sábado, 30 de junho de 2012

STJ NEGA INDENIZAÇÕES A FUMANTES

Por entender que o cigarro é um produto de periculosidade inerente e que o consumo é feito por livre escolha do consumidor, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou, na última semana, pedidos de indenização feito por dois ex-fumantes contra as empresas Souza Cruz e Philip Morris. O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator dos casos, afastou as pretensões indenizatórias de Maria da Graça Gomes e Francisco Manoel de Oliveira. As decisões se somam a pelo menos dez semelhantes tomadas pela corte.
A ação de Maria da Graça começou na 2ª Vara Cível do Foro Regional de Sarandi, em Porto Alegre–RS. Ela alegou que contraiu doenças associadas ao consumo do cigarro e que os facricantes omitiram informações relativas aos males causados pelo cigarro e que fizeram propaganda enganosa. Os mesmos argumentos foram usados poe Oliveira, que ajuizou ação na 35ª Vara Cível de São Paulo.
De acordo com a Souza Cruz, desde 1995 até hoje, das 639 ações ajuizadas contra a companhia em todo o país, 513 tiveram o pedido de indenização rejeitado. Destas, 421 já são decisões definitivas.
Segundo a advogada Janaína Castro de Carvalho Kalume, do escritório Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associados, que representa a Souza Cruz, as teses dos requerentes costumam ser idênticas. “Eles vinculam o consumo do cigarro à divulgação da propaganda feita pela empresa. Dizem ainda que o produto traz consigo um defeito, que seria o potencial para desenvolver doenças em seus consumidores, buscando apoio no Código de Defesa do Consumidor”, explica.
Tiago Stockinger, do escritório Duarte Stockinger Advogados e Consultores, que defendeu os fumantes no STJ, diz que a jurisprudência ainda não está firmada. “Em alguns casos, o juiz tem um entendimento contrário à indústria do cigarro, considerando que há sim propaganda enganosa por parte da empresa fabricante, e levando em consideração o vício que a pessoa pode adquirir ao utilizar o produto. Já o STJ considerou lícita tanto a atividade quanto a publicidade das empresas.”
Já para as empresas — com o que os julgadores que dão ganho de causa às fabricantes concordam —, toda e qualquer doença pode ter vários fatores causadores, não sendo possível atribuir ao cigarro culpa única e exclusiva. Além disso, as indústrias dizem que o produto não possui qualquer defeito de fabricação.
"Não existe nenhum defeito de concepção do cigarro, ele é o que se espera dele", afirma Janaína. Ela conta que, em um dos processos no qual trabalhou, um juiz explicou que o cigarro só teria defeito de fabricação se "explodisse quando alguém fosse fumá-lo". Para o julgador, o fato de o produto ter características que possam contribuir para o desenvolvimento de doenças, ou para a possibilidade do vício, não é suficiente para caracterizar dever de indenizar.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Manter arma sem autorização em caminhão é porte ilegal

Cabine de caminhão não pode ser considerada como uma extensão do local de trabalho, tampouco como extensão de residência para que seja utilizado para fins de porte ilegal de arma de fogo. Esse foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar Habeas Corpus de um caminhoneiro preso próximo ao município de Volta Grande, em Minas Gerais.
Em fevereiro de 2007, o caminhoneiro foi flagrado pela Polícia Militar com uma arma calibre 32 na cintura, sem que tivesse autorização ou registro. Ele foi acusado de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento. Em primeira instância, o réu foi absolvido. O Ministério Público, no entanto, recorreu e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais o condenou a dois anos de reclusão e multa.
O tribunal mineiro considerou que não era possível desclassificar o crime de porte ilegal para a simples posse ilegal de arma de fogo, delito definido no artigo 12 do Estatuto. Para isso, a arma não registrada deveria ter sido guardada na residência ou local de trabalho do réu. O TJ-MG opinou que a legislação pretende diminuir a circulação de armas de fogo, e que, ao considerar veículos como extensão de domicílios, invalidaria o Estatuto. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Google não é responsável por fotos de Xuxa, diz STJ

Xuxa - 27/06/2012 [Reprodução]O provedor de internet serve apenas como intermediário e, como não produziu nem exerceu fiscalização sobre as mensagens e imagens transmitidas, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos. Essa foi a justificativa do Superior Tribunal de Justiça para dar provimento a recurso da Google contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Dessa forma, o STJ cassou a decisão que impedia a empresa de exibir, em seu mecanismo de pesquisa, imagens relativas à busca por “Xuxa pedófila” ou por qualquer expressão que associasse o nome artístico de Maria da Graça Meneguel a alguma prática criminosa. A Google foi representada pelo advogado Solano de Camargo, e Xuxa, por Diogo Albuquerque Maranhão de Oliveira.
Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, se a página possui conteúdo ilícito, cabe ao ofendido adotar medidas para sua própria supressão, com o que estarão, automaticamente, excluídas dos resultados de busca virtual dos sites de pesquisa. Ela afirmou, no entanto, que não ignora a dificuldade do procedimento, mas que isso não justifica a transferência da responsabildiade ao provedor do serviço de pesquisa.
Em primeira instância, Xuxa conseguiu tutela antecipada que proibiu o Google não só de exibir imagens, muitas delas relativas ao filme Amor Estranho Amor (reprodução acima), como também quaisquer links encontrados a partir dos mesmos critérios. A empresa, então, entrou com recurso, que foi parcialmente aceito pelo TJ-RJ, restringindo a liminar apenas às fotos. Ainda insatisfeita, a apresentadora recorreu ao STJ para que o acórdão também fosse anulado.
Para a ministra Nancy Andrighi, o papel dos provedores de pesquisa se restringe à identificação das páginas da web onde as informações são livremente vinculadas. Ela enfatizou a diferença entre os serviços de pesquisa e as redes sociais. Nestas, o próprio provedor oferece um mecanismo de denúncia contra material ilícito ou ofensivo, sugerindo que se responsabiliza caso seja alertado — recurso ausente nos motores de busca, que nem sequer exigem o cadastramento do usuário.
Nancy admitiu que a solução proposta não é a ideal, mas é a que melhor equaciona os direitos e deveres das companhias de internet. Mesmo a omissão de links pelo Google, afirma, seria uma medida pouco efetiva, já que, segundo a ministra, o ser humano é criativo o suficiente para encontrar meios de burlar as restrições à busca. Para ela, o efeito da medida seria inverso, já que a imposição de obstáculos inventivaria hackers a encontrar meios de facilitar a disseminação justamente das informações que se pretende esconder.
Para a ministra, se ainda não se consegue tutelar direitos seculares e consagrados, seria “tolice” esperar por resultados melhores nos conflitos relativos à rede mundial.
O voto da relatora, que deu provimento a Recurso Especial interposto pela Google e, por conseguinte, anulou a antecipação de tutela, foi seguido por unanimidade pelos ministros da 3ª Turma do STJ.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, a defesa da apresentadora lembrou que a ação está em curso. “O processo mal começou, ainda vai haver perícia, as partes vão se manifestar, vai haver uma sentença. Depois da sentença, uma das partes, ou até ambas, irão recorrer, o TJ vai se pronunciar e isso vai ao STJ de novo", afirmou.
Recurso Especial 1.316.921

quarta-feira, 27 de junho de 2012

LAVAGEM DE DINHEIRO - Justiça arquiva inquérito contra ex-ministro Palocci

A Justiça de São Paulo atendeu a pedido do Ministério Público e arquivou investigação sobre suposta operação de lavagem de dinheiro na qual era citado o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci Filho. O ex-ministro era investigado pelo aluguel de um apartamento de luxo em São Paulo de propriedade do empresário Gesmo Siqueira dos Santos, que tem folha corrida na Polícia e no fórum criminal. As informações são do site Estadão.com.br.
Em decisão de três linhas, a juíza Cynthia Maria Sabino Bezerra da Silva, do Departamento de Inquéritos Policiais da capital paulista, acolheu manifestação do próprio MP, que requereu o arquivamento dos autos por "falta de justa causa". Após oito meses de rastreamento, o promotor Joel Carlos Moreira da Silveira reconheceu, ao pedir arquivamento do procedimento investigatório criminal, "inviável o exercício da persecução penal em juízo".
A investigação havia sido instaurada em 29 de setembro de 2011 pelo Grupo Especial de Delitos Econômicos (Gedec), braço do Ministério Público que combate lavagem de capitais, diante da suspeita de que Gesmo seria laranja do ex-ministro — Palocci alugou o apartamento da Alameda Jurupis, no bairro de Moema, em fevereiro de 2010, por R$ 13,5 mil.
O procedimento do Gedec foi aberto com base em representação da Executiva estadual do PSDB, que apontou Gesmo como integrante de uma rede de laranjas. Segundo a denúncia, o empresário se utilizava, "para suas práticas criminosas, dos nomes e dados pessoais de sua mãe, esposa, sogra, sobrinhos e da própria empregada, sendo certo que entre os anos de 2002 e 2011 teve 57 empresas registradas em seu nome ou no de integrantes de sua quadrilha".
Na ocasião, o promotor assinalou sobre a existência de "indícios da possibilidade de sucessivas transferências de domínio e de constituição de pessoa jurídica de fachada para ocultar ou dissimular o real proprietário do imóvel".
A defesa de Palocci, a cargo dos criminalistas José Roberto Batochio e Guilherme Octávio Batochio, antecipou-se e franqueou à promotoria todos os documentos relativos à locação do imóvel. Entregou, também, cópias de 40 comprovantes bancários dos depósitos realizados pelo ex-ministro em favor da Morumbi Administração de Bens Ltda. "O requerente (Palocci) e sua família jamais tiveram qualquer contato com Gesmo Siqueira, tendo sempre tratado as questões relativas à locação junto à administradora responsável", advertiram os advogados.
Crime inexistente
O Ministério Público concluiu que o delito de lavagem tem como pressuposto a existência de algum dos crimes relacionados no artigo 1º da Lei 9.613/1998 (Lei da Lavagem), isto é, os bens, direitos e valores objetos do procedimento de dissimulação ou ocultação devem ser oriundos de ao menos uma dessas infrações penais — como crime contra a administração pública.
Segundo o promotor Joel Silveira, a Lei 9.613 prevê que "somente haverá crime de lavagem, no sentido jurídico, como conduta típica, quando houver lavagem de produto de crime arrolado como antecedente".
"Os elementos de prova amealhados, contudo, não evidenciam a existência de vínculo entre sobredito bem (o apartamento de Moema) e algum dos delitos antecedentes — noutras palavras, que seja produto direto ou indireto de alguma daquelas infrações penais", pondera o promotor. "Diante do exposto, por falta de justa causa para a propositura de ação penal, promovo o arquivamento dos autos."
"Quando surgiu essa história fantasiosa, dando conta de investigação por causa dos antecedentes de um sócio da empresa que figura como proprietária do apartamento que ele (Palocci) alugou, eu já alertara sobre o despropósito, sensacionalismo inaceitável", disse o criminalista José Roberto Batochio. "Na época fui duramente criticado, mas agora vem o próprio Ministério Público e mata a investigação."

terça-feira, 26 de junho de 2012

Condenação é suspensa para que político se candidate



O ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves suspendeu cautelarmente os efeitos de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo para permitir que o ex-prefeito de Pardinho (SP) Benedito da Rocha Camargo Júnior, condenado por improbidade administrativa, concorra novamente a prefeito da cidade nas eleições deste ano. O político, representado pelo escritório Mariano Advogados Associados, alegou urgência, informando que as inscrições de candidaturas só poderiam ser feitas até o próximo dia 30. A decisão foi publicada no último dia 15 de junho.
Camargo Júnior foi acusado, em Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de São Paulo, de ter contratado 14 servidores temporários sem a realização de concurso público em 2000 e 2001, quando era prefeito da cidade. Entre os servidores estão um farmacêutico, um zelador e dois operadores de máquinas pesadas.
Em primeira instância, o político foi condenado a ter seus direitos políticos suspensos por três anos, ressarcir o dano causado ao erário e ficar proibido de contratar com o poder público e de receber incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos — sanções previstas no inciso III do artigo 12 da Lei 8.429/1992.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, foi inadmitido um Recurso Especial do político em que alegava que as contratações temporárias foram lastreadas em lei municipal e que não houve lesão ao erário.
Os advogados Carlos Alberto Mariano e Renata Dalben Mariano entraram, então, no STJ com Agravo em Recurso Especial, declarando que o político pretende se candidatar ao cargo de prefeito de Pardinho. Ele alegou que a jurisprudência do STJ entende que a contratação temporária de servidor público sem prévio concurso público “não configura per si ato de improbidade administrativa” desde que o agente público não tenha atuado com dolo.
O ministro Benedito Gonçalves, em sua decisão, afirma que julgados mais recentes das turmas que compõem a 1ª Seção do STJ “seguem a linha de que a subsunção da conduta do agente à norma do artigo 11 da Lei 8.429/1992 não pode levar em conta apenas a incompatibilidade dos fatos com os princípios da administração pública”. O artigo em questão elenca os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.
“Já o perigo da demora pode ser observado no exíguo prazo que separa esta decisão do termo final para as prévias partidárias e conseguintes registros de candidatura 20 dias”, aponta o ministro, ao suspender os efeitos da condenação por improbidade.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

A responsabilidade dos avós no sustento dos netos


Por Eliette Tranjan



O sustento dos filhos compete, primariamente, a ambos os genitores, de forma conjunta e na medida da capacidade financeira de cada um. Desse modo, o dever fundamental de sustento recai, em primeiro lugar, nos pais, uma consequência lógica do poder familiar.
Nossa legislação civil, contudo, estabelece que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros” (artigo 1.696 do Código Civil). Tal dispositivo legal tem gerado muita dúvida acerca da responsabilidade dos avós no pagamento da pensão alimentícia aos seus netos.
O que ocorre é que com base no princípio da solidariedade familiar, os nossos legisladores autorizaram — excepcionalmente — que os netos busquem nos seus avós e bisavós, paternos e maternos, a ajuda financeira possível para satisfação das suas necessidades básicas (alimentação, habitação, vestuário e educação).
Essa autorização, ressalte-se, tem caráter excepcional e é válida apenas na falta ou impossibilidade dos pais, ou seja, somente a ausência comprovada dos genitores (morte, invalidez, incapacidade, doença grave, forte dependência química) ou a miséria econômica desses permite que os netos peçam a pensão alimentícia aos seus avós. A mera inadimplência ou o atraso no pagamento da pensão alimentícia pelos pais não ocasiona, por si só, a convocação dos avós para cumprimento da obrigação alimentar.
Ademais, o auxílio material, eventualmente prestado pelos avós, está limitado ao mínimo necessário à sobrevivência do menor, não se estendendo, em hipótese alguma, ao aproveitamento do padrão social desfrutado por esses. Trata-se de uma obrigação supletiva e complementar, destaque-se, não tem a mesma qualidade dos alimentos devidos pelos genitores.
O papel dos avós é, portanto, bastante claro e visa suprir eventual deficiência dos pais, não podendo ser manipulado de forma a beneficiar ou isentar pais desidiosos e acomodados.
Tendo os pais meios de prover o sustento de seus filhos, os avós estarão inteiramente desobrigados ainda que gozem de condição social mais atraente. Pensar o contrário seria privilegiar a paternidade irresponsável e quiçá comprometer a própria subsistência dos avós.
Na hipótese de ação judicial, os menores deverão exigir os alimentos primeiramente dos seus pais para, somente após a prova conclusiva da incapacidade destes, recorrer aos avós. Nesse caso, o sustento do menor será distribuído proporcionalmente a todos os avós, maternos e paternos, conforme a disponibilidade financeira de cada um. Quem puder contribuir com mais recursos assim o fará e contribuirão em menor proporção aqueles que dispuserem de menores recursos. Quem não pode, não contribui.
Importante destacar, porém, que a pensão alimentícia paga nessas circunstâncias pelos avós não exonerará definitivamente os pais da obrigação de custeio dos seus filhos e poderá ser revista a qualquer momento, com a eventual mudança das condições pessoais e sociais de todos os envolvidos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

BULLYING - Tipificação penal não resolve problema do bullying



Criminalizar o bullying é uma das propostas apresentadas pela Comissão de Reforma do Código Penal. De acordo com a inovação, o bullying, com a denominação de “intimidação vexatória”, passaria a constituir o parágrafo segundo do artigo 147, do Código Penal, conforme segue:
Ameaça
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - prisão de seis meses a dois anos.
Intimidação vexatória
§2º Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano patrimonial.
Pena – prisão de um a quatro anos.
bullying foi elencado pela Comissão como um dos assuntos de relevante discussão, dado seu conceito, peculiaridades e gravidade. Isto porque, o fenômeno, analisado dentro do contexto escolar, não se trata de uma violência qualquer, visto que compreende atitudes agressivas de todas as formas, praticadas de forma intencional e repetida, sem motivação evidente, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação de desigual poder[1].
Portanto, o que diferencia o bullying escolar de outros conflitos ou desavenças pontuais é seu caráter repetitivo, sistemático, doloroso e intencional de agredir (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente) alguém notoriamente mais vulnerável, evidenciando um desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos.
Desta forma, trata-se de uma subcategoria de violência bem específica que abrange muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis. O bullying representa um verdadeiro processo maléfico aos envolvidos, podendo, inclusive, ser fatal. Veja mais em Bullycídio: mais grave do que você imagina!.
Diante de tais características, a Comissão prontamente incluiu a figura do bullying como novo tipo penal, sob a justificativa de que a criminalização do fenômeno garantirá maior seriedade ao tema.
Os argumentos são pertinentes. Em razão do estrangeirismo da expressão, e da ausência de estudos sobre o tema no Brasil, o conceito de bullying é constantemente deturpado ou banalizado no país, reduzido a meras brincadeiras ou agressões pontuais de crianças e adolescentes.
Basta mencionar que 60% das matérias divulgadas na internet e passíveis de localização pelo canal de busca Google do Brasil com o nome Bullying, não expressam, nem representam, de fato, casos debullying, de acordo com a pesquisa realizada pela educadora e especialista no assunto Cléo Fante.Veja a pesquisa.
Ou seja, o conceito de bullying, suas peculiaridades, bem como a gravidade do fenômeno são absolutamente desconhecidos pela população brasileira. No entanto, a inclusão do bullying como tipo penal é somente uma medida (muito tímida) de combate ao fenômeno, visto que longe está de ser a solução.
O enfrentamento e o combate ao fenômeno do bullying demandam, prioritariamente, ações e programas preventivos (chamados de anti-bullying) desenvolvidos e direcionados especificamente para cada estabelecimento de ensino, atendendo às particularidades de cada comunidade escolar (ou seja, todos os envolvidos direta ou indiretamente no fenômeno). É o exemplo do Bully Free Program (programa preventivo americano) e Olweus Bullying Prevention Program Overview (programa preventivo norueguês).
A efetividade destes programas ficou comprovada pelos números que as escolas piloto apresentaram: redução de 26% nos casos de bullying, quando aplicado o programa da OBPP (Olweus Bullying Prevention Program Overview) e 20,2%, nos casos nas das escolas que utilizaram o Bully Free Program.
Desta forma, embora o escopo da criminalização seja conferir ao bullying a devida magnitude e relevância que o tema carece, esta iniciativa não pode e não deve ser conduzida isoladamente. Por se tratar de questão absolutamente interdisciplinar (comum a diversas disciplinas), o fenômeno deve extrapolar o âmbito jurídico e ser amparado por medidas de outras esferas, como a psicologia e a pedagogia, por exemplo. Mesmo porque, a criminalização do bullying não atingirá as causas desencadeadoras do evento agressivo, mas tão-somente suas consequências.
Assim, a iniciativa é bem vinda se com ela não emergir a crença de que a tipificação penal se traduz como solução para o combate ao bullying. Interpretar as mudanças e inovações legislativas como atalho (caminho mais rápido) para o enfrentamento de qualquer enigma é renegar a própria complexidade do tema.

STF fixará código de conduta para MP investigar

O Supremo Tribunal Federal sinalizou, nesta quinta-feira (21/6), que será estabelecido um código de conduta para que o Ministério Público possa conduzir investigações criminais. Os ministros começaram a julgar dois processos em que a possibilidade de o MP comandar investigações é questionada. A definição do tema foi suspensa, mas será retomada na próxima semana, na quarta ou na quinta-feira.
No julgamento desta quinta, dois ministros votaram no sentido de restringir as hipóteses de investigação penal pelo Ministério Público aos casos em que há membros do próprio MP investigados, autoridades ou agentes policiais e terceiros, desde que a Polícia seja notificada do crime e se omita. Para os ministros Cezar Peluso, relator de um dos casos, e Ricardo Lewandowski, a Constituição Federal não conferiu ao MP a atribuição de fazer investigações penais.
Peluso afirmou que “a Constituição não conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las extrair a fórceps essa interpretação. Seria uma fraude escancarada à Constituição”. O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou Peluso. Apenas os dois votaram nesta quinta.
Mas as discussões durante a sessão revelam que outros ministros contestarão a tese dos colegas. Os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ayres Britto, por exemplo, se mostraram favoráveis à tese de que o MP pode conduzir investigações penais, desde que se fixem regras claras de atuação. Os três e o ministro Joaquim Barbosa, em julgamentos da 2ª Turma do tribunal, já vinham admitindo a investigação pelo MP.
De acordo com o voto de Peluso, mesmo nas hipóteses restritas em que ele admite a investigação, é necessário que o procedimento obedeça às mesmas normas que regem o inquérito policial. Ou seja, o MP tem de publicar formalmente a abertura da investigação e garantir aos investigados o acesso às provas juntadas aos autos. Além disso, o procedimento tem de ser público e submetido ao controle judicial.
O presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, além de Celso de Mello, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, em decisões na 2ª Turma, concordam com a imposição de regras como as propostas por Peluso. Mas discordam em um ponto fundamental: para eles, a Constituição permite que o MP conduza investigações penais e esse poder não está restrito às hipóteses descritas por Peluso.
Para Gilmar Mendes, por exemplo, o Ministério Público pode fazer investigações complementares e conduzir apurações de crimes contra a administração pública, por exemplo. Todos concordam, contudo, que é necessário fixar uma espécie de código de conduta para que não haja abusos.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sustentou que o poder de investigar compõe o complexo de funções constitucionais do Ministério Público, além de deter a competência para fazer o controle externo da atividade policial. “Excluir a possibilidade de investigar é amputar o Ministério Público, retirando-se atribuição imprescindível ao cumprimento da sua missão constitucional. Se esse for o entendimento predominante, certamente teremos um Ministério Público apequenado, muito distante da instituição concebida pelo contribuinte
e da instituição de que necessita a República”, afirmou.
RE 593.727 e HC 84.548

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Prisões Preventivas - Abuso demonstra retorno a Estado Inquisitorial

POR GUSTAVO LAZZARI

Quase que diariamente somos bombardeados com notícias acerca da prisão preventiva, aquela que acontece antes de findo o processo judicial acusatório —onde são garantidos ao réu o contraditório e a ampla defesa— de várias pessoas investigadas ou processadas criminalmente por todo o território brasileiro, dando-se ênfase na cobertura realizada pela mídia, em geral, dos casos de maior repercussão, ainda mais quando o envolvido é detentor de algum cargo público. Sucesso na certa.
A sociedade interpreta, com base nas mensagens recebidas, na maioria das vezes, por ser leiga em relação ao nosso ordenamento jurídico, que a prisão preventiva de um cidadão é o mais puro e genuíno reflexo da tão almejada justiça, e que isto já significa uma condenação irreversível, sendo induvidoso que quando ocorre a soltura do agente preso há uma sensação contrária, horripilante, no sentido de que no Brasil tudo acaba em pizza.
Tal sensação muitas vezes é insuflada nas entrevistas dadas por alguns delegados e promotores que, ao se depararem com os holofotes da mídia, narram que a prisão do agente era único caminho viável paras as investigações e de que, como já dito, foi feito justiça. Aplausos para ambos.
Todavia, o abuso das prisões preventivas ao contrário de irradiar a impressão de que o sistema judicial está funcionando perfeitamente, demonstra que estamos vivenciando um retorno, se é que um dia nos livramos, de um Estado Inquisitorial, onde os Direitos e Garantias Fundamentais do cidadão são simplesmente ignorados. Prende-se para depois se investigar.
Muitas das pessoas que são presas preventivamente e passam meses ou anos em prisões completamente desumanas, são absolvidas ao se findar o processo judicial. Porém, nesse ínterim, muitos se tornam criminosos de verdade, porquanto ao saírem da prisão não possuem mais emprego e, ainda, são repelidos pelas pessoas de sua comunidade ou até mesmo por familiares, ao ser taxado de bandido. Que digam os irmãos Naves de Minas Gerais.
Quando isto acontece não vemos nenhum promotor de Justiça ou delegado, ou qualquer outra “autoridade” pedindo desculpas diante da mídia ou tentando reparar o erro cometido. O Estado reparará tamanha injustiça? Tenho certeza que não, e a isto chamo de hipocrisia.
Por este motivo, as prisões antes da certeza da culpa do réu pelo magistrado julgador da causa, mostram-se temerosas, razão pela qual a Constituição Cidadã de 1988, em seu art. 5º, LXI, assegurou que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, visando, com isso, impedir a proliferação desmedida de prisões antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, invertendo os efeitos dos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal.
Caros leitores, fica o alerta de que todos nós podemos ser vítimas de uma prisão arbitrária e, quando isto acontecer, saberemos pelo meio mais cruel a injustiça sofrida por muitos brasileiros.
Quando tomarmos conhecimento da prisão de um cidadão brasileiro, sem que se tenha certeza da culpa do mesmo, mediante a instauração do competente processo acusatório, por favor, não aplaudamos, não fiquemos felizes, mas indaguem se tal intervenção estatal na liberdade individual é realmente justa. Chega de hipocrisia.
Por fim, como disse Antoine de Saint-Exupéry, no livro O pequeno príncipe, “para enxergar claro, bastar mudar a direção do olhar."

terça-feira, 19 de junho de 2012

TRF-1 decide que escutas do caso Cachoeira são legais

POR RODRIGO HAIDAR

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu, nesta segunda-feira (18/6), que são legais as interceptações telefônicas feitas nas operações Monte Carlo e Las Vegas, que investigam as atividades do empresário de jogos ilegais Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A decisão foi tomada pela 3 ª Turma do tribunal, por dois votos a um.
O julgamento, que havia sido interrompido por pedido de vista na semana passada, com o voto do desembargador Tourinho Neto em favor da anulação das escutas, foi retomado com o voto de Cândido Ribeiro. Para ele, as interceptações telefônicas são válidas, entre outros motivos, porque não havia outras formas viáveis de se iniciarem as investigações.
De acordo com Cândido Ribeiro, não é razoável que a quebra de sigilo telefônico parta de uma denúncia anônima, salvo em casos excepcionalíssimos. Mas a dificuldade no caso específico, em que havia uma logística de segurança dos negócios de Cachoeira feita ilegalmente por policiais, a medida excepcional se justificou.
"Não é usual iniciar uma investigação criminal por meio de uma interceptação telefônica, abrindo mão, desde logo, de outros meios de colheitas de provas (...) Todavia, na hipótese, a dificuldade para o início dos trabalhos investigativos residia no fato de que a atividade de jogo de azar, inclusive com máquinas caça-níqueis, da qual derivam outros crimes mais graves, teria em sua logística de segurança a participação de um grande número de policiais do Estado de Goiás e, posteriormente, de policiais federais", justificou o desembargador em seu voto.
O juiz convocado Marcos Augusto de Souza acompanhou o voto de Cândido Ribeiro. Ele frisou que não se pode admitir que a quebra de sigilo telefônico decorra exclusivamente de denúncia anônima, sem qualquer investigação preliminar. Mas, no caso, foram feitas diligências preliminares. Uma delas, por exemplo, investigou a cooptação de policiais militares para trabalharem na segurança dos negócios de Cachoeira.
“A meu ver, houve minimamente uma apuração por meio de diligências que poderiam constituir a investigação preliminar antes que fosse decretada a interceptação telefônica”, afirmou o juiz Augusto de Souza. De acordo com ele, em um exame preliminar em pedido de Habeas Corpus, não há ilegalidade patente na decretação das interceptações.
A advogada de Cachoeira, Dora Cavalcanti, informou que vai recorrer da decisão ao próprio TRF-1 e ao Superior Tribunal de Justiça. Para Dora, os dois desembargadores se limitaram a analisar a hipótese de denúncia anônima. Não se manifestaram, por exemplo, sobre a prorrogação das escutas sem, segundo a defesa, a devida fundamentação ou justificativa para isso.
Em seu voto na semana passada, o desembargador Tourinho Neto entendeu que as interceptações são inválidas porque o juiz da 1ª Vara de Valparaíso (GO), que autorizou as escutas, não justificou a medida suficientemente. Os dois juízes que votaram nesta segunda-feira não se manifestaram sobre essa hipótese, o que provocará um recurso da defesa de Cachoeira ao próprio TRF-1.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Avô tem direito de contestar paternidade de netos

O avô tem o direito de promover Ação Anulatória de Registro Civil de netos, ainda mais se o filho — pai registral das crianças — já morreu. Foi o que entendeu, por unanimidade, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao reformar decisão de primeiro grau, autorizando o regular prosseguimento da ação. A decisão do TJ-RS foi proferida em 10 de maio.
O autor entrou com processo no Foro de Alvorada, município da Região Metropolitana de Porto Alegre, pedindo que fosse anulado o registro civil de dois meninos. Isso porque teve ciência de que seu filho Jean, que os registrou, não é o pai biológico deles. Jean morreu em março de 2008.
Segundo informações do acórdão, Jean levava uma vida desregrada e foi induzido a erro quando registrou o nascimento de uma das crianças. O outro menor foi registrado apenas pela mãe. O autor explicou que os genitores não eram casados e que, na condição de avô registral, tem legitimidade ativa para pedir a anulação dos registros civis.
A juíza Evelise Leite Pancaro da Silva julgou extinto o processo sem resolução de mérito e por manifestação de ilegitimidade da parte, com base, respectivamente, nas disposições dos artigos 267, inciso VI; e 295, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC). Para ela, também o artigo 1.601 do Código Civil diz, claramente, que ‘‘cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível’’. Logo, o avô paterno não possui legitimidade para contestar a paternidade assumida em relação aos menores, pois esta ação é privativa do pai registral.
No Tribunal de Justiça gaúcho, os desembargadores tiveram entendimento diferente e desconstituíram a sentença. Na visão do relator da Apelação interposta pelo autor, desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, mesmo que existam precedentes apoiando a posição da juíza, quem consta na certidão de nascimento como avô paterno possui legitimidade ativa para impugnar o registro, podendo questionar em juízo. Disse que, neste caso, incide o artigo 1.604 do Código Civil (“ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade de registro”), e não o artigo 1.601, mencionado pela juíza.
O parecer da procuradora de Justiça com atuação na 8ª Câmara Cível, Heloísa Helena Zigliotto, norteou a decisão do relator. Segundo a procuradora, “o fundamento desta ressalva [parte final do artigo 1.604 do CC] calca-se, justamente, na busca da verdade real, implicando em uma relativização da presunção que emana do documento público”.
Pastl citou também trecho do livro do ex-desembargador Arnaldo Rizzardo, Direito de Família: “qualquer pessoa com legítimo interesse moral ou material para o reconhecimento pode promover a Ação Anulatória, inclusive o Ministério Público, por se tratar de tema ligado ao estado da pessoa, cujo interesse é de preceito público”.
Com a decisão do colegiado, o autor não só poderá dar sequência ao processo de anulação dos registros dos dois meninos como, provando não serem seus netos, eximir-se do pagamento de pensão alimentar — objeto final da pretensão. Votaram com o relator os desembargadores Rui Portanova, presidente do colegiado, e Luiz Felipe Brasil Santos.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

STF restabelece Habeas Corpus em meio físico

Por Luiz Flávio Borges D'Urso

Após as justas reclamações de muitos advogados e o posicionamento da Seccional Paulista da OAB e do seu Conselho Federal, a advocacia conquistou uma nova vitória no Supremo Tribunal Federal, que restabeleceu a possibilidade de ajuizamento de Habeas Corpus por meio físico, acabando com a obrigatoriedade de se usar, exclusivamente, o meio eletrônico para tanto.
Garantido pela Constituição, o Habeas Corpus é um instrumento jurídico ímpar, que serve para impedir ilegalidades como prisões arbitrárias e abuso de poder, podendo ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente de o ser por advogado ou não, e escrito à mão ou digitado, sem necessidade de usar meio virtual. É uma proteção contra violências e ilegalidades que deve ser assegurada a todos.
O STF, como última instância para decidir sobre esse tipo de medida judicial, vai ao encontro dos anseios democráticos da população, ao restabelecer o Habeas Corpus por meio físico, atendendo as nossas reivindicações. Nós conhecemos as vantagens do processo eletrônico, que certamente trará a cada dia mais e mais melhorias quanto ao tempo de tramitação e à economia de recursos. No entanto, a passagem do papel para o meio digital deve ser feita de modo gradual, respeitando os advogados que ainda não têm estrutura material ou preparo para trabalhar exclusivamente em um ambiente virtual.
Além disso, para uso do meio virtual é preciso que todos os advogados obtenham sua certificação eletrônica, para que estejam habilitados a usufruir desse novo sistema, que deve beneficiar a todos os operadores do direito e toda a sociedade, todavia, se for implementado em seu devido tempo e paulatinamente.
A inclusão digital tem sido uma das grandes bandeiras de nossa gestão à frente da OAB SP. Nossas ações incluem convênios que garantem aos advogados do estado a compra de computadores e outros equipamentos de informática a preços mais baixos, cursos presenciais e à distância sobre os recursos tecnológicos do processo eletrônico, a disponibilização gratuita de intimações online e o lançamento de uma rede social da advocacia.
A presença crescente do mundo virtual é um caminho sem volta e que trará muitos benefícios a todas as profissões, incluindo a advocacia, mas a transição para esse novo mundo deve ser gradual, de forma que os profissionais mais antigos também se adaptem e se sintam preparados para dele usufruir, sob pena de se estabelecer uma exclusão injusta de alguns, com reflexos na própria cidadania. Essa postura do STF deve ser elogiada, porque vem atender esse pleito dessa cidadania.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ex-servidor não concursado tem direito a FGTS

O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito aos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho com a administração pública declarado nulo por não terem sido aprovados em concurso público, como manda a Constituição.
A decisão foi tomada na continuação do julgamento do Recurso Extraordinário 596.478, apresentado pelo Estado de Rondônia, com a participação de vários outros estados como amici curiae, contra uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que reconheceu o direito dos trabalhadores ao FGTS. Por maioria, o Plenário do Supremo negou provimento ao recurso, ficando vencidos as ministras Ellen Gracie, relatora do caso, e Cármen Lúcia, e os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio.
A ação questionava a constitucionalidade do artigo 19-A da Lei 8.036/1990, segundo o qual é devido o FGTS ao trabalhador cujo contrato seja declarado nulo em razão do artigo 37, parágrafo 2º, da Constituição Federal, que estipula a necessidade de concurso público para ingressar no servio público.
O RE 596.478, começou a ser julgado no plenário em novembro de 2010, quando votaram as ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia pelo provimento parcial do recurso, e os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ayres Britto, desprovendo o RE. Na ocasião, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Contratação inconstitucional
Em seu voto-vista, o ministro Joaquim Barbosa ressaltou que no caso em questão a contratação foi manifestamente contrária à regra constitucional da prévia aprovação em concurso público, e era dever do estado, nesse caso, corrigir o desvio. Ao mesmo tempo, é impossível entrever a priori a boa fé ou má fé do trabalhador ao assumir um cargo público sem concurso público. O ministro Joaquim Barbosa sustentou ainda que a permissão para que os pagamentos sejam feitos indistintamente abriria caminho para a satisfação dos interesses “inconfessáveis” que muitas vezes motivariam a contratação irregular de servidores.
Após o voto de Joaquim Barbosa, que se manifestou contra o direito dos trabalhadores não concursados ao FGTS, o ministro Luiz Fux pronunciou-se também nesse sentido. O ministro Marco Aurélio adotou a mesma posição, sustentando que o ato da contratação do servidor sem concurso é uma relação jurídica nula, que não pode gerar efeitos além do pagamento dos dias efetivamente trabalhados.
Divergência
O ministro Ricardo Lewandowski seguiu a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli no início do julgamento, favorável ao direito dos funcionários ao FGTS. Segundo o ministro, o artigo questionado é uma norma de transição, e caso alguém tenha agido com dolo ou culpa na contratação do servidor, ele responderá regressivamente nos próprios termos do artigo 37 da Constituição Federal. A posição pelo desprovimento do recurso também foi a adotada no voto proferido pelo ministro Cezar Peluso.
O ministro Celso de Mello, ao adotar a posição pelo desprovimento do RE, destacou que o STF não transige na exigência do concurso público para o preenchimento de cargos públicos, chamou a atenção para a natureza transitória da norma, e para a impossibilidade de haver efeitos retroativos na decretação de nulidade do contrato de trabalho. O contrato nulo, diz, produz efeitos até a data em que é declarada a nulidade. “Daí a sensibilidade do legislador ao formular a regra de direito transitório, para precisamente reger essas situações ocorrentes em ordem a não prejudicar os hipossuficientes”, concluiu Celso de Mello. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
RE 596.478

terça-feira, 12 de junho de 2012

ADVOCACIA - Preparação para sustentação oral é a chave do sucesso

Talento para fazer a apresentação oral para um público — especialmente quando a audiência é formada por um grupo de juízes — sempre ajuda. Mas advogados menos talentosos nesse quesito também podem fazer uma grande sustentação oral, se estiverem dispostos a se preparar bem para ela. A chave para uma sustentação oral bem sucedida, valiosa para o advogado, para a firma e mais ainda para o cliente, é a preparação. E vale  o esforço. A sustentação oral é a parte mais empolgante de um contencioso, afirma o advogado americano Sam Glover, mais conhecido por seu talento em tecnologia jurídica.
Em um artigo no The Lawerist, do qual é editor, Sam Glover explica, singelamente, suas técnicas de preparação para uma sustentação oral em qualquer tribunal. Ele acredita que, com boa técnica e principalmente com um esforço concentrado na preparação, qualquer advogado pode ter um ótimo desempenho na frente dos juízes, em qualquer situação. Ele não menciona isso em seu artigo, mas a leitura de suas recomendações indica que a excelência na sustentação oral segue a seguinte ordem: Preparar. Praticar. Fogo!
A primeira recomendação do advogado é abandonar a técnica de preparação de um esquema (ou roteiro resumido), usada há anos para se alinhavar os principais tópicos da sustentação oral — uma linha de argumentação linear, com começo, meio e fim. Vários fatores podem complicar essa estratégia. Por exemplo, um juiz pode fazer uma pergunta, quando apenas um quarto da apresentação se concluiu. O advogado tem de responder, mas a resposta está no terceiro papel da apresentação. Ele não pode dizer ao juiz: "Aguarde, eu vou chegar lá, meritíssimo". Nesse caso ou em qualquer outra circunstância desfavorável, a linha de apresentação linear é desestruturada. E pode ser difícil para o advogado com pouca experiência reconstruir a estrutura da apresentação na cabeça — a não ser que haja uma técnica melhor.
A solução que o advogado encontrou foi construir a sustentação oral em módulos. Alguns poucos módulos (de três a quatro), que facilitam o trabalho do orador desde o início da preparação. Uma forma bem simples de montar o quebra-cabeça. No módulo 1 vai a introdução e a declaração dos fatos. No módulo 2, a legislação, precedentes/jurisprudência pertinentes; no módulo 3 as conclusões e o pedido para absolver o cliente (ou condenar o cliente do colega). Sam Glover diz que, em seguida, lê os autos com atenção, pesquisa a legislação pertinente, faz anotações em fichas, e as vai jogando no chão, cada uma em seu devido grupo — ou módulo. Depois, ele apanha todas as fichas jogadas no bloco do módulo 1 e as coloca em uma ordem lógica de apresentação preliminar. E assim o faz com as fichas dos módulos 2, 3, 4, seja quantos forem. A estrutura da sustentação oral começa a se configurar.
De acordo com o advogado Andrew Frey, que escreveu artigo publicado na revista Consultor Jurídico, nesta segunda-feira (11/6), há ocasiões em que a sustentação oral é quebrada por perguntas dos juízes ou por outras circunstâncias. Nesse caso, o advogado tem de estar preparado para descartar elementos menos importantes de sua argumentação e jamais se esquecer dos mais importantes. Qualquer argumento sem chances de mudar os ventos deve ser descartado sem remorso e sem pudor, antes mesmo de fechar a linha de argumentação.
Pode ser uma boa técnica, na hora de organizar as fichas em cada módulo, estabelecer algum tipo de código de prioridade para os argumentos: código vermelho — importantíssimo; código azul — importante; código amarelo — razoável importância. Uma coisa boa desse trabalho é a de que, na medida em que é feito, o processo de memorização é ativado. Na hora do descarte, o amarelo se vai, o azul fica, o vermelho não só fica, como vai fazer estragos como um macaco em casa de louças, se não for expressado, segundo Glover.
Para ele, esse método é melhor do que o do tradicional esquema de alinhavar a sustentação oral com começo, meio e fim, porque ele dá flexibilidade à argumentação, permitindo ao advogado jogar com os argumentos conforme a necessidade. Para ele, o método é muito mais eficaz do que levar para a tribuna pastas cheias de documentos, o que pode ser um recurso para o advogado que não se preparou adequadamente.
Um vez preenchidos os módulos, a organização continua com a ordenação dos argumentos. Sam Glover diz que pega as fichas de um módulo e começa a lê-las em voz alta, acrescentando alguma coisa aqui, adicionando mais uma ficha ali. A ordem de apresentação preliminar frequentemente precisa ser alterada, quando se começa a ler as fichas em voz alta. E uma sequência mais lógica começa a se desenhar. Enquanto se faz isso, a memorização vai se processando, de alguma forma.
Parênteses: no processo de organizar as fichas em módulos e depois na sequência, o advogado precisa saber quatro coisas sobre seu caso, para cada argumento, diz Glover. Veja quais são elas:
1. Os fatos. Conheça os fatos de seu caso da frente para trás e de trás para a frente. Certifique-se de que sabe quais fatos estão nos autos, onde estão, e que fatos podem não estar nos autos.
2. A lei. Embora já tenha pesquisado a lei em vários pontos do contencioso, incluindo quando escreveu a peça recursal, você deve rever precedentes ou jurisprudência essenciais para sua argumentação. E conheça-os bem, para poder discutir as nuanças da legislação, no que se refere ao caso, sem ter de ler a lei para os juízes. As leis, a jurisprudência e mesmo regras pertinentes devem ser conhecidas até às avessas. Você deve estar preparado para declarar a lei ou a regra que quer que o tribunal adote em seu caso.
3. Sua argumentação. Certifique-se de que ela vai levar à conclusão de que seu cliente deve ganhar a causa. Alguns advogados não conseguem articular uma razão coerente para convencer os juízes de que seus clientes devem ganhar.
4. O que você quer. Você tem de estar preparado para dizer ao tribunal exatamente o que quer que ele faça. Mas, antes de mais nada, certifique-se de que o tribunal pode fazer o que você vai pedir a ele para fazer. Não adianta perder tempo e dinheiro pedindo alguma coisa que o tribunal não tem poder de conceder, por exemplo.
As fichas
Finalmente, as fichas já estão organizadas de uma forma que estabelecem um roteiro natural. Pode ser que você seja amante de teatro e as organizou em 1º Ato, 2º Ato, (...), Último Ato. Mas o fato é que você já começa a conhecer os elementos de sua argumentação em ordem e fora de ordem, ensina ele. E para uma audiência formada por juízes experimentados, não faz mal se você apresenta a cena 2 do 3º Ato, antes do 2º Ato. Mas eles certamente querem que você tenha um bom desempenho. E isso só é possível se você conhecer bem o texto, que, felizmente, não precisa ser decorado. Melhor que não seja, alerta. Precisa ser bem apresentado e sem hiatos prolongados. Para isso, você tem de praticar o seu "improviso calculado". É preciso ensaiar. E no ensaio, a argumentação se desenrola como uma unidade única e coesiva, em cada ato.
Sam Glover diz que, depois de repassar os módulos, em voz alta, por algumas vezes, ele sai para uma caminhada com seu cachorro, em que vai praticando em voz alta. Não demorou muito para passar a usar um fone de ouvido, para as pessoas pensarem que estava escutando música e cantando — e não falando sozinho no meio da rua, como se fosse louco. Um headset como os usados por telefonistas também o ajudaria: Poderia estar ao telefone. Ao praticar a fala, enquanto se caminha, o cérebro pode fazer associações (um tanto absurdas e, portanto, fáceis de serem lembradas) entre pontos importantes da argumentação e pontos interessantes na rua — como a do precedente mais importante da história toda com a casa da Januária na janela, no segundo quarteirão (módulo). Inesquecível.
O advogado diz que também pratica no carro, no escritório, com colegas fazendo o papel de juízes em um tribunal simulado, e mesmo em casa, com leigos na audiência. A vantagem de usar leigos é que ele pode observar o interesse da audiência. Se o leigo se mostra aborrecido, é um sinal de que não fez um bom trabalho. É melhor reformular o texto da sustentação oral porque também será preciso obter a atenção dos juízes. Você só vai conseguir a atenção de uma audiência leiga, se conseguir reduzir os fatos, as questões e os argumentos a seus pontos essenciais. Se fizer isso, os juízes também vão ficar agradecidos, afirma o advogado.
A melhor maneira de fazer uma sustentação oral é de memória. Mas, fichas dos módulos, com palavras-chave (e não frases inteiras) e código de prioridade podem ser úteis. Serão apenas três ou quatro fichas, nesse feitio, se o advogado praticou a argumentação em ordem e fora de ordem. Na hora da pressão, a Januária (a da janela) se encarrega de lhe lembrar do precedente e, como uma oferta da casa, lhe traz uma certa tranquilidade.
"Não decore sua sustentação oral", insiste o advogado. "Isso é contraproducente", afirma. Se sua apresentação for interrompida, por qualquer motivo, ou se as coisas tomarem outro rumo, o orador pode ficar perdido. Melhor é memorizar os pontos importantes da argumentação e saber onde eles estão em seu roteiro. Vencida uma discussão, o advogado pode retomar sua apresentação do ponto que achar mais apropriado para o cenário do momento, ensina ele.
Sam Glover reconhece que sugerir toda essa preparação pode parecer demais para um advogado, sempre muito ocupado. No entanto, não existem softwares que podem ajudá-lo a fazer uma sustentação oral (ele conhece tudo nessa área), nem mesmo truques. Só existe preparação, prática e execução. O advogado tem de encontrar tempo para se preparar e praticar. Até ficar bom. No dia em que Sam Glover tem de fazer uma sustentação oral, ele se levanta cedo, veste o traje completo para ir ao tribunal, toma seu café da manhã e sai para dar uma volta na rua com seu cachorro. Sem esquecer do fone de ouvido.

Juristas vêem possível "banalização" do crime de lavagem

O endurecimento da Lei da Lavagem de Dinheiro provocou reações no universo jurídico. Juristas alertam para o que chamam de "banalização" do crime de lavagem — ocultação de bens ilícitos —, segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo. O projeto de lei que altera a estratégia de combate à lavagem de capitais foi aprovado na última terça-feira (5/6) pelo Plenário do Senado. Em tramitação na casa desde 2003, o projeto passou com alterações na Câmara, em outubro do ano passado. Agora, com a aprovação dos senadores, espera sanção da presidente Dilma Rousseff.
A proposta que o Senado votou prevê que a ocultação de valores é crime até quando não estiver vinculada a outros delitos. A lei atual impõe que, para execução do crime de lavagem, deve haver um crime antecedente, como corrupção e tráfico, por exemplo. O projeto aplica pesadas sanções a quem for enquadrado por lavagem de dinheiro — reclusão de até dez anos e multa de até R$ 20 milhões. O novo texto promove alienação antecipada de bens dos réus e de pessoas físicas que servem de laranja para organizações criminosas.
Ivette Senise Ferreira, presidente de Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), alertou na última quarta-feira (6/6) para a prática da nova legislação. "Embora sejamos sempre favoráveis ao aperfeiçoamento da legislação, em todos os seus níveis, é preciso refletir sobre o alcance das propostas levando em conta todo o sistema penal e também a sua conformação com a realidade e os reflexos de sua aplicação na prática", alerta Ivette Senise Ferreira.
Ela anotou que a diretoria do IASP vai debater ponto a ponto o projeto da Lei de Lavagem. “Todos os itens da reforma proposta serão devidamente estudados, seus pontos favoráveis e os negativos, para sabermos se efetivamente haverá um aperfeiçoamento ou retrocesso (no combate à lavagem).”
"O crime de lavagem de dinheiro será perigosamente banalizado”, afirma o criminalista Rodrigo Dall’Acqua. "Para condenar, bastará o fato de o cidadão receber valores advindos da prática de qualquer espécie de ilícito penal, pouco importando se foi provado este crime antecedente."
Dall’Acqua dá um exemplo. "Se alguém realizar investimentos conjuntos com um terceiro acusado de estelionato, pode ser condenado por lavagem, mesmo que o suposto estelionatário seja absolvido."
O advogado Francisco de Paula Bernardes Jr. se declarou preocupado com o que classifica de "abertura total, para todos os crimes, que o projeto faz em relação ao crime antecedente para tipificação da lavagem de dinheiro".
"Dessa forma, deverá ser investigado e mesmo processado um número infinitamente maior de casos, comportando tal aumento em sua maioria de casos sem importância, ou seja, sem um ataque relevante ao bem jurídico tutelado", argumenta Bernardes Jr. "Acredito que o melhor caminho a ser trilhado seja dar maior efetividade de investigação aos casos graves, que realmente ofendam o complexo bem jurídico tutelado, no caso da lavagem."
Para o criminalista Maurício Silva Leite, "as alterações aprovadas pelo Senado já eram previsíveis no que tange à generalização dos chamados crimes antecedentes". Leite adverte que "esta situação jurídica já ocorre em diversos países e segue orientações internacionais, no entanto, a pretendida reforma de lavagem de dinheiro não pode fazer com que a aplicação do instituto seja banalizada". "É preciso cautela na aplicação dessa legislação, inclusive porque as penas previstas são muito altas", pondera.
O advogado Luciano Quintanilha de Almeida também recomenda prudência com as alterações. “A lavagem de dinheiro é um crime complexo e a questão dos delitos antecedentes também não é simples. Além disso, parece que o projeto contempla medidas que visam ampliar alguns poderes de agentes do Estado, que já é bastante poderoso, para dar celeridade tanto à investigação desses crimes como a seu julgamento.”
Quintanilha ressalta, no entanto que, “a investigação rápida e julgamento célere são armas muito perigosas, e quando mal utilizadas produzem uma única vítima: o direito de defesa."
Para o criminalista Rodrigo Carneiro Maia Bandieri, o projeto "é grave na medida em que alarga sem limites o rol dos crimes antecedentes". "Agora, qualquer delito pode ser classificado de antecedente, abrindo ao acusador a possibilidade de enquadramento por lavagem. Segundo estudo recente, o crime de lavagem não tem punição. Acho que estão querendo dar uma resposta, mas dessa forma é muito preocupante."

segunda-feira, 11 de junho de 2012

“Ação de improbidade não pode ter motivação política"

Por Marina Ito

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) acaba de completar 20 anos e alçou maior importância com a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), já que condenados por improbidade podem ficar fora das eleições se houver decisão colegiada que confirme a condenação. Com isso, aumentou a responsabilidade do Judiciário. “Quanto mais atribuição e competência se dá a juízes e promotores, maior responsabilidade eles terão que ter”, afirma, a propósito, o desembargador Marcelo Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Membro do Ministério Público por quase 20 anos antes de ingressar no Tribunal pelo quinto constitucional, Buhatem foi autor de diversas Ações de Improbidade que chegaram ao Judiciário. Ele enfrentou as polêmicas iniciais da lei, como a discussão se havia foro por prerrogativa de função quando alguma autoridade era processada por ato de improbidade. Hoje, a jurisprudência firmada é de que não há.
Em ano de eleição, chovem ações de improbidade na Justiça. A atuação do MP costuma ser questionada, devido à influência política que esses processos têm no pleito, principalmente no municipal. “Os promotores sempre foram acusados por uma das partes de construírem manobras políticas contra ela”, observa Buhatem. Para ele, a motivação política não deve ser o foco da análise do processo e sim os fatos apresentados nos autos. “O Judiciário existe para podar eventuais excessos, com todos os meios de defesa inerentes ao processo.”
Há dois anos, Buhatem está do outro lado, e justamente em um tribunal apontado pelo Conselho Nacional de Justiça como um dos que menos condena em ações por improbidade. “Acho que a forma de avaliar se está havendo condenação ou não é precipitada se a gente não olhar caso a caso. Há ações que podem efetivamente estar mal instruídas e ações que podem estar bem instruídas e mal julgadas. Mas está o STJ, o duplo grau, exatamente para tentar reverter um erro e assim fazer com que a ação volte ao seu trilho normal”, afirma.
Buhatem é defensor de carteirinha do quinto constitucional. “Há críticos ferrenhos do quinto. Eu os entendo, mas não os compreendo.” Para ele, promotores e advogados que ingressam no tribunal aproximam a corte da realidade e da sociedade. “Hoje, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem inúmeros projetos sociais. No passado, não havia essa preocupação social.”
Abertamente apaixonado pelo Ministério Público, o desembargador reconhece que o órgão enfrentou algumas dificuldades. “Vi alguns excessos e posso até ter cometido alguns também. Faltava um ponto de equilíbrio e esse ponto está chegando. É como a criança que não sabia andar. Ela quer andar na casa toda, o tempo todo, cansa todo mundo, cai e se machuca. Com o decorrer do tempo, ela vai percebendo os perigos de ali ou acolá. Hoje o Ministério Público aprendeu a andar, os excessos são muito menores do que no passado”, avalia.
Maranhense, Marcelo Buhatem é descendente de libanês e está no Rio de Janeiro desde os 16 anos. Uma irmã é promotora de Justiça no Maranhão e o cunhado desembargador do tribunal daquele estado. Botafoguense, Buhatem formou-se em Direito pela Universidade Cândido Mendes em 1982 e é especialista em tutela coletiva.
Leia a entrevista:
ConJur — Há resistência dos juízes com as ações de improbidade administrativa?
Marcelo Buhatem —
Eu passei a manejar a ação de improbidade administrativa quando estava no Ministério Público. Na época, havia uma discussão muito grande se prefeitos tinham foro por prerrogativa de função, entendimento que poderia levar as ações que eu propus no município para o tribunal. Esse era o primeiro entrave, pois havia decisões nos dois sentidos. Os juízes ficavam à mercê dessas decisões; o Ministério Público, na época, com os processos emperrados; e a população a exigir dos promotores uma rápida solução do caso. Até que o Supremo entendeu que não havia prerrogativa de função em ação de improbidade. Hoje, no caso, só o presidente da República, os ministros, o presidente do Banco Central, equiparado a ministro, detêm foro por prerrogativa de função. Outro problema da ação de improbidade são os tipos absolutamente abertos na lei. Eles levam a interpretação de toda sorte.
ConJur — De que maneira?
Marcelo Buhatem —
A Lei 8.429, nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º e principalmente o 9º, diz que constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial. “Qualquer tipo de vantagem” é tão aberto que se chegou a pensar que o servidor público que saísse da sua repartição com uma caneta de lá no bolso poderia ser responsabilizado por isso. E a sanção para essas condutas são — e devem ser — muito severas. A maior clientela do Ministério Público, que maneja essas ações, é política, sem embargo do particular também. Elas têm um forte viés político. O corruptor, que geralmente é um grande empresário, também está abrangido pela lei, o que atrai para essas ações uma influência do poder econômico. Isso sempre causava embaraços. Eu percebia a movimentação de grandes escritórios de advocacia, que estão se especializando nessa matéria. Essa lei é importante para a República; não sei como um país pode viver sem uma lei dessa. Mas a sanção é muito forte.
ConJur — E como o Judiciário lidava com essas ações?
Marcelo Buhatem —
Acho que o Judiciário brasileiro não foi forjado para julgar ações coletivas — porque essa é uma ação coletiva também. Ele fica preocupado com a abrangência da decisão. E quanto maior a abrangência, melhor é a ação, pois evita ações individuais sobre o tema. Geralmente, as ações coletivas são longas, volumosas, com inquérito civil. Isso tudo assusta um pouco. Mas quando o Ministério Público faz uma grande investigação, a mais isenta possível, e abstrai a parte política com ações bem instruídas, não há outra solução a não ser a procedência do pedido do MP. Eu confiava piamente nisso. Agora, estou do outro lado.
ConJur — E como o senhor avalia, hoje, a falta de condenação em ações de improbidade apontada pelo CNJ no Tribunal de Justiça fluminense?
Marcelo Buhatem —
Primeiro, desconfio um pouco do banco de dados. Acho que é preciso saber se ele está sendo corretamente alimentado. Também não nego que seja possível que algumas ou muitas dessas ações não estejam suficientemente instruídas. O desembargador sabe das consequências danosas e gravosas de uma ação de improbidade, principalmente com a lei da Ficha Limpa. Um condenado por um colegiado estará impossibilitado de se candidatar nas próximas eleições. O tribunal é um colegiado, logo, está diretamente relacionado às consequências da Lei da Ficha Limpa. Acho que a avaliação sobre as condenações é precipitada se não olharmos caso a caso. Há ações que podem, efetivamente, estar mal instruídas e aquelas que podem estar bem instruídas e mal julgadas. Mas para isso existe o STJ, exatamente para tentar reverter um erro e assim fazer com que a ação volte ao seu trilho normal.
ConJur — A discussão em relação ao dolo, se era necessário ou não comprová-lo para que o réu fosse condenado, pode ter influenciado em decisões que tenham absolvido os acusados?
Marcelo Buhatem —
Surgiu o entendimento de que somente comprovado o dolo para que o administrador, o agente político ou público, fosse condenado nas penas da lei de improbidade. Eu discordo deste posicionamento. A lei é bem clara, refere-se à culpa inclusive. Nós temos que analisar a culpa in eligendo. O administrador sabe de antemão que determinado secretário é um gatuno, logo não pode nomeá-lo para ser secretário de nada. A lei é arrojada e temos que interpretá-la da melhor forma. Há, ainda, a discussão sobre a prescrição dessas ações. Há quem entenda que elas prescrevem em cinco anos. A maioria dos ministros do Supremo já entendeu que essas ações são imprescritíveis se houver condenação de devolução ao erário público. Eu comungo com essa ideia.
ConJur — Quando se fala em improbidade, logo se pensa em licitação. Há algo errado com a Lei das Licitações [Lei 8.666/1993]?
Marcelo Buhatem —
O Brasil acha que a Lei 8.666 deve nortear toda a relação com o empresariado. No entanto, há furos na lei. Uma empresa, que é contratada para construir um prédio de R$ 150 milhões, está isenta de fazer licitação para contratar o quê pelo conjunto da obra? O elevador, que ela não fabrica nem instala, o granito que ela não fabrica e só instala? Acho que só esse exemplo já demonstra que a legislação precisa ser repensada. Se o administrador faz uma licitação com todos os requisitos legais, mas dá a ela a oportunidade de contratar sem licitação todo e qualquer serviço de quem quiser, inclusive de eventuais apaniguados do seu contratante, não funciona. Recentemente, vimos como se dá essa questão da licitação em um hospital público no Rio de Janeiro, em uma reportagem do Fantástico [a notícia mostra representantes de empresas oferecendo propina ao repórter, que se passa por gestor de compras do hospital pediátrico da UFRJ] . Todo investigador sabe da existência desse tipo de complô, de farsa. Mas difícil é pegar. Do jeito que está, não há solução, porque há um furo na lei que precisamos tentar resolver no Legislativo.
ConJur — O senhor citou a Lei da Ficha Limpa que, de certa forma, acelera os efeitos de uma condenação quanto a perda dos direitos políticos. O promotor não corre o risco de se tornar um instrumento de manobra de adversários políticos que queiram tirar um candidato da corrida eleitoral?
Marcelo Buhatem — Os promotores sempre foram acusados por uma das partes de construírem manobras políticas contra ela. Acho que o Judiciário existe para podar eventuais excessos, com todos os meios de defesa inerentes ao processo. É obvio que tanto o promotor quanto os juízes terão, agora, maior responsabilidade. Quanto mais atribuição e competência se dá a essas pessoas, maior responsabilidade elas terão que ter.
ConJur — Em relação às ações civis públicas em geral, que não dizem respeito a improbidade, os juízes também têm mais preconceito?
Marcelo Buhatem — No caso de meio ambiente, um juiz entre 45 a 50 anos de idade não teve, nos bancos escolares, qualquer ensinamento sobre Direito Ambiental. Na época em que estudei, não tive experiência nessa área. Precisei correr atrás, estudar depois. O primeiro preconceito vem da falta de preparo para essas ações. Os que o têm se sobressaem como o ministro Herman Benjamin, um estudioso na matéria. O segundo problema é que o Direito Ambiental deságua no urbanismo e, consequentemente, nas grandes empreiteiras, chegando até a questão do emprego. O maior empregador do Brasil é a construção civil. Esses são elementos muito difíceis de equacionar, porque toda vez que se tenta transformar uma área em não edificante ou paralisar a construção de uma obra, surge a discussão sobre a geração de empregos. Acho que, nos últimos 10 anos, a questão ambiental passou a ser vista de maneira mais responsável e com isso conseguimos formar uma consciência ambiental. Percebo que os juízes, ainda, enxergam apenas a palavra desenvolvimento na expressão “desenvolvimento sustentável”. Embora haja bons juízes com consciência ambiental, penso que é preciso mais.
ConJur — O Rio de Janeiro tem um problema sério quando o assunto é preservação de área ambiental. O próprio poder público é conivente com a ocupação dessas áreas. Estaria o poder público apostando no modo como o Judiciário enxerga a questão?
Marcelo Buhatem — O Judiciário acaba se formando e se formatando diante do meio em que vive. É possível que, no Rio de Janeiro, sejamos mais permissivos nessas chamadas ocupações irregulares. Quando era promotor instaurei vários inquéritos para tentar mapear as áreas de proteção em Niterói. Descobrimos áreas que não dá para ninguém morar, mas onde há vários casebres. A favelização vem desde a década de 50 e ao chegar ao nível que está, o juiz acaba se convencendo de que não é ele que irá resolver. É uma questão mais de política urbanística e ambiental do Executivo, que precisaria ser um pouco mais firme. Não adianta levar tudo para o Judiciário.
ConJur — E quanto a proteção coletiva do direito do consumidor? Não é mais racional ter uma ação civil pública para resolver uma conduta reiterada de uma empresa do que ter várias ações individuais, entupindo o Judiciário de processos?
Marcelo Buhatem — Isso é óbvio. É importante que nós saibamos que esta é uma ação que pode desafogar muito o Judiciário. Eu defendo isso há anos. Quando era promotor, achava que havia preconceito em relação às chamadas ações coletivas na questão do consumidor. O juiz ficava preocupado com o efeito que sua decisão iria produzir. Vejo que há uma evolução muito benéfica. O consumidor brasileiro foi ultrajado, vilipendiado, maltratado durante anos neste país. É uma pena que os tribunais tenham se tornado muito complacentes quanto à indenização por dano material e moral. Se o Judiciário tivesse sido, no momento oportuno, mais rígido, aplicando multas severas, nós teríamos, hoje, uma prestação de serviço muito melhor. A má prestação de serviço compensa. O empresário percebe que, na grande maioria das vezes, a indenização será estipulada entre R$ 4 e 7 mil. Ele coloca isso no seu balanço como prejuízo e pronto. As ações coletivas do consumidor são fundamentais. A magistratura de forma geral tinha que dar mais importância a elas, e o Ministério Público manejá-las mais.
ConJur — Por que é comum ver na Justiça do Trabalho a aplicação de uma indenização por dano moral coletivo enquanto nas ações de consumo elas são raras? O Judiciário não condena ou não há pedido nesse sentido?
Marcelo Buhatem —
A jurisprudência, principalmente do STJ, é muito rígida na aplicação desse conceito. Há o entendimento de que, para configurar dano moral, o nível de chateação, de aborrecimento, de degradação tem que ser de uma monta muito grande, como se fosse um plus. Tem que ser algo capaz de atingir realmente a todos e não só a alguns dentro de um grupo. Acho que a gente precisava avançar nesse conceito. Seria uma forma de condenar a empresa em uma quantia vultosa a ponto de ela não precisar reincidir na prática. Os tribunais brasileiros estão abarrotados de ações individuais de consumidor e com isso perdemos a oportunidade de julgar ações de maior envergadura. Os tribunais estão perdendo essas grandes ações para a arbitragem, que, hoje, é o filé mignon da advocacia. As demandas consumeristas são fundamentais, mas eu acho que ações de até 40 salários poderiam terminar em primeira instância ou ser exclusivas do juizado. Não há necessidade de subirem aos tribunais.
ConJur — Na Justiça Federal é exclusiva.
Marcelo Buhatem —
É. Se isso acontecesse na Justiça estadual, de 35% a 40% das ações consumeristas seriam retiradas do tribunal. Haveria maior efetividade às decisões judiciais de primeira instância, que, hoje, são provisórias. Além disso, haveria maior rapidez no atendimento ao consumidor. Eu batalho, na parte legislativa, para que seja aprovada uma lei em que as ações consumeristas de até 40 salários fiquem na primeira instância. Isso daria tempo aos tribunais para se debruçar sobre as grandes causas.
ConJur — O que o senhor acha em relação a Defensoria Pública ter legitimidade para poder entrar com ação civil pública?
Marcelo Buhatem —
Acho que essa é uma ação de Estado. E o Ministério Público é legitimado constitucionalmente, exerce de forma primorosa esta atribuição e não há reclamações plausíveis das investidas ministeriais nessa área. Portanto, não vejo motivo para a Defensoria Pública ter que ocupar esse espaço. A Defensoria Pública tem que tratar de direito individual, do hipossuficiente sempre. Eu acho que só se ocupa espaço quando há um para ser ocupado. E não há.
ConJur — As ações individuais, aparentemente, não têm grandes consequências. Mas somadas elas podem representar um rombo para um município, por exemplo, quando condenado a fornecer medicamentos ou proceder com internações. O juiz não ter a dimensão da real consequência das decisões somadas justifica a resistência a ações públicas?
Marcelo Buhatem —
O impacto de uma ação coletiva é sempre muito maior. A questão orçamentária é sempre apontada nessas ações que tratam de dar efetividade aos princípios constitucionais da saúde, da vida, etc. Mas eu acho que esses princípios constitucionais não podem ser mitigados por causa de questões orçamentárias. O município sabe que, desde 1988, tem o dever de prestar serviço de saúde. A minha decisão não é nem será pautada no orçamento municipal. Recentemente, obrigamos um município a transferir ou a construir um centro de distribuição de medicamento próximo à população. O município tinha feito um longe do centro da cidade, em um lugar ermo e de difícil acesso. O administrador não pode causar embaraços na aplicação de princípios constitucionais fundamentais. Neste caso, princípios de conveniência e oportunidade têm que ser afastados. Esse é o Direito moderno. O juiz precisa ter em mente essa função social do Judiciário. Quando promotor, sempre via a magistratura muito distante do lado social, do necessitado, do descalço.
ConJur — E qual é o limite para o Judiciário intervir em uma política pública?
Marcelo Buhatem —
O limite é a legalidade, a boa fé, a percepção do bem comum, a necessidade de aproximar o administrador do administrado. O limite está na lei e nos conceitos que a Constituição trouxe. O Brasil é um país carente que só começou a ser respeitado e invejado depois que esses conceitos começaram a ficar mais patentes. Não há mais como a Europa crescer, os Estados Unidos vivem em guerra com o mundo inteiro e sobra o Brasil para ser a grande potência. Não tenho dúvida de que a gente vai chegar lá. Mas vai fazer isso passando pelo social. Percebo que o Judiciário está se voltando ao social.
ConJur — O senhor veio do Ministério Público, que adquiriu poderes muito grandes depois da Constituição. Como o senhor avalia o uso desses poderes nos últimos anos?
Marcelo Buhatem —
Qualquer excesso que houve — e houve — é perdoado diante dos efeitos e das grandes conquistas que o Ministério Público trouxe para a população. “Promotor holofote”, “promotorite” ou exação durante atividade tem que ser, senão perdoado, sopesado. Hoje vemos muito menos um Luiz Francisco da vida [o procurador Luiz Francisco de Souza se tornou conhecido durante o governo FHC pelas denúncias midiáticas contra autoridades]. Eu sou da geração logo após a Constituição. Vi alguns excessos e posso até ter cometido alguns também. Faltava um ponto de equilíbrio e esse ponto está chegando. É como a criança que não sabe andar. Ela quer andar na casa toda, o tempo todo, cansa todo mundo, cai e se machuca. Com o decorrer do tempo, ela vai percebendo os perigos de ali ou acolá. Hoje, o Ministério Público aprendeu a andar e os excessos são muito menores do que no passado.
ConJur — O Judiciário foi um dos responsáveis por fazer com que o MP aprendesse a andar, colocando limites?
Marcelo Buhatem —
O Ministério Público está encontrando o seu próprio limite, porque cresceu, evoluiu, amadureceu. Eu não nego que o Judiciário tenha contribuído para isso, mas não de forma decisiva. A própria legislação também colocou alguns freios. Há muita gente boa dentro do Ministério Público.
ConJur — O CNJ está fazendo a inspeção no TJ do Rio. Assusta ver o tribunal sendo inspecionado?
Marcelo Buhatem —
Não assusta. Quando os conselhos estavam sendo discutidos durante a tramitação da emenda constitucional que os criou, os membros do Ministério Público foram favoráveis desde o primeiro dia. O Conselho Nacional de Justiça é necessário, benvindo, fundamental. Acho que ele transforma a magistratura efetivamente em uma instituição nacional. Há muita informação sobre o trabalho que o CNJ está fazendo. E o conselho pode e deve continuar a fazer. É que todo mundo quer. Há muita gente séria na magistratura. Só acho que a exposição não é boa para ninguém. Não é boa para o conselho, para o juiz ou desembargador que eventualmente está sendo investigado, e para a sociedade, que fica desacreditada. É possível atuar da mesma maneira com pouco mais de respeito à instituição. Quando as notícias são diariamente ruins, fico preocupado com o imaginário popular sobre o juiz brasileiro, que, bem ou mal, é a última fronteira de Justiça. Não vejo motivo para essa exposição. Mas não tenho dúvida de que o CNJ está agindo assim porque realmente as corregedorias nos estados ao longo dos 50 últimos anos colaboraram para isso. A ausência das corregedorias estaduais acabou desaguando no que está acontecendo hoje. Eu espero que os acontecimentos sirvam para que possamos evoluir.
ConJur — O Ministério Público corre o risco de passar por uma situação semelhante?
Marcelo Buhatem —
O Ministério Público tem outra estrutura, não é poder, apesar de alguns dizer que é o quarto poder. O magistrado nada pode fazer, a não ser dar aula. A rigor, nem síndico ele pode ser. O CNJ sempre teve um foco maior, melhor orçamento, melhor sede. Oo conselho do MP preserva mais o membro. As notícias sobre promotores afastados acabam não sendo divulgadas ou são de forma muito tênue. Mas o CNMP está trabalhando, sem esses holofotes todos. Talvez porque a imprensa não cubra de forma adequada, prefira cobrir o CNJ.
ConJur — Órgãos administrativos, como fisco, CNJ e Coaf podem quebrar sigilo?
Marcelo Buhatem —
Quando estava no Ministério Público, a discussão era se o MP podia ou não quebrar o sigilo. O MP queria quebrar o sigilo dentro de uma investigação dando às partes o direito de defesa e, em diversas decisões, isso foi negado. O Ministério Público tinha que requerer a quebra de sigilo bancário e fiscal. Diante disso, não posso achar que, hoje, a quebra de sigilo possa ser feita sem decisão judicial. Vivemos em um regime democrático, mas não podemos esquecer o nosso passado. Hoje, temos garantias. Então que se passe pelo Judiciário.
ConJur — A partir do momento em que os juízes passam a se ver na iminência de ter seus sigilos quebrados, eles terão mais preocupação em relação às garantias que todo cidadão tem?
Marcelo Buhatem — Nós sempre tivemos a preocupação de promover e de deferir a quebra lastreada em fortes argumentos. O juiz brasileiro está preparado para ser investigado, não tem o que temer. A gente trabalha muito, há um crescimento exponencial da distribuição dos processos. Em um tribunal grande como o do Rio de Janeiro — somos 180 desembargadores — há uma diluição do poder. O tribunal está muito mais aberto do que no passado. O que mais nos preocupa no CNJ não é a investigação e nem a exposição. Grave é tocar em ato judicial. Isso a Constituição proíbe.
ConJur — O CNJ andou suspendendo algumas execuções...
Marcelo Buhatem
No meu entender, isso é inconstitucional. Eu fazia parte da comissão do Ministério Público que acompanhava a reforma constitucional e as emendas; participei das conversas com os deputados. Na primeira minuta de criação dos conselhos, havia a possibilidade de eles interferirem em decisões judiciais, o que foi retirado. O Ministério Público, que era a favor dos conselhos, sustentou que o item feria a autonomia e a independência do membro do Ministério Público e do Judiciário. Eu acho que o conselho teria condições de atuar nessa seara de outra maneira.
ConJur — Como?
Marcelo Buhatem
Dar à parte a oportunidade de recorrer ao Judiciário para cassar uma decisão. O Conselho podia ingressar como terceiro interessado e ir ao Supremo pedir uma liminar imediata ou ir ao juízo da causa pedir a suspensão. Mas não suspender administrativamente. Nunca. Dar cunho judicial a ato administrativo, no meu entender, não é conveniente.

domingo, 10 de junho de 2012

BANCOS PRECISAM ENTENDER INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

São poucas as oportunidades que os bancos têm de se defender de acusações de danos causados a consumidores. Uma delas, e talvez a mais importante, é provar que o defeito em determinado serviço não existe, conforme descrito no artigo 14, parágrafo 3º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). É a aplicação da inversão do ônus da prova pela lei, segundo explicação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça
Para o ministro, este critério é “importantíssimo”, mas, mesmo depois de 22 anos da edição do CDC, muitos ainda não o entenderam. Ele explica que a lei traz uma exceção à regra geral do ônus da prova. Se o Direito Civil prega que o dever de provar é de quem alega, no caso da lei do consumidor, essa obrigação passa a ser do prestador de serviços, objetivamente.
Isso quer dizer, ensina o ministro, que cabe ao banco provar ao tribunal que o defeito contratual alegado pela vítima não existe. E o dano, portanto, não foi causado. É a chamada inversão do ônus da prova ope legis, pois a própria lei já determina a mudança, disse Sanseverino durante o Congresso Internacional de Direito Bancário, promovido na segunda-feira (4/6) pelo Instituto Nacional de Recuperação de Empresarial (Inre).
O caso do parágrafo 3º do artigo 14 do CDC é semelhante ao do artigo 12, parágrafo 3º, incisos I e II. Ambos os dispositivos determinam a inversão do ônus da prova quando alegada a inexistência do defeito. A diferença é que o primeiro trata de contratos de prestação de serviço. O segundo, da aquisição de produtos.
O legislador e o julgador
O que os bancos ainda não entendem, segundo o ministro Paulo de Tarso, é a diferença entre o que diz a jurisprudência do STJ e o que diz a lei. O tribunal atribui às instituições financeiras a responsabilidade objetiva por danos morais eventualmente causados a clientes. Ou seja, não é preciso provar a existência de culpa ou dolo nos casos de defeitos decorrentes da relação de consumo.
Essa interpretação é dada ao artigo 6º, inciso VIII, do CDC. A norma estabelece como “direito básico do consumidor” “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
É o trecho “a critério do juiz” que faz toda a diferença na questão. Ao contrário do artigo 14, neste caso a inversão do ônus da prova depende do entendimento de quem julga. É a inversão ope judicis, pois, em vez de decorrer da própria lei, depende de determinação do juiz.
Precedente
A questão foi abordada recentemente pelo STJ, em duas decisões do próprio ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Na primeira delas, no Recurso Especial 802.832, do ano passado, fixou o entendimento de que, no caso da inversão ope judicis, a decisão do juiz deve ser sempre fundamentada, assegurando os princípios do contraditório e da ampla defesa. A inversão, portanto, deve ser jusitificada.
Em outra decisão, de abril deste ano, Sanseverino afirma que, se a lei já determina que o encargo de provar a inexistência do defeito é do prestador de serviço (ou do fornecedor), não há necessidade de fundamentação. Basta aplicar a lei. Decidiu no REsp 1.168.775.
Ele explica a raiz da interpretação. No voto de abril, o consumidor sempre teve dificuldades em provar “os fatos constitutivos de seu direito”. “A vulnerabilidade do consumidor, no mercado massificado das relações de consumo em geral, sempre constituiu um enorme obstáculo a que ele obtenha os elementos de prova necessários à demonstração de seu direito.”

sábado, 9 de junho de 2012

MARCIO THOMAZ BASTOS - diz que mídia faz publicidade opressiva sobre o STF

A imprensa vigia e fiscaliza o poder e as instituições, mas foge do seu papel quando passa a fazer publicidade opressiva — o tipo de pressão irresistível que força a Justiça a decidir não em conformidade com as leis, mas com os desígnios da mídia.
O raciocínio é apresentado pelo ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, no programa Ponto a Ponto, da emissora de TV por assinatura BandNews, que vai ao ar às 24h deste sábado (8/6), com reprise às 20h30 de domingo. A entrevista com o ministro foi feita pela jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, e pelo cientista social Antonio Lavareda, autor do livro "Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais" e coordenador da obra "Como o eleitor escolhe seu prefeito: campanha e voto nas eleições municipais".
Um dos mais respeitados advogados do país, Thomaz Bastos defende um dos réus do chamado “caso do mensalão”: o ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado e, mesmo com sua vasta experiência, diz que poucas vezes viu um fenômeno nessas proporções de pressão sobre o Judiciário.
Este será também um caso inédito em outro aspecto. É a primeira vez que o Supremo Tribunal Federal dispõe-se a promover julgamento com efeitos diretos sobre disputa eleitoral — o que a Corte sempre evitou, sem esconder o fundamento.
Os advogados, que defendem os réus do mensalão, se pronunciaram sobre a dinâmica de julgamento assim que foi anunciado a data para o início dos trabalhos em agosto. Os criminalistas têm comunicado à imprensa, desde então, a preocupação com a ordem das sustentações e o tempo dedicado a elas, considerado exaustivo e contraproducente na visão da maioria deles. "Uma coisa é ouvir debates em um júri. Outra é ouvir sustentações orais, uma atrás da outra. Quando chega a vez do quarto ou quinto advogado, ninguém mais presta muita atenção", disse o criminalista Márcio Thomaz Bastos à Folha de S. Paulo.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Súmula do STJ sobre execução contraria princípio da boa-fé

Por Frederico J. C. Ramos





Desde a publicação da Súmula 375, em março de 2009, aguardei esperançosamente que os eminentes Ministros do Superior Tribunal de Justiça cancelassem ou, no mínimo, modificassem o conteúdo da orientação sumulada, se não sponte sua ao menos pela abordagem de diversos recursos especiais que haveriam de ingressar – e por certo ingressaram – naquela Corte tendo como pano de fundo situações práticas que demonstram a incorreção do pensamento esposado na súmula em questão.




Como, passados três anos, o absurdo entendimento continua a viger em que pese alguns julgados do próprio STJ contradizerem a regra sumulada e o legislador, no projeto do novo Código de Processo Civil, decretar a sua morte, resolvi escrever estas mal traçadas linhas sobre o tema, na esperança – sim, continuo esperançoso – de encontrar apoio para realizar uma campanha para expurgar do meio jurídico a indigitada súmula com base nos argumentos a seguir expostos.



Diz a súmula que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.



Como não é difícil de observar, o conteúdo da orientação revela uma situação clara em relação à fraude: a presunção de sua ocorrência é absoluta se houver registro da penhora; em não havendo, a presunção é relativa, impondo ao credor o ônus da prova de que o adquirente agiu com má-fé.



Agora, vejamos o que dispõe o artigo 593 e seus incisos, do Código de Processo Civil vigente:



Art. 593 Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:



I- quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II- quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III- nos demais casos expressos em lei.



Os trechos em destaque permitem constatar, com a mesma facilidade antes apontada em relação à súmula, que a lei – ora, a lei – considera presumida a existência da fraude se, na data da alienação ou oneração do bem, já estiver em curso ação contra o alienante capaz de reduzi-lo à insolvência. E a presunção, aqui, é absoluta.



A par disso, a existência de ação distribuída em foro judicial deixou de ser considerada pela jurisprudência bastante para ter-se por caracterizada a fraude, exigindo-se, primeiro, a citação do réu/devedor antes da data da alienação do bem; depois, que além da citação também a penhora seja realizada e, por fim, diante da redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC pela Lei nº 11.382/2006, que a penhora receba “a respectiva averbação (na verdade, registro) no ofício imobiliário” de forma a estabelecer a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros”.



Bem se vê que, malgrado a alteração efetivada pela lei federal acima citada em nada referir à penhora como condição para o reconhecimento da fraude, estabelecendo apenas que a penhora é considerada perfeita e acabada com o registro na matrícula do imóvel e o próprio Código de Processo Civil fixar que a execução, salvo no caso de concurso universal, “realiza-se no interesse do credor” (art. 612), ao longo do tempo o entendimento sobre o significado da hipótese delineada no inciso II do artigo 593 foi modificado curiosamente sempre em prejuízo do exequente.



Não bastasse, a edição da súmula n. 375 pelo Superior Tribunal de Justiça também ignorou os comandos processuais citados, assentando entendimento contrário à lei federal, o que, bom que se lembre, constitui ilícito que a Corte Superior foi criada exatamente para combater.



Algumas vozes levantaram-se contra essa orientação sumulada. Uma delas foi a do advogado Rafael Mariano, em artigo veiculado no Jornal “Valor Econômico”, edição de 13 de janeiro de 2011, oportunidade em que o mesmo discorreu, com propriedade, que “privilegiar o devedor alienante e o terceiro adquirente com a presunção de que agiram de boa-fé, traz dentre outras consequências, insegurança jurídica”.



O princípio da segurança jurídica constitui um dos principais pilares de sustentação do nosso ordenamento jurídico e deve, por isso mesmo, servir de norte para a formação de jurisprudência em qualquer nível. O entendimento contido na súmula, porém, vai em direção contrária, pelo que assiste inteira razão ao articulista quando o qualifica como exemplo de “marcha-ré (sic) processual”.



Eu vou mais além, pois tenho comigo que a egrégia Corte Superior de Justiça, cuja função precípua é a de velar pela obediência aos mandamentos contidos em leis federais, criou uma aberração jurídica ao editar a súmula objeto deste ensaio, na medida em que seu conteúdo consegue, a um só tempo, afrontar disposições de uma lei federal, violar o princípio da segurança jurídica e - o que para mim é o pior dos defeitos - ignorar até mesmo o mais necessário dos sentidos que deve acompanhar os magistrados no momento de uma decisão: o bom senso.



Tais vícios maculam o entendimento sumulado em seu todo, isto é, tanto quando ele vincula a presunção absoluta da fraude à execução ao momento do registro da penhora, porque não é isso o que diz a lei, quanto na parte em que, invertendo os valores, atribui ao credor o ônus da prova da má-fé do adquirente.



A primeira parte é uma flagrante contradição ao que estabelece o art. 593, inciso II do CPC, pois tal dispositivo, conquanto refira a “fraude à execução”, estabelece que a existência de “demanda” – portanto, qualquer ação judicial, não se exigindo que ela seja, necessariamente, executiva – em curso contra o alienante no momento da alienação, com capacidade para torná-lo insolvente, é suficiente para caracterizar a fraude.



Neste sentido:



PROCESSUAL CIVIL – FRAUDE À EXECUÇÃO – DEMANDA PENDENTE – AGRAVO PROVIDO. Para que se configure o primeiro pressuposto da fraude à execução, basta a existência de demanda pendente. Qualquer demanda, seja em processo de conhecimento, seja em processo de execução. A citação para a demanda, portanto, é o bastante à configuração do primeiro pressuposto. (TJPR, 6ª Câm. Civ., AI 545520, Rel. Des. NEWTON LUZ, j. 23/04/1997) (grifo nosso)



Todos os operadores do direito sabem que a penhora é uma forma de constrição judicial cujo alcance torna imprescindível um processo de execução de título extrajudicial ou um processo de conhecimento em fase de execução da sentença, vale dizer, um título judicial.



E sabem também que, se na execução fundada em título extrajudicial a efetivação de uma penhora “completa e acabada” com o registro já não é uma missão das mais fáceis para o credor, na execução de um título judicial, obtido no mais das vezes após longo percurso na fase de conhecimento, essa missão encontra ainda maiores obstáculos, dentre eles um para o qual o credor não contribui em nada: a lentidão da Justiça.



Ora, estabelecer o registro da penhora como requisito para o reconhecimento da fraude à execução, além de tornar essa tarefa, que já era muito difícil, praticamente impossível, acaba por penalizar injustamente o credor pela deficiência do Poder Estatal, além de afrontar diretamente as disposições contidas não em um, mas em dois dispositivos da lei processual vigente (arts. 593 e 612), causando espécie, por isso, que até hoje o entendimento sufragado na súmula em debate não tenha sido modificado.



O mesmo se pode dizer em relação à idéia de atribuir ao credor o ônus de provar a má-fé do terceiro adquirente como requisito para se reconhecer que a alienação do bem constrito se deu em fraude da execução, com o acréscimo de que, no ponto, a falta de bom senso dos idealizadores da súmula é ainda maior.



É certo que a boa-fé se presume e que a orientação sumulada está baseada nesse princípio. Não menos certo, porém, é que aquela é uma presunção relativa e, como tal, passível de ser afastada por uma realidade contrária à idéia nela estabelecida. Até aí, nada de novo.



O impensável, quando o litígio diz com embargos de terceiro opostos, por exemplo, pelo comprador de um bem imóvel cujo negócio vem representado por instrumento particular não registrado na matrícula imobiliária ou só registrado depois do registro de uma penhora, está na imposição ao credor da obrigação de provar que o adquirente agiu com manifestação volitiva voluntária que se afasta do normal.



É mister dos mais inglórios invadir o íntimo de alguém para estabelecer que o ato por ele praticado é resultado da vontade de causar prejuízo à outrem. Prova disso se encontra na seara criminal, onde a impossibilidade de provar a intenção do agente não o isenta de responsabilidade quando, mesmo não desejando o resultado alcançado, ele assume o risco de produzi-lo ao praticar o ato, lembrando que nem sempre a violação de uma regra legal decorre de uma ação, podendo resultar também de uma omissão, senão dolosa, ao menos culposa.



No âmbito civil não há de ser diferente. Quando alguém adquire um bem imóvel sem adotar mínimas cautelas que lhe garantam segurança no negócio, como quando não exige do alienante que lhe forneça certidões negativas comprobatórias da inexistência de demandas em curso com condições de onerar o imóvel negociado e, mesmo podendo, não registra o contrato particular, ele(ela) não pode, à evidência, ter sua conduta qualificada como de boa-fé.



Não pode, mas infelizmente tem. É a diferença entre o “ser” e o “dever ser”.



É que, consoante se tem observado em algumas decisões proferidas sem a observância do bom senso, nos embargos de terceiro opostos com o objetivo de livrar bem imóvel da penhora levada a efeito em ação contra o alienante a omissão (mesmo negligente) do adquirente, ainda que provada nos autos, não tem sido suficiente para se reconhecer que a alienação é viciada pela fraude, por se exigir, igualmente, prova de que essa omissão foi voluntária, para assim caracterizar o consilium fraudis.



Tudo em nome do entendimento de que a boa-fé se presume.



No entanto, cerca de um ano e meio depois da edição da indigitada Súmula 375, a Ministra Nancy Andrighi, Relatora do RMS 27.358/RJ proferiu voto onde deixou assentado o seguinte pensamento:



De fato, a boa-fé do terceiro adquirente deve ser protegida, mitigando-se a incidência da norma que lhe estende os efeitos da coisa julgada, mas apenas quando for evidenciado que sua conduta tendeu à efetiva apuração da eventual litigiosidade da coisa adquirida. Em outras palavras, há uma presunção relativa de ciência do terceiro adquirente acerca da litispendência, cumprindo a ele, nos termos do art. 333 do CPC, demonstrar que adotou todos os cuidados que dele se esperavam para a concretização do negócio, notadamente a verificação de que, sobre a coisa, não pendiam ônus judiciais ou extrajudiciais capazes de invalidar a alienação.



...



À hipótese dos autos também se aplica a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que tem por fundamento a probatio diabólica, isto é, a prova de difícil ou impossível realização para uma das partes e que se presta a contornar a teoria da carga estática da prova...



...



Aplicando-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova à hipótese específica da alienação de bem litigioso, conclui-se que o terceiro adquirente reúne plenas condições de demonstrar ter agido de boa-fé, enquanto que a tarefa que incumbiria ao seu adversário, de provar o conluio daquele com o alienante, se mostra muito mais árdua.



A leitura dos trechos em destaque permite a qualquer um verificar a flagrante contradição entre o que neles se expressa e a orientação sumulada, no que respeita a quem cumpre provar se o adquirente do bem litigioso agiu ou não imbuído de boa-fé.



É evidente que o terceiro adquirente tem condições plenas de demonstrar a boa-fé na sua conduta, bastando-lhe simplesmente apresentar as certidões negativas de praxe, atualizadas, tanto em relação ao alienante quanto ao imóvel. É prova positiva, de fácil produção.



No mesmo acórdão há, ainda, manifestação eivada do mais puro bom senso – ainda bem – lecionando que:

... é impossível ignorar a publicidade do processo, gerada pelo seu registro e pela distribuição da petição inicial, nos termos dos arts. 251 e 263 do CPC, na hipótese de venda de imóvel de pessoa demandada judicialmente, ainda que essa circunstância não esteja averbada na matrícula.

...

Diante dessa publicidade, o adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a existência de processos envolvendo o vendedor, dos quais possam decorrer ônus (ainda que potenciais) sobre o imóvel negociado.

...



Nesse contexto, cabe ao comprador provar que desconhecia a existência de ação em nome do vendedor do imóvel, não apenas em decorrência da exigência do art. 1º da Lei nº 7.433/85, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que adota mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição.



De se informar, para os que eventualmente não saibam, que o projeto de lei que visa modificar o Código de Processo Civil traz o art. 749, que repete em parte o atual art. 593 mas apresenta, em seu parágrafo único, uma inovação de cunho mandamental, in verbis:



Art. 749 Considera-se fraude à execução a alienação ou oneração de bens:

...

IV - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

...



Parágrafo único. Não havendo registro, o terceiro adquirente tem o ônus da prova de que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.



Pouco é preciso, senão mais do que a simples leitura dos textos apresentados, para se alcançar conclusão no sentido de que a súmula 375 contém orientação absurda que não convence nem mesmo a alguns ministros do próprio STJ - a ilustre Relatora, Ministra Nancy Andrighi, foi acompanhada pelos ilustres Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino -, além do que ofende a lei vigente e a que está por vir, ignora o bom senso e atenta contra o princípio da segurança jurídica.



Fica então a pergunta: O que será necessário acontecer para que os senhores Ministros do egrégio Superior Tribunal de Justiça reconheçam o equívoco em que incorreram e revoguem a súmula nº 375 de uma vez por todas?