada enquanto que pobres ficam a defesa exclusiva pelo Estado através de um único órgão. Inclusive as verbas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estão sendo canalizadas para este atendimento estatal. O Ministério da Justiça pressionado por fortes lobbies corporativos não faz, e não quer fazer, a pergunta chave: Quem fez a defesa criminal da maioria dos presos? Foi a advocacia privada ou a pública?

Posteriormente, os beneficiados com recursos públicos para esta espécie de exclusividade de defesa estatal aparecem publicamente questionando o excesso de presos como decorrente de uma maldade estatal, como se o modelo atual de defesa jurídica estatizada também não integrasse este Estado “malvado” e pedem mais dinheiro para agora atender aos que foram condenados. Mas, quem fez a defesa ? A maior parte dos presos foi defendida pela advocacia privada, por advogados dativos, por defensores públicos ou por algum outro setor ?

Mauro Cappelleti em sua obra clássica, Acesso à Justiça concluiu em sua pesquisa que o melhor modelo de assistência jurídica era o que criava oportunidades ao cidadão de escolha e que era um avanço juntamente com os planos de assistência jurídica.

Na área criminal as soluções sempre são no sentido de “mais dinheiro, mais gente”, pois isto interessa a certos grupos que lucram com este sistema, os prestadores do serviço. Afinal, setores como funerárias lucram com a morte e as farmácias lucram com a doença, esta é a verdade, embora chocante.

Chega-se ao absurdo de acreditar no “mito da obrigatoriedade da ação penal”, ou seja, o Ministério Público é obrigado a denunciar apenas para movimentar a máquina judiciária, pois muitos dependem desta indústria, embora isto não seja expresso no Código de Processo Penal prevalece como mito/princípio. Dizem que isto é um “princípio”, mas o douto Procurador da República, promotor federal, Luiz Gazoto, mostra que esta crença é um mito, conforme leciona na obra Princípio da não obrigatoriedade da ação penal, Editora Manole. Ora, a quem atende acreditar neste princípio? Princípios não mudam? Mas, sem processo judicial não existe mercado, nem serviço para muitos. Oportuno destacar que nos países da Europa pequenos delitos ficam na esfera da não obrigatoriedade da ação penal e que nos Estados Unidos a amplitude de delitos para não se ajuizar ações penais é bem maior, porém os promotores estadunidenses são, em regra, eleitos, logo o controle social é feito de outra forma.

Portanto, se há excesso de presos, ao invés de o Estado gastar dinheiro apenas com presídios, segurança e assistência jurídica para garantir os direitos dos presos, muito melhor seria permitir medidas para não se prender e nem processar em alguns casos. O problema é que reduzirá o mercado de trabalho para alguns setores e isto não querem, embora não digam isto em público. No entanto, há soluções eficazes, simples e baratas, como:

1) Transformar a ação penal de furto de objetos no valor de até R$ 100 em Ação Penal condicionada à representação da vítima, uma medida similar à adotada em países na Europa.

2) Prever expressamente que o Ministério Público poderá, fundamentadamente, estabelecer prioridades no ajuizamento de ações penais em delitos de caráter patrimonial e cometidos sem violência, sendo que se a vítima discordar poderá recorrer ao Conselho Superior do Ministério Público.

3) Definir na lei a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância para crimes de furto para não se iniciar o processo penal, pois não faz sentido ajuizar Ação Penal para se discutir a insignificância apenas para manter o mercado de ações judiciais aquecido.

4) Descentralizar a assistência jurídica e criar meios para que o cidadão, inclusive o preso, tenha efetivamente opções de escolher o seu advogado de confiança criando várias alternativas na iniciativa privada e até mesmo estatal.

5) Criar as Centrais de Penas Alternativas e ampliar as hipóteses de transação penal e suspensão condicional do processo cumulada com penas alternativas, além de melhorar a legislação sobre estes temas.

6) Extinguir, mediante lei, o regime aberto, pois anacrônico no sistema atual. Afinal, melhor seria que do regime semi-aberto ocorresse a progressão para pena alternativa.

7) Facilitar a emissão dos atestados de pena pela internet, pois atualmente há forte lobby para manter monopólio de emissão e recebimento para que o preso fique refém de alguns prestadores de serviço.

8) Investir em tornozeleiras eletrônicas em vez de construir mais presídios, pois há casos de presos provisórios que realmente não precisavam ficar presos se tivessem a pulseira eletrônica, o problema é que preso dá mais lucro para quem vende marmita, uniforme, segurança e outros serviços, pois um preso custa em torno de R$ 2000,00 enquanto um vigiado por tornozeleira custa R$ 300,00 e consegue ter mais liberdade para escolher advogado e esta concorrência não interessa a muitos.

9) Reduzir os atuais 1600 tipos penais para menos de 500 tipos penais e restabelecer a codificação das leis penais para melhorar a organização e aplicação das leis penais ao se evitar normas esparsas e contraditórias. Afinal, não adianta reformar o CPP, sem atentar para o Código Penal e nem criar tipos penais feitos no calor dos telejornais em razão de casos específicos.

Em suma, com estas medidas, em até dois anos, teremos menos de 200 mil presos, ou seja, uma redução de mais de 50% do efetivo atual e aumentando a quantidade de pessoas cumprindo pena alternativa. No entanto, há o problema de que a população acha que condenação em pena alternativa é impunidade, pois não entende o aspecto punitivo.

OBSTRUÇÃO AOS AUTOS DO PROCESSO FERE A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA

Advogado consegue acesso a autos sigilosos

Por Marília Scriboni

Com o entendimento de que a obstrução aos autos do processo fere a garantia constitucional da ampla defesa, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, autorizou o acesso a elementos de prova já produzidos em procedimento investigatório que corria com testemunhas protegidas, no caso do furto de uma luminária de R$ 35. A decisão, em caráter liminar, é da última quinta-feira (10/3).

O despacho de Gilmar Mendes reforma decisão anterior da juíza de Direito da 2ª Vara Criminal de São Caetano do Sul (SP). Ela baseou sua decisão no Provimento 32, de 2000, do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, com o objetivo de proteger as vítimas, suprimiu dos autos dados qualificativos das testemunhas. Essas informações passariam então a uma pasta à parte, sob os cuidados do escrivão-diretor, e não poderiam ser copiadas.

"O problema é que a juíza tomou o provimento como regra", explica Daniel Del Cid, advogado dativo do acusado. "O que chama mais atenção é que a juíza considerou o furto de uma luminária de R$ 35 como crime gravíssimo e com grande ameaça a testemunha. Geralmente, as testemunhas são protegidas quando ocorreu algum crime como latrocínio ou chacina", explica. "A negativa do juízo reclamado em autorizar o reclamante xerocopiar os autos da testemunha protegida fundou-se, apenas, na dificuldade do cartório franquear tal acesso pelo modo como os dados são armazenados", argumenta na inicial.

Segundo o advogado, a questão abrange outro aspecto: "a defesa precisa saber quem foi arrolada como testemunha, inclusive para efetuar a contradita, para não arrolar as mesmas testemunhas que já arroladas pela acusação". O artigo 187 do Código de Processo Penal prevê que o juiz, no momento do julgamento, pergunte ao acusado se ele conhece a vítima e as testemunhas.

Além do mais, Del Cid alegou em defesa do réu a inconstitucionalidade do Provimento 32, uma vez que a Súmula 14, ao tratar do assunto, garante o "amplo acesso da defesa aos elementos de prova". Por "amplo acesso" ele entende a capacidade que o defensor tem de "realizar vista fora do cartório e de extrair cópias do autos". O enunciado foi aprovado em março de 2009 pelo Supremo Tribunal Federal, por nove votos a dois.

Em artigo publicado pela Consultor Jurídico à época da edição da Súmula Vinculante, Diego Prezzi Santos escreveu que "apesar de reconhecidamente haver disparidade entre os réus, a decisão do STF é louvável e benéfica à democracia, preservando a Justiça entre a acusação e o direito de resistência".

Não é a primeira vem que Gilmar Mendes manifesta entendimento sobre o assunto. Em 24 de julho de 2009, o ministro determinou que o juiz de Direito da 1ª Vara do Júri de Porto Alegre liberasse o acesso aos autos de um inquérito, "deles podendo tomar apontamentos e extrair cópias".

Del Cid cita na inicial decisão do ministro Ricardo Lewandowski, também do STF. De acordo com o ministro, "o que não se revela constitucionalmente lícito é impedir que o indiciado tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos, veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo".

O ministro do STF Celso de Mello, ao comentar o acesso dos advogados aos autos no julgamento de um Mandado de Segurança, lembrou que o Estatuto da Advocacia estabelece a faculdade como prerrogativa da classe. "O direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quando a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal."