quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O mensalão e a dificuldade de aplicar penas no Brasil


O STF enfrenta a partir desta semana, talvez, a questão mais complexa no julgamento do mensalão, que consiste na atividade de aplicação da pena. Não que tal tarefa seja difícil para o julgador, mas em razão, sobretudo, da possibilidade de penas baixas em regime aberto, com o cumprimento em casa, além da substituição da prisão por penas restritivas de direito, sem afastar as chances de prescrição. 
O risco anunciado decorre das regras existentes no Código Penal brasileiro, atreladas à política da pena mínima.
Com relação ao Código Penal, as penas aplicadas não superiores a 4 anos de ‘prisão’ possibilitam: regime aberto (na prática, cumprimento da pena em casa); substituição da pena de prisão por penas restritivas de direito nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa (prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana).
Se a pena aplicada for superior a 4 anos e não maior do que 8 anos, para um condenado não reincidente, haverá a possibilidade de dormir na ‘prisão’ e trabalhar fora (regime semi-aberto). No caso de condenação a uma pena superior a 8 anos, o condenado ficará preso na penitenciária, pelo menos, por um período de 1/6 do total da pena, nos crimes não hediondos.
No que se refere à política da pena mínima, observa-se a sua presença em muitas condenações penais no Brasil, em razão da valoração inadequada do artigo 59 do Código Penal. Esse exame precário faz surgir uma sanção, na primeira fase, no valor mínimo previsto na lei. Com isso, o condenado cumpre a pena num regime inicial mais benéfico do que merece e, por sua vez, ainda pode receber a substituição de pena privativa por penas restritivas.
É importante alertar, a título de ilustração, que a pena prevista para o crime de corrupção passiva, um dos mais citados no julgamento do mensalão, é de 2 a 12 anos de prisão, com a possibilidade de aumento de 1/3 (artigo 317, §1º do CP). A corrupção ativa também possui previsão de sanção de 2 a 12 anos de prisão (artigo 333 do CP). A quadrilha simples possui pena de 1 a 3 anos (artigo 288 do CP).
Vale ressaltar, ainda, que um réu condenado por vários crimes iguais não terá, necessariamente, as suas penas somadas, pois existe um instituto chamado continuidade delitiva, o qual, em linhas gerais, permite a aplicação da pena de um só dos crimes, aumentada de 1/6 a 2/3, impedindo a soma das condenações. Por exemplo, um réu condenado por 10 crimes, com penas de 2 anos cada, não receberá automaticamente uma condenação de 20 anos de prisão, mas poderá receber 2 anos mais 2/3, ou seja, uma pena final de 3 anos e 4 meses de prisão no regime aberto, que poderá ser substituída por duas penas restritivas.
Com esses dados, pode-se inferir que a condenação de réu não reincidente que não ultrapassa 4 anos, por crime cometido sem violência e grave ameaça à pessoa, não gera prisão, pois é substituída por penas restritivas em razão da carência de exame adequado do artigo 59 (artigo 44, III).
No caso específico do julgamento do mensalão, a valoração adequada do artigo 59, principalmente do item ‘motivos’, se mostra imprescindível para afastar a pena do mínimo legal, evitando o seu cumprimento em casa e impedindo a substituição por penas restritivas.
Não se pode olvidar, por fim, que a pena base superior ao mínimo previsto na lei impedirá a prescrição, uma vez que a denúncia foi recebida em agosto de 2007 e, portanto, eventual pena de 2 anos geraria prescrição remetida a agosto de 2011 (artsigos 109 e 117 do CP). É fundamental lembrar que a prescrição é contada com suporte na pena isolada de cada crime e não com base no todo resultante da soma. Dessa forma, uma pena de 6 anos resultante da condenação por três crimes, com pena de 2 anos cada, terá prazo prescricional de 4 anos, o qual é contado com base na pena de 2 anos (artigos 109 e 119 do CP).
Não se defende aqui um julgamento de exceção, mas, apenas, uma adequada avaliação dos mecanismos legais existentes. Toda a fundamentação para exasperar a pena em qualquer de suas fases de aplicação deve ser extraída dos autos, não pode se apoiar na emoção midiática ou popular.
Tomara que o STF, do mesmo modo que compreendeu muito bem, até agora, a necessidade de construir uma interpretação jurisprudencial consentânea com a realidade do direito penal econômico - o qual não se submete à teoria do crime tradicional, formatada no contexto de proteção exclusiva de bens jurídicos individuais - possa também avançar na avaliação adequada da pena, seguindo a súmula 719 da Corte. Desse modo, o julgamento do mensalão, no que se refere à aplicação da pena, servirá de paradigma às futuras decisões judiciais penais de todo o Brasil.

Dermeval Farias Gomes Filho é promotor de Justiça do MPDFT e professor de Direito Penal da Fundação Escola Superior do MPDFT.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Duplicata pode ser protestada na praça do título

O protesto extrajudicial de duplicatas não precisa ser feito na praça de domicílio do devedor ou onde ocorriam as operações mercantis. Pode ocorrer na praça de pagamento constante do título. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu ainda que o dever de cancelar esse protesto depois do pagamento é do devedor.
O ministro Luis Felipe Salomão explicou que, quanto ao local de pagamento, não se aplica a Lei 9.492/97, que trata dos protestos de títulos em geral, mas a Lei 5.474/68, que aborda especificamente da duplicata. “Com efeito, não é no domicílio do devedor que deve ser tirado o protesto, mas sim na praça de pagamento constante do título”, afirmou.
Já quanto ao cancelamento do protesto, a jurisprudência do STJ afirma que a lei faz referência ao fato de “qualquer interessado” poder solicitá-lo, mas entende que o maior interesse é do devedor, cabendo a ele o ônus do cancelamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1015152

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Os reflexos do julgamento do mensalão pelo Supremo

Encaminha-se para o final o mais célebre julgamento do STF das últimas décadas, quiçá de toda sua história. Conhecido como “Mensalão”, vem sendo acompanhado pela sociedade brasileira de perto. E, neste particular, impõe-se reconhecer, a exibição pela TV Justiça e o papel da mídia foram decisivos.
Muito se falará deste julgamento. Teremos reportagens, livros. A internet deixará para a eternidade todos os seus passos. Antevejo mestrandos de 2030 elaborando dissertações sobre a matéria. Seminários em 2040 discutindo o Judiciário do Brasil de 2012. A sociedade dará o seu veredicto e nele não só os denunciados serão julgados, mas também o sistema político destes dias, o comportamento da mídia e os próprios julgadores, pelos votos que proferiram.
Poucos se dão conta, mas estamos vivendo momento histórico. Feitas estas observações, vamos ao foco desta coluna: os reflexos, efeitos e consequências do julgamento da ação penal originária 470 do STF. Vejamos:
1. O STF sai com uma imagem positiva. A Corte passa à sociedade a mensagem de independência e imparcialidade. Cala os céticos que, por diferentes formas, anunciavam o nada jurídico. E neste particular o grande mérito é de seu presidente, ministro Ayres Britto. Ao assumir a presidência, colocou o processo em pauta e conduziu o julgamento com suave e obstinada energia.
2. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, torna-se uma pessoa conhecida, admirada, por uma enorme parcela da sociedade brasileira. Concorde-se ou não com suas posições, palavras, forma de exteriorizar suas opiniões, o fato é que ele traduz o desejo de Justiça da sociedade. Sai do julgamento com o mais elevado nível de popularidade possível a um magistrado.
3. Os ministros do STF passam a ter a experiência da primeira instância. Após a colheita de provas pelo Relator, no julgamento todos os ministros passaram a manifestar-se sobre pedidos diversos, questões de ordem, dosagem de penas (sabendo que delas depende o reconhecimento da prescrição), e logo em seguida decidindo embargos infringentes (de discutível cabimento, face àLei 8.038/1900) e muitos embargos de declaração. Enfim, tudo aquilo que faz parte da rotina das Varas Criminais de todo o país, mas não da realidade dos Tribunais. Esta novidade pode alterar a visão dos ministros sobre o processo penal e a reformulação de posições nos futuros julgamentos.
4. O regime de cumprimento da pena será fixado pelo STF (Cód. Penal, art. 589, III). Nos termos do art. 33 do Cód. Penal, a pena de prisão será cumprida em regime fechado se superior a 8 anos. Os que receberem sanção de 4 anos e 1 dia a 8 anos iniciarão o cumprimento em regime semi-aberto, ou seja, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Os apenados até 4 anos poderão cumpri-la em regime aberto, o que significa conseguir a substituição por penas restritivas de direitos (´p. ex., prestação de serviços à comunidade), pernoitando em estabelecimento prisional e nele passar os fins-de-semana (p. ex., casa do albergado).
5. A execução das penas será feita nos Juízos da Execução e não pelo STF. Será o juiz de primeira instância do local em que os condenados tenham domicílio e onde deverão cumprir a pena que analisará eventuais requerimentos de substituições, de progressão no regime de cumprimento, aplicação de indulto e outros incidentes da execução.
6. A pena de multa não deve ser levada a sério. É que se o condenado não pagá-la em 10 dias, ela será inscrita como dívida ativa e cobrada em uma das Varas de Execução Fiscal. Aí o condenado, se não tiver bens, não sofrerá nenhuma sanção. E se tiver e forem penhorados, poderá discutir a dívida por 10 ou mais anos.
7. A prescrição pela pena aplicada poderá beneficiar alguns condenados. Ela se conta por cada crime e não pela soma das condenações. Assim, por exemplo, se a condenação por corrupção passiva, prevista no art. 317 do Código Penal, cuja pena mínima até 12.11.2003 era de 1 ano (a Lei 10.763 elevou-a para 2 a 12 anos), for estabelecida em até 2 anos, prescreverá em 4. Como a ação penal tramita há cerca de 6 anos, será reconhecida a prescrição. Mas, se o fato for posterior a 12.11.2003, será aplicada a lei nova, mesmo tendo o crime tido início antes (Súmula 711do STF). Daí, basta que seja fixada em 1 dia a mais para não ocorrer a prescrição. Pelo mesmo raciocínio, vê-se que os crimes de quadrilha, cuja pena mínima é de 1 ano, terão grande possibilidade de prescrever (exceto para os chefes, se reconhecida a agravante do art. 62, I do CP). Os de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, cuja sanção parte de 3 anos, dificilmente prescreverão.
8. Para os que estiverem exercendo cargo, função pública ou mandato eletivo, poderá ser decretada a perda do cargo (Cód. Penal, art. 92). Se a pena privativa de liberdade for superior a 1 ano, será preciso que o STF assim decida explicitamente quando for lavrado o acórdão. Mas se a pena imposta for superior a 4 anos, a perda será automática. Nada precisa ser dito. Caberá posteriormente, ao Juiz da Execução, comunicar a quem possa demitir o detentor do cargo. Por exemplo, se for um prefeito, será expedido ofício ao presidente da Câmara de Vereadores.
De todo o exposto, deve ser lembrado que prescrições serão reconhecidas e regimes prisionais mais favoráveis ao condenados serão concedidos (p. ex., regime semi-aberto). Isto não deve ser visto pela sociedade como complacência dos julgadores da ação penal ou dos juízes que vierem a executar a pena. É que assim é a legislação brasileira e os condenados deste caso têm o direito de receber tratamento igual aos condenados em outros processos criminais.
Em suma, o julgamento da Ação Penal 470 é um divisor de águas no sistema judicial brasileiro. Não é um “julgamento de exceção”, mas sim um elemento a mais na transformação do Estado brasileiro, que vem editando leis mais favoráveis à sociedade (p. ex., a responsabilidade por improbidade administrativa e a da “ficha limpa”) e punindo desvios de detentores de cargos elevados (p. ex., aposentadoria compulsória de magistrados). Ainda há muito a ser feito. Estas mudanças levam décadas. Mas o fato é que elas já se encontram em andamento.

sábado, 27 de outubro de 2012

EX MINISTRO DO STF E DO GOVERNO "LULA" É CITADO EM INVESTIGAÇÃO NA ITÁLIA



Veja

Ex-ministro Nelson Jobim é citado em investigação na Itália »





O ex-ministro da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim teve seu nome envolvido em uma investigação que está sendo realizada pela promotoria de Nápoles, na Itália. Um depoimento o apontou como uma das pessoas que supostamente receberiam uma “comissão” com a venda de embarcações italianas para o Brasil na efetivação do contrato.


 
Em entrevista ao jornal italiano La Stampa, o ex-ministro negou envolvimento com o caso: “Primeiro de tudo, nunca, nunca falamos sobre o assunto que está sendo chamado na Itália de ‘comissões’. E por uma razão muito simples. O projeto ProSuper, que previa a compra pela Marinha brasileira de uma fragata com a transferência de tecnologia, bem como navios de logística e transporte de combustível, foi interrompido”, disse. Segundo ele, foram vários os motivos para a suspensão, sendo o principal questões orçamentárias.
 


As investigações apontariam indícios de corrupção em transações internacionais da empresa Finmeccanica, que é controlada em 30% pelo estado italiano. Uma das negociações envolveria uma venda de 5 bilhões de euros para o Brasil, sobre a qual incidiria uma comissão de 11% que seria destinada ao ex-ministro italiano de Desenvolvimento Claudio Scajola, a Massimo Nicolucci (porta-voz do ministro), e a Jobim.
 


O depoimento que cita o ex-ministro da Defesa foi dado por Lorenzo Borgogni, ex-chefe de Relações Institucionais da Finmeccanica aos procuradores Vincenzo Piscitelli e Henry John Woodcock, em novembro do ano passado. Trechos do depoimento foram publicados esta semana pela imprensa italiana. Neles, Borgogni afirma que o canal entre Itália e Brasil era o ex-ministro italiano de Desenvolvimento Claudio Scajola que, mesmo não sendo o titular da pasta de Indústria, tinha boa relação com Jobim.
 


“Se eu tivesse recebido algo em torno de 225 milhões de euros, eu ainda ia passar meus dias entre papéis e tribunais?”, disse Jobim ao La Stampa. Jobim deixou o Ministério da Defesa em agosto de 2011 e voltou a trabalhar em seu escritório de advocacia em Brasília.
Fonte: Veja

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

MENSALÃO - MEMORIAL APRESENTADO DEFESA JOSÉ DIRCEU - “Cálculo da pena de Dirceu deve considerar sua história”

No cálculo das penas que serão fixadas para o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa na Ação Penal 470, o processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal tem de levar em conta a história do político. É o que defendem seus advogados, José Luís de Oliveira Lima e Rodrigo Dall’aqua, em memorial entregue aos ministros nesta semana.
“Independente de qualquer valoração política ou ideológica, é fato incontestável que José Dirceu atuou por décadas em prol de importantes valores de nossa sociedade, participando corajosamente do movimento estudantil que lutava contra o regime militar, atuando com destaque na fundação de relevante partido político e, ainda, exercendo mandatos parlamentares com grande comprometimento e reconhecimento”, afirma a defesa de Dirceu.
Tecnicamente, a defesa pede que o Supremo aplique a circunstância atenuante prevista no artigo 66 do Código Penal. De acordo com a norma, “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.
Com base em doutrina de reconhecidos estudiosos de Direito Penal, como Guilherme de Souza Nucci, René Ariel Dotti e Celso Delmanto, os advogados sustentam que a atenuante da pena prevista no artigo 66 deve ser aplicada sempre que existir uma causa de grande valor pessoal do condenado e que devem ser considerados “fatos anteriores à prática do crime” nos casos em que o réu “praticou atitudes de relevante valor social”.
Diante disso, os advogados relembram, no memorial, a trajetória política de José Dirceu. Desde 1968, quando ele foi preso em um congresso na União Nacional dos Estudantes (UNE) e banido do país pela resistência ao regime militar, até seu trabalho como deputado federal no Congresso Nacional. Dirceu foi eleito deputado três vezes.
O memorial também traz trechos de depoimentos de Aldo Rebelo, ministro dos Esportes da presidente Dilma Rousseff, e do ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro Aldo Rebelo disse que Dirceu “dedicou sua vida à luta do povo brasileiro em defesa da democracia, defesa da liberdade, pagou preço alto por isso, foi preso, foi exilado”. Lula afirmou que seu colega de partido “lutou pela democratização do Brasil, pagando com o exílio”.
A defesa também faz referência ao artigo 59 do Código Penal, segundo o qual, para a fixação da pena o juiz deve levar em conta, entre outras coisas, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente. De acordo com os advogados, a regra exige uma análise da vida pregressa de Dirceu.
Por fim, a defesa afirma que, para o crime de corrupção ativa, deve ser tomada como base a pena que varia de um a oito anos de reclusão. Isso porque em 12 de novembro de 2003, a Lei 10.763 alterou o Código Penal e aumentou a pena por este crime para a mínima de dois e máxima de 12 anos. “A estrutura narrativa da denúncia oferece uma única conclusão logicamente possível, no sentido de que o suposto oferecimento de vantagem ilícita, para todos os parlamentares, se deu em data anterior aos dias 27/08/2003 e 24/09/2003”, sustentam.
Leia o memorial.

Impera no país ambiente de hostilidade contra empresários

As micro e pequenas empresas são responsáveis por aproximadamente 70% dos postos de trabalho com carteira assinada gerados no Brasil. Nesse universo, mais de 50% das vagas são fruto de contratações em empreendimentos com até quatro trabalhadores. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho. A força desse segmento da economia brasileira poderia ser ainda maior se houvesse vontade política de facilitar a vida dos empreendedores.
Infelizmente, ainda impera no país um ambiente de hostilidade em relação a quem produz. As MPEs continuam manietadas pela burocracia e por uma legislação trabalhista retrógrada. Também são constantemente achacadas por fiscais mais interessados em lavrar multas de todos os tipos e valores do que em orientar. Não se consegue punir como se deveria os grandes atos de corrupção e pune-se com rigor exagerado quem comete deslizes ao tentar acertar.
Por mais que se tenha avançado nos últimos anos com ótimos programas como o Simples Nacional, beneficiando cada vez mais setores, o Refis, para refinanciamento de dívidas e recuperação fiscal, e o Micro Empreendedor Individual, de estímulo à formalização, não estamos conseguindo criar um ambiente econômico menos burocrático e propício à iniciativa privada. Talvez falte um pacto entre os Poderes na guerra contra a burocracia em nível federal, estadual e municipal.
Reunir toda a documentação para se abrir uma empresa pode levar até 119 dias, contra uma média de 12 dias em países mais avançados. Na melhor das hipóteses, em casos mais simples, o processo aqui demanda 49 dias, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O custo médio para a abertura é de R$ 2.038, mas varia muito de um Estado para outro. É três vezes mais do que se gasta na Rússia, Índia, China e África do Sul, que com o Brasil compõem o grupo do Brics.
Em alguns estados já funciona o Projeto Integrar, lançado em setembro, que consiste em um cadastro unificado entre os diversos órgãos envolvidos no processo de abertura da empresa. A expectativa é que, a partir do segundo semestre de 2013, já se consiga abrir uma empresa em até dez dias por meio do recolhimento de todos os documentos necessários por um único local, já batizado de one stop shop.
A burocracia é a mesma ou ainda mais dura na hora de fechar a empresa. Por isso é bem-vindo o Decreto 58.451 recém-publicado pelo governo paulista, que facilita o fechamento de micro e pequenas empresas. Os optantes do Simples Nacional, por exemplo, estão dispensados de enviar ou apresentar uma série de documentos para obter a baixa da inscrição cadastral. O pedido feito por meio eletrônico passará a ser homologado automaticamente. O decreto já saiu com a promessa de estender essa desburocratização às demais empresas.
Em relação às questões tributárias, se a situação melhorou bastante para as MPEs, com o Simples Nacional, ela é angustiante para o universo das empresas. Somente para reunir dados, calcular valores devidos e preencher documentos relativos aos principais tributos, uma empresa brasileira de médio porte gasta 2.600 horas por ano, ou seja, 108 dias. A Suíça demanda 15 horas e o Chile, 316. Nesse quesito, estamos na última colocação entre 183 países listados pelo Banco Mundial.
Nos níveis federal, estadual e municipal, surgiram nos últimos 24 anos cerca de 30 novas normas por dia. Foram 290.932 desde a Constituição de 1988, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário — 171.723 municipais, 89.461 estaduais e 29.748 federais.
Tem razão Gustavo Franco ao afirmar para a revista Exame que “instituições arcaicas fazem do país das oportunidades um inferno para investidores, empreendedores e trabalhadores”. Haja heroísmo.

Glauco Pinheiro da Cruz é consultor e diretor do Grupo Candinho Assessoria Contábil.

EXCESSO DE PRESOS PROVISÓRIOS

Especialistas advertem para o número excessivo de presos provisórios no país

Segundo o CNJ, quatro de cada dez presos são mantidos encarcerados no Brasil sem julgamento definitivo

Publicado em 26/10/2012, às 15h46

Da Agência Brasil

A deputada Érica Kocay participa do seminário Prisão Provisória e Seletividade: debate sobre seu uso contemporâneo, no Conselho de Justiça Federal para discutir sobre a banalização da prisão provisória  / Foto: Elza Fiúza/ABr

A deputada Érica Kocay participa do seminário Prisão Provisória e Seletividade: debate sobre seu uso contemporâneo, no Conselho de Justiça Federal para discutir sobre a banalização da prisão provisória

Foto: Elza Fiúza/ABr

O número excessivo de presos em situação provisória, ou seja, sem que estejam definitivamente condenados pelo trânsito em julgado do processo, comprova que prevalece no país uma “lógica do encarceramento”, segundo a opinião de especialistas reunidos no seminário Prisão Provisória e Seletividade, que está sendo realizado nesta sexta-feira (26) na sede do Conselho da Justiça Federal, em Brasília.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), organizador do evento junto com o Ministério da Justiça e a Rede Justiça Criminal, quatro de cada dez presos são mantidos encarcerados no Brasil sem julgamento definitivo, equivalentes a 40% da população carcerária brasileira, que é de aproximadamente 500 mil detentos.
Os dados apresentados durante o seminário apontam que muitos dos crimes praticados por encarcerados em prisão cautelar não oferecem grave ameaça à sociedade, a exemplo de pequenos furtos, depredação de patrimônio e brigas, entre outros.
Participaram do evento, cujo objetivo foi debater alternativas para o uso abusivo da prisão provisória no país, magistrados, advogados, policiais e representantes de organizações da sociedade civil, do Judiciário, do Congresso Nacional e do governo federal.
“Há no Brasil, um excessivo número de presos provisórios. É preciso oferecer instrumentos diversos à prisão para aqueles casos em que ela não é necessária”, observou o coordenador da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Luiz Antônio Bressane.
Desde julho de 2011, com a Lei 12.403/11, os juízes têm novas opções, chamadas medidas cautelares, além da prisão preventiva, para afastar ameaças à condução do processo criminal. A lei determina também que a prisão provisória só deva ser realizada em caráter excepcional.
Entre as medidas alternativas oferecidas pela lei estão a prisão domiciliar, o monitoramento eletrônico e a proibição de viajar. Contudo, estes instrumentos não vêm sendo utilizados pela maioria dos magistrados.
Na avaliação do secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Caetano, é preciso construir um pacto interinstitucional pela melhoria do sistema carcerário brasileiro. “A situação é realmente muito ruim. Precisamos, em conjunto, buscar condições de aplicar a nova lei e avaliar se ela tem contribuído para reduzir a banalização do uso da prisão provisória no país”.
Para Flávio Caetano, muitas vezes os juízes não aplicam as medidas cautelares porque não se sentem seguros com a sua efetividade, devido à ausência de estrutura necessária para aplicar as medidas. “Nosso desafio é construir uma rede de apoio para fiscalizar a aplicação das medidas”, destaca.
A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) disse na abertura do seminário que existe um recorte definido para a população carcerária no Brasil, fenômeno que chamou de “prisão seletiva”, e que afeta a população de baixa renda, jovem e de origem negra. “O encarceramento indevido, situação da maior parte dos presos provisórios, desumaniza”, argumentou.
A opinião é compartilhada pelo assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho. Ele argumenta que a prisão provisória vem substituindo, para essa população, o lugar das políticas sociais, como saúde e educação, que permitiriam a ressocialização: “a prisão provisória acaba se convertendo numa espécie de porta giratória: eles vão e voltam”.
No Brasil, segundo o Ministério da Justiça, 273.040 mil presos não completaram o ensino fundamental, o que corresponde a mais da metade da população carcerária brasileira (63,5%). Desses, 25.319 sequer são alfabetizados.
José de Jesus defende que o Estado invista mais em políticas preventivas, principalmente no que diz respeito aos dependentes de drogas, como o crack. “A resposta que estamos dando aos problemas relacionados com a vulnerabilidade dessas pessoas é a prisão. Não dá para nós mantermos um sistema de aprisionamento em massa. É inviável”, constata.
A Rede Justiça Criminal, uma das organizadoras do evento, é integrada pelas seguintes entidades da sociedade civil: Instituto Sou da Paz; Pastoral Carcerária; Associação pela Reforma Prisional; Instituto de Defesa do Direito de Defesa; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania; Justiça Global; Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP); Conectas Direitos Humanos, e Instituto de Defensores de Direitos Humanos.

Cônjuges com advogados distintos têm prazo em dobro, mesmo sem requerimento

Cônjuges com advogados distintos têm prazo em dobro, mesmo sem requerimento
 
Mesmo que sejam cônjuges, as partes com advogados distintos têm prazo em dobro, independentemente de requerimento. O entendimento unânime é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Turma também decidiu que, acolhida exceção de incompetência, o processo permanece suspenso. O prazo para contestação só será retomado após o réu ser intimado no novo juízo.

Os ministros analisavam recursos de cônjuges que tiveram revelia declarada nas instâncias inferiores, sob fundamento de que não apresentaram contestação, limitando-se a suscitar exceções de incompetência.

No caso, o Branco Bradesco S. A. ajuizou ação contra os cônjuges, em que pedia rescisão do contrato de promessa de compra e venda de um apartamento, imissão na posse do imóvel e perdas de danos. O banco argumentou que os réus deixaram de efetuar o pagamento das prestações do bem, comprado em setembro de 1999, desde dezembro de 2000.

Ampla defesa
O casal recorreu ao STJ, alegando nulidade pela falta de intimação da redistribuição do feito. Segundo eles, ficou caracterizado prejuízo à ampla defesa e violação do contraditório. Além disso, os cônjuges sustentaram ter advogados distintos, devendo o prazo para oferecimento de contestação ser contado em dobro.

O ministro Luis Felipe Salomão julgou procedentes as alegações dos réus. O relator afirmou que, “conforme iterativa jurisprudência do STJ, a melhor interpretação a ser conferida ao artigo 306 do Código de Processo Civil, harmoniosa com o princípio da ampla defesa, é a de que, acolhida a exceção de incompetência, o processo permanece suspenso, só reiniciando o prazo remanescente para contestar após a intimação do réu acerca do recebimento dos autos pelo juízo declarado competente”.

Com base no artigo 191 do Código de Processo Civil, o ministro Salomão avaliou que os recorrentes têm prazo em dobro para oferecer contestação, enquanto permanecerem defendidos por patronos distintos, independentemente de requerimento. Em seu voto, o relator trouxe vários precedentes no mesmo sentido.

Comprador em contrato de gaveta pode embargar penhora

A compradora de um imóvel hipotecado, mesmo com contrato não registrado em cartório, pode embargar penhora para defender seus próprios direitos. A 4ª Turma chegou a essa conclusão em recurso interposto pela Caixa Econômica Federal (CEF) contra julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A Turma acompanhou de forma unânime o relator do processo, ministro Raul Araújo.
Em seu voto, o ministro considerou o entendimento do TRF-1 adequado. Ele explicou que a compradora não pretendeu substituir o mutuário na execução hipotecária, mas, com base no artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), embargou a execução para defender direito próprio por ter posse do imóvel.
“Portanto, a recorrida não deduz pretensão de substituição da parte executada na execução hipotecária, mas sim de defender direito próprio decorrente de sua condição de possuidora e adquirente/cessionária de direitos relativos ao imóvel hipotecado e penhorado”, esclareceu.
Para o relator, a compradora ajuizou ação autônoma, com pretensões próprias, por ver atingido seu direito como possuidora de um bem. O ministro Raul Araújo acrescentou que o fato de ela ou a CEF ter razão deve ser decidido no momento processual oportuno. Não há, todavia, impedimento para o embargo ser apreciado.
No caso, em novembro de 1994, a CEF ajuizou execução hipotecária contra um mutuário inadimplente. Em agosto de 1995, ele foi citado por edital e no ano seguinte o imóvel foi penhorado. A compradora alegou que havia adquirido o imóvel em setembro de 1995, por contrato de promessa de compra e venda não registrado no cartório imobiliário, o chamado “contrato de gaveta”. Ela interpôs embargos de terceiros para suspender a execução da hipoteca e impedir a desocupação.
Em primeira instância, os embargos foram extintos sem julgamento de mérito. O juiz considerou que a compradora adquiriu o bem após a citação do mutuário para a execução hipotecária e que ela deveria ter-se habilitado como assistente litisconsorcial, ou seja, como parte interessada no processo que auxilia a parte original.
Entretanto, o TRF-1 considerou que, no caso, não se aplicaria o artigo 42, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil. A regra estabelece que a alienação de coisa litigiosa não altera a legitimidade das partes no processo. O que ocorreu, para o TRF-1, foi a compra de bem posteriormente penhorado em execução contra o mutuário. Assim, o tribunal determinou a volta dos autos à origem para o prosseguimento da ação.
A CEF recorreu ao STJ. Afirmou que o artigo 42 do CPC deveria ser aplicado no caso. Também haveria dissídio jurisprudencial (julgados com diferentes conclusões sobre o mesmo tema), já que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entende que um imóvel pode ser considerado coisa litigiosa mesmo antes da penhora e que o fato de a penhora ocorrer após a transferência do imóvel não influencia na sua caracterização como coisa litigiosa. O TRF-4 também considera que a compra de bem com execução hipotecária em curso pode configurar fraude.
Segundo a CEF, a Súmula 84 do STJ não deveria ser aplicada na hipótese. A súmula permite o embargo de terceiro fundado em alegação de posse de imóveis decorrente de compromisso de compra e venda, mesmo sem registo. A Caixa apontou que a situação era outra, pois, na verdade, houve cessão de direitos de financiamento habitacional não quitado, sem a autorização da instituição financeira. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 465023

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Lei de Lavagem não sa aplica a advogado em exercício

O advogado que, no exercício da advocacia, sabendo que seu cliente pretende abrir uma offshore no Panamá para lavar dinheiro, oriundo do tráfico de drogas, presta orientações jurídicas sobre como abrir referida offshore comete o delito de lavagem de dinheiro?
O advogado que recebe e utiliza em sua atividade econômica honorários de um cliente acusado de tráfico de drogas, com conhecimento de que esses valores são provenientes do tráfico de drogas viola o inciso I do parágrafo 2° do artigo 1° da lei de lavagem de dinheiro?
Tratando-se de perguntas técnicas, para respondê-las urge estabelecer algumas premissas, de modo a afastar o senso comum, que é notoriamente incompatível com questões de cunho científico.
Prima facie, poder-se-ia afirmar que as duas condutas narradas além de imorais são criminosas. Com efeito, nos dois casos o advogado estaria se beneficiando com a desgraça alheia. Ora, se um advogado recebe 100 mil Reais de um traficante que só tem esse dinheiro em virtude da prática de crimes, então os seus honorários, ainda que de forma indireta, derivam da desgraça e da ruína do próximo. Certo é, inclusive, que o próprio Direito repudia o tráfico e a lavagem de dinheiro, tanto que essas condutas foram criminalizadas. Ante esse contexto, afirma-se que o advogado deve apenas receber valores lícitos como honorários.
Nesse sentido, o advogado só teria duas opções: ou ele só atenderia clientes inocentes cuja renda fosse manifestamente lícita, ou investigaria se os valores que lhe estão sendo oferecidos pelo traficante possuem origem lícita, considerando a hipótese de que o traficante possa desenvolver paralelamente uma atividade honesta.
Não há dúvida de que essas alternativas estão totalmente de acordo com o senso comum, e provavelmente receberiam aceitação unânime por parte do público em geral. Contudo, é perfeitamente possível sustentar que elas não apenas contrariam a ordem jurídica vigente, como violam os mais basilares princípios éticos, jurídicos e morais.
A começar pelos aspectos éticos e jurídicos, o artigo 21 do Código de Ética da OAB determina que “é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.” Embora conste no Código de Ética é fácil verificar que essa norma pode ser considerada, inclusive, como uma norma de direito fundamental atribuída[1], pois deriva do princípio da presunção de inocência.
Com efeito, se a Constituição defende a presunção de inocência, pouco importa a opinião do advogado ou de qualquer outra pessoa sobre a culpa do acusado. A culpa no direito não é constituída por meio de opiniões, ou, tão somente, a partir de dados ônticos, sendo estabelecida apenas e, exclusivamente, depois de realizado o devido processo legal, nos termos dos incisos LIV, LV e LVII do artigo 5° da Constituição Federal.
Esses dispositivos constitucionais consubstanciam princípios comezinhos do Direito, podendo-se afirmar que o legislador apenas poderia ser mais claro sobre o assunto caso viesse a se utilizar de gravuras.
Portanto, não cabe ao aAdvogado investigar se a origem dos honorários é lícita, uma vez que a licitude ou ilicitude do patrimônio de seu cliente presume-se lícita. Inclusive, de notar que a eventual ilicitude do patrimônio apenas será constituída em momento ulterior ao devido processo legal.
E isso por um motivo muito simples: a ilicitude não é um dado ontológico, mas normativo[2]. Para que algo possa ser considerado ilícito, de acordo com a ordem jurídica vigente, pelo menos dois critérios devem ser satisfeitos: deve haver uma norma de comportamento[3] descrevendo qual é a conduta ilícita, e caso existam indícios de que essa norma foi violada, uma vez realizado o devido processo legal, o Estado constitui a ilicitude por meio do reconhecimento de que a conduta praticada é ilícita. Portanto, com base na análise dos fatos institucionais desenvolvida pelo filósofo John Searle, pode-se afirmar que a sentença condenatória tem tanto natureza declaratória quanto constitutiva[4].
Sendo assim, ainda que, a partir de indícios, exista uma opinião sobre a origem ilícita do patrimônio, considerando que a ilicitude ainda não está constituída, não há como existir dolo, pois não se pode conhecer algo que ainda sequer existe!
Por outro lado, cogitar-se-ia sobre a existência ou inexistência do tipo objetivo e do dolo se a lei 9138/98 pudesse ser aplicada ao advogado quando do exercício da advocacia.
Ocorre que referida lei não se aplica aos advogados quando praticam atos vinculados ao exercício da advocacia[5]: e isso por vários motivos. Em primeiro lugar, porque o advogado é indispensável à administração da justiça[6]. A justiça, por sua vez, apenas pode ser realizada por meio do processo, ou seja, é necessário que exista defesa, acusação e julgamento. Para que isso aconteça, no entanto, é necessário que exista a presunção de inocência, e que o juiz seja o único soberano a dizer o que é e não é lícito.
Ora, se o advogado presumir, com base em sua opinião, que a origem do patrimônio de seu cliente é ilícita, então ele não está mais exercendo a função de advogado, mas a de julgador. Tão pouco pode o promotor afirmar que a origem de certo patrimônio é ilícita antes do término do processo. O que ele pode fazer é atestar a existência de indícios[7] de ilicitude.
A ordem jurídica blindou o advogado com diversas garantias, pois lhe incumbiu com o árduo ônus de defender a presunção de inocência e o devido processo legal numa sociedade formada majoritariamente por homens leigos, que julgam com base no seu senso comum e, sobretudo, a partir de preconceitos.
Como se sabe, o senso comum e os preconceitos são a principal causa da condenação de inocentes.
Ante o exposto, espera-se que a conduta de presumir a inocência do cliente não venha a ser criminalizada por meio de uma interpretação inconstitucional da lei de lavagem de dinheiro.
Do contrário, a ordem jurídica pátria será transformada num grande circo, sendo que a função de palhaço passará a ser exercida por todos os advogados.

[1] De acordo com Robert Alexy, uma norma de direito fundamental atribuída é uma norma que embora não conste de forma expressa no catálogo de direitos fundamentais está incluída no âmbito semântico de alguma dessas normas. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 72.
[2] Trata-se, em última instância, de um fato institucional que, segundo John Searle, apenas pode existir a partir da atribuição de um status, consoante regras constitutivas. SEARLE, John. Freedom and Neurobiology: reflections on free will, language and political power. New York: Columbia University Press, 2007, p. 82 et.seq. Insta frisar, contudo, que na ordem jurídica os únicos que possuem poder para atribuir o status de ilicitude para um dado da realidade natural são os juízes, tão somente, após a realização do devido processo legal.
[3] Importante não confundir essas normas com aquelas que conferem competência para um juiz exercer a ação institucional de atribuír o status de ilicitude a um dado natural, nem com as que determinam os procedimentos que constituem o devido processo legal. Nesse ponto cabe lembrar o ensinamento de Robert Alexy no sentido de que as ações que constituem exercícios de competência são ações institucionais, ou seja, aquelas que não podem ser exercidas apenas com base nas capacidades do indivíduo, uma vez que requerem a existência de regras constitutivas. ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios constitucionales, 1993, p. 231. Lembrando que o conceito de regras constitutivas utilizadas por Alexy é o mesmo utilizado pelo filósofo John Searle.
[4] Consoante explica Cristiano Carvalho, trata-se de um ato de fala com direção de ajuste dupla: “o mero fato de se realizar o ato de fala já altera o estado de coisas no mundo. A direção de ajuste é dupla: palavra-mundo e mundo-palavra, ao mesmo tempo em que o ato corresponde ao mundo, pelo mero fato de sua enunciação (se o declaro casado, você está casado), o mundo ajusta-se ao fato declarado, pois a declaração estabelece um novo status. (...) se o juiz de direito declara que um determinado sujeito cometeu um crime, para fins jurídicos ele cometeu”. (grifo nosso). CARVALHO, Cristiano. Caderno de Direito Tributário 2006. Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/rom_CristianoCarvalho_Web.pdf acesso em: 12/03/2010.
[5] Isso não significa qualquer impunidade, uma vez que se, por exemplo, o Advogado recebe efetivamente 50.000 de honorários, declarando 100.000 com o fim de lavar dinheiro para o seu cliente, não há que se falar em exercício da advocacia. Caso diverso é o do advogado que explica ao seu cliente como abrir uma offshore no Panamá. Ora, da mesma forma que um médico não pode se negar a salvar a vida de um bandido, ainda que saiba que depois de curado irá matar uma família de inocentes, um Advogado não pode se negar a orientar seu cliente a abrir, de forma lícita, uma offshore, ainda que saiba que seu cliente irá utilizar essa offshore para lavar dinheiro do tráfico de drogas. O que é mais importante: a vida de uma família inocente ou um ato de lavagem de dinheiro?
[6] De notar que há entendimento de que o bem jurídico protegido no delito de lavagem de dinheiro é a administração da justiça.
[7] De acordo com Mittermayer apud Tourinho Filho: “o indício é um fato em relação tão precisa com outro fato que de um o juiz chega ao outro por uma conclusão natural. É preciso, então, que haja na causa dois fatos, um verificado e o outro não provado, mas que se trata de provar raciocinando do conhecido para o desconhecido; aplicado ao processo criminal o indício é o fato, circunstância acessória, que se prende ao fato principal, e que por isso concorre para se chegar à conclusão de ter sido cometido o crime, ou de ter nele tomado parte um indivíduo determinado, ou de ter sido o crime consumado deste ou daquele modo. FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 631.
Fernando dos Santos Lopes é advogado e instrutor no Setor de Processos Disciplinares da OAB-PR. Sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE).

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Permanência de estrangeiros versus prova de estadia legal


Os fluxos migratórios entre os mais diversos países do mundo constituem um fenômeno de longa data. Demonstrando uma realidade salutar a permitir a integração entre variadas culturas, a migração dos povos entre países não pode, todavia, sujeitar-se unicamente ao bel prazer de quem migra, devendo restar adstrita à legislação soberana de cada nação.

No Brasil, o amparo aos estrangeiros que aqui buscam se fixar ou àqueles que apenas aqui comparecem a turismo, de forma recreativa ou temporária (para estudo, trabalho, atividades religiosas, desportivas) é, antes de tudo, constitucional. Da Constituição Federal decorre, por exemplo, o tratamento igualitário entre brasileiros e estrangeiros previsto no “caput” de seu artigo 5º, a livre locomoção conferida a qualquer pessoa no território nacional em tempo de paz (inciso XV do mesmo artigo) e o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constante no artigo 1º da Carta Magna.

Em se tratando de estrangeiros que pretendem se fixar de forma definitiva no país existem, basicamente, três tipos de pedido de permanência: com base em filho brasileiro, com base em cônjuge brasileiro, e por reunião familiar, todas elas amparadas pela Resolução Normativa 36/99, do CNIG (Conselho Nacional de Imigração).

Cumpre salientar que referidas modalidades de permanência não provêm da transformação do visto de turista para permanente, prática essa, aliás, vedada pelo artigo 38 da Lei 6.815/80:

Artº 38: “É vedada a legalização da estada de clandestino e de irregular, e a transformação em permanente dos vistos de trânsito, de turista, temporário (artigo 13, itens I a IV e VI) e de cortesia.”

Saliente-se que o artigo supracitado permanece em pleno vigor, sendo afastado somente em casos muito específicos, como o previsto no artigo 1º do Decreto 6.736/09 (de 12/01/09), o qual prevê a possibilidade de transformação de turista para permanente aos nacionais desses países que se encontrem no território do outro (nesse caso, o Tratado Internacional — Acordo Brasil / Argentina — foi incorporado à legislação brasileira com força de lei ordinária, sobrepondo-se à vedação do artigo 38 da Lei 6.815/80). Frise-se, portanto, que as mencionadas modalidades de permanência não decorrem da lei 6815/80, mas da RN 36/99 do CNIG. Isso tudo em consonância com o disposto no artigo 17 da Lei 6.815/80, qual seja:

“Art. 17. Para obter visto permanente o estrangeiro deverá satisfazer, além dos requisitos referidos no artigo 5, as exigências de caráter especial previstas nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração.”

Os estrangeiros que pretendem se fixar de forma definitiva no Brasil podem, por conseguinte, tanto já virem de seu país de origem com o visto de permanente aposto em seu passaporte, como entrar no Brasil de forma regular (como turista, por exemplo) e aqui solicitar sua permanência definitiva no país. Tal interpretação extrai-se dos artigos 1º, parágrafo único, e 8º da RN 36/99 do CNIG transcritos a seguir:

“Art 1º — O Ministério das Relações Exteriores poderá conceder visto temporário ou permanente, a título de reunião familiar, aos dependentes legais de cidadão brasileiro ou de estrangeiro residente temporário ou permanente no País, maior de 21 anos.

Parágrafo único. As solicitações de visto de que trata esta Resolução Normativa serão apresentadas às Missões diplomáticas, Repartições consulares de carreira ou Vice — consulados com jurisdição sobre o local de residência do interessado.

“Art 8º — O Ministério da Justiça poderá conceder a permanência definitiva de que trata esta Resolução Normativa, quando o estrangeiro se encontrar legalmente no país.”

Da análise do artigo 8º supracitado, nota-se que o Ministério da Justiça somente poderá conceder a permanência definitiva (por filho brasileiro, cônjuge brasileiro ou por reunião familiar) ao estrangeiro que se encontrar legalmente no Brasil. Tal exigência decorre, também, da interpretação teleológica do artigo 38 da Lei 6.815/80:

Artº 38: “É vedada a legalização da estada de clandestino e de irregular, e a transformação em permanente dos vistos de trânsito, de turista, temporário (artigo 13, itens I a IV e VI) e de cortesia.”

Conforme referido dispositivo legal, denota-se que, fora as leis de anistia (a partir das quais se busca, justamente, regularizar os estrangeiros irregulares no Brasil) ou de outras normas específicas (como no caso do Acordo de Residentes no Mercosul — regulamentado pelo Decreto 6.975/09 — que, em seu artigo 3º, parágrafo 2º, franqueia o registro de temporário aos estrangeiros independente da condição migratória em que houverem ingressado no país, sendo, inclusive, isentos de multas), permanece em pleno vigor a exigência da prova da estada legal no país aos ádvenas que desejem obter sua permanência definitiva no Brasil.

Ocorre, todavia, que a realidade fática nem sempre se amolda às previsões legais. É muito comum o caso em que o estrangeiro encontra-se de forma irregular no Brasil (seja por haver ingressado no território nacional como clandestino ou, ainda, tendo ingressado como turista, haver ultrapassado sua estada legal no país) e apresenta-se à Polícia Federal para protocolar seu pedido de permanência definitiva. Nesse caso, como conciliar a exigência da estada legal no país com o as previsões de nosso ordenamento jurídico que amparam os estrangeiros? Para tal análise, prudente se faz a separação da questão da permanência com base em filho ou cônjuge brasileiro e a permanência com base em reunião família.

Conforme consta no artigo 8º da RN 36/99 do CNIG, a estada legal do estrangeiro no país é condição para que o Ministério da Justiça conceda a permanência definitiva no Brasil ao mesmo. Nota-se, contudo, que, em homenagem ao direito de petição constitucionalmente previsto no artigo 5.º, XXXIV, “a”, da CF, ainda que o estrangeiro encontre-se de forma irregular no país, ser-lhe-á permitido “protocolar” o seu pedido de permanência definitiva no país, bem como receber do órgão administrativo resposta quanto ao deferimento ou indeferimento de seu pedido.

Ocorre um impasse, todavia, nos casos em que o estrangeiro possui filho ou cônjuge brasileiro (nas condições impostas pelo art. 75 da Lei 6.815/80), encontra-se em estada irregular e requer a permanência no país. Cumpre salientar que, por força do artigo 75, II, “a” e “b” da Lei 6.815/80, o estrangeiro que se enquadrar nas condições do referido artigo não pode ser expulso do Brasil. Vejamos:

Artº 75. Não se procederá à expulsão:

II — quando o estrangeiro tiver:

cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de 5 (cinco) anos; ou

a) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa economicamente.”

Considerando a condição de inexpulsabilidade do estrangeiro que possui filho ou cônjuge brasileiro, passou a ser firme a jurisprudência brasileira no sentido de entender que o estrangeiro que se enquadre em tal situação também não pode ser deportado. Ora, a deportação é justamente a medida de retirada compulsória aplicável aos estrangeiros que se encontrem de forma irregular no país. Por conseguinte, se o ádvena que possui filho ou cônjuge brasileiro não pode ser expulso ou deportado do Brasil, ainda que se encontre em estada irregular no país, razoável se faz que o mesmo possa obter sua permanência caso cumpra os demais ditames legais.  

Caso diverso, contudo, é o do estrangeiro que se encontra em estada irregular no país e requer sua permanência definitiva com base em reunião familiar. Muito embora o ádvena em tal condição também possua direito de petição, cumpre salientar que o mesmo não se encontra amparado pela condição de inexpulsabilidade (ou da impossibilidade de sofrer deportação). Desse modo, a menos que referido estrangeiro encontre-se em situação muito peculiar (o que só pode ser visto caso a caso) a indicar a incidência de princípios maiores, como o da dignidade da pessoa humana, ou o da proteção à família, previsto no artigo 226 da Constituição Federal, razoável pode vir a ser a negativa de seu pedido de permanência definitiva no Brasil.

Nota-se, por fim, que o deferimento da permanência ao estrangeiro que preencher todos os requisitos legais constitui direito público subjetivo do requerente, não sendo aquela concedida caso falte o cumprimento de algum dos citados requisitos.

Nesse diapasão, cabe concluir, em homenagem ao princípio da soberania, que a legislação migratória de cada nação há de ser respeitada, somente podendo ser avaliada a viabilidade do afastamento de alguma exigência legal para a concessão da permanência analisando-se as situações “in concreto”.

Por: Delano de Sousa Tschiedel

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Sucesso requer trabalho, mas não acontece sem o acaso

Entrevista concedida pelo físico e escritor Leonard Mlodinow, ao jornalista Jorge Pontual, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.
Você já teve a sensação de estar sendo enganado pela sua própria mente? De ter certeza de lembrar de uma situação e depois descobrir que ela não aconteceu? A horrível descoberta de que você não tem controle sobre as suas escolhas mais pessoais, que muitas vezes vão contra o que você mais queria? Então bem-vindo à espécie humana. Quase tudo que consideramos certezas sobre nós mesmos e nossa sociedade é falso. O autoengano, que não é necessariamente mentir para nós mesmos, mas simplesmente ter ideias que não combinam muito com a realidade, o autoengano é inevitável. O físico e escritor Leonard Mlodinow lançou recentemente o livro Subliminar: Como o inconsciente governa nosso comportamento, onde ele reúne as principais descobertas de um novo campo da psicologia e da neurociência que estuda o inconsciente. Mlodinow tem uma carreira curiosa. Da Física ele passou para Hollywood, onde escreveu episódios das séries MacGyver e Star Trek, e ficou famoso com o livro O Andar do Bêbado, sobre a influência do acaso nas nossas vidas. De passagem por Nova York, Mlodinow encontrou o Milênio no seu bar preferido do bairro do Brooklin, onde morava quando aconteceram os ataques de 11 de Setembro, que o levaram a fugir para a Califórnia.
Jorge Pontual — Estamos aqui, no bar Five Spot. Este lugar lhe traz lembranças da época em que você morava no Brooklyn?
Leonard Mlodinow —
Traz. Eu morei no Brooklyn durante alguns anos, aqui perto, e eu costumava vir aqui para escrever e ler, além de beber cerveja.
Jorge Pontual — Foi onde teve inspiração para seus primeiros livros?
Leonard Mlodinow —
Foi.
Jorge Pontual — Você tem uma carreira interessante, porque começou como físico, e depois... O que aconteceu? Você se tornou roteirista.
Leonard Mlodinow —
Eu já fiz várias coisas. Na verdade, eu sempre gostei de escrever, desde os 8 ou 10 anos. Eu sempre achei que um dia tentaria escrever, e, em dado momento, eu decidi tornar a física um hobby e tentar escrever como profissão. Mas acabei escrevendo filmes, em vez de livros. Eu decidi partir para isso, pois adoro filmes, e acabei tendo bastante sucesso nessa área por 7 ou 8 anos, em seriado como Star Trek e MacGyver.
Jorge Pontual — É, eu disse a uns amigos que iria entrevistar Leonard Mlodinow. Eu disse que você era um físico famoso, que escreveu O Andar do Bêbado, Subliminar... E as pessoas disseram: “Ah, legal.” Eu disse: “Ele escrevia MacGyver.” “Nossa, ele escrevia MacGyver! Amamos MacGyver!” Ele é o personagem preferido de muitas pessoas.
Leonard Mlodinow —
Eu sabia que as pessoas conheciam Star Trek no mundo todo. Eu escrevia Star Trek: The Next Generation. Mas eu fiquei surpreso, quando viajei para lançar meus livros, com a reação das pessoas ao MacGyver. Eu não sabia que ele fazia tanto sucesso.
Jorge Pontual — Há alguma cena especial de MacGyver de que você se lembre? Algum truque?
Leonard Mlodinow —
Tem um muito bacana, com um detector de movimentos. Sabe aquele aparato no teto que, quando você se mexe, manda um sinal e abre uma porta. Mas, naquele caso, ele acionava uma bomba. Ele precisava entrar numa sala com esse detector de movimentos. Ele então entrou no armário do zelador... Quando criança, eu gostava muito de química. Então me lembrei desse truque. Ele pegou amônia e algo cuja base era ácido clorídrico, que são produtos de limpeza. Ele então abre... Ambos são muito voláteis. Ele abre as duas garrafas e, quando evaporam, as duas substâncias formam um pó branco, e esse pó branco bloqueou o sinal do detector de movimento, que não conseguiu captá-lo, e ele pôde entrar. Foi um truque bacana. Fazíamos isso no laboratório para irritar nosso professor.
Jorge Pontual — Você era meio MacGyver?
Leonard Mlodinow —
Era. Por isso eu gostava tanto do seriado! Eu gostava muito de química quando criança. Eu fazia bombas, foguetes, chamas...
Jorge Pontual — Seus pais deviam adorar.
Leonard Mlodinow —
É verdade. Eles eram muito compreensivos, mas eu botava fogo na casa. Já queimei meus dois braços até aqui e fiz muita coisa, sabe?
Jorge Pontual — Seu novo livro Subliminar é sobre o inconsciente, sobre nosso “eu inconsciente”. Conte-nos como na sua vida você viu que suas decisões, suas escolhas, não eram todas conscientes.
Leonard Mlodinow —
É. Bem, o objetivo do livro... Ele é uma espécie de complemento a O Andar do Bêbado, que diz que, se você não entende o aleatório, interpreta errado vários acontecimentos que ocorrem ao seu redor. Assim, o sucesso... O sucesso requer trabalho, requer habilidade, claro, mas também tem o elemento “acaso”. Quanto de acaso há nele? Se você compara duas pessoas igualmente bem-sucedidas, ou uma pessoa mais bem-sucedida que outra, a primeira não precisa ser mais talentosa, pode ter tido mais sorte. Então, é muito importante entender o papel do aleatório na vida, para não julgar as pessoas apenas pelos resultados, mas fazer uma análise mais a fundo e julgá-las pelo que são. Mas o que me interessou nesse assunto, ainda que pareça bem diferente de O Andar do Bêbado, é que a ideia é a mesma, só que, em vez de olhar o mundo exterior, eu olho para o mundo interior, para a vida interior de cada um. Assim, o mundo social que você vê não é o que você pensa que é se você não entende o inconsciente. Assim como o mundo exterior é diferente se não entende o aleatório. Quando você entende o aleatório, pode ter um insight. O que eu digo é que, quando vê a cena... Eu estou olhando para você agora, e você parece muito nítido e muito real. Você me parece ter três dimensões, por exemplo. Você tem profundidade, não é uma imagem plana. Mas os dados que vêm até minha retina não são esses dados. Em primeiro lugar, eles têm duas dimensões, então são planos. Além disso, são algo muito confuso. Se eu traduzir os dados que minha retina vê em uma imagem, será uma imagem muito confusa. Se você visse essa imagem na sua TV a cabo, ligaria para a empresa e diria que a TV está com problemas. O que acontece é que seu inconsciente pega esses dados limitados e os processa. Ele usa então vários truques, como o contexto, suas crenças, suas expectativas, seus desejos e todo tipo de coisa, e, instantaneamente e automaticamente, sem qualquer esforço seu, sem você sequer perceber, ele lhe apresenta uma imagem que você acha que é real. Tenho aqui uma imagem sua em 3D, e eu acho que ela é real. Não é o que está na retina, mas no cérebro. E a ideia de Subliminar é mostrar que nossa imagem no mundo social, das outras pessoas, das histórias que nos contamos sobre outras pessoas, seu caráter, sua personalidade, ou mesmos sobre empresas, como o tipo e o valor da empresa, ou coisas que ouvimos... Tudo no mundo é uma construção do nosso cérebro baseada em dados limitados e confusos como os da retina, mas que parece real. E nós fazemos muitas suposições injustificáveis sobre as coisas. Então, se não entendermos isso, interpretamos errado as imagens da nossa realidade social.
Jorge Pontual — Isso não tem nada a ver com o inconsciente freudiano, tem?
Leonard Mlodinow —
Não. Isso é novo. O novo inconsciente está escondido de você porque acontece em uma parte do cérebro que é inacessível. O inconsciente freudiano está escondido de você por razões emocionais ou motivacionais. Você consegue acessá-lo com técnicas de introspecção, pensando na sua vida, falando com um terapeuta... Mas não há muita comprovação do fenômeno que Freud descobriu além de o cérebro ser uma fábrica de comportamento. Mas o que a psicologia e a neurociência descobriram nos últimos 20 anos é um inconsciente muito diferente.
Jorge Pontual — Mas não é possível acessar esse inconsciente?
Leonard Mlodinow —
Vou lhe dar um exemplo ligado ao comportamento dos consumidores. Você entra numa loja e vê um vinho na prateleira. No estudo feito, havia vinho francês e vinho alemão. Estavam misturados, mas tinham preço e qualidade semelhantes. Você entra no corredor do mercado e absorve estes dados: o preço do vinho, a procedência, que tipo de vinho é, se é tinto, branco, Cabernet, o que for, o que vai ter para jantar. Você junta isso tudo e decide o que comprar. Mas seu inconsciente completa a imagem com outros dados, como emoções e humor. O estudo então colocou música para tocar na loja, música francesa e alemã em dias alternados. No dia da música francesa, 2/3 das pessoas compraram vinho francês, e, no dia da música alemã, 2/3 das pessoas compraram vinho alemão. O cérebro delas claramente usava outras coisas, mas, quando as entrevistamos depois da compra, eles não se lembravam da música, algumas nem perceberam aquela música suave de fundo e não acharam que aquilo as influenciaria. Então, você não sabe que essas coisas afetam suas decisões, mas, se estiver ciente delas, pode pensar: “Estou ouvindo música. Estou comprando o vinho alemão por causa da música, e vou me arrepender quando chegar em casa e vir que não gosto dele?”
Jorge Pontual — Essa é a ideia de subliminar: algo que está abaixo da percepção.
Leonard Mlodinow —
Exato.
Jorge Pontual — No seu livro, eu descobri que a política usa muito isso. As pessoas acham que escolhem um candidato porque concordam com as ideias dele ou porque fazem uma escolha mais racional e consciente, mas não.
Leonard Mlodinow —
Porque os humanos são criaturas muito sociáveis. Nós nos desenvolvemos para sermos sociais e nos relacionarmos, e captamos mensagens subliminares ou inconscientes das expressões faciais, da postura, e não percebemos que, quando julgamos os candidatos, essas coisas influenciam em nossas decisões. Um professor de Princeton fez um estudo com fotos de todos os candidatos em dezenas de eleições. Ele mostrou as fotos rapidamente às pessoas e perguntou quem parecia mais competente. Com base na estatística de quem parecia mais competente, ele previu o resultado de dezenas de outras eleições para governador, para senador... E ele teve 70% de acerto em suas previsões. Então, em 70% das vezes, ele acertou o vencedor usando apenas a aparência dos candidatos.
Jorge Pontual — É possível manipular as pessoas a ponto de plantar falsas lembranças? Como isso é feito?
Leonard Mlodinow —
Quando se lembra, você vê a imagem do que aconteceu e acha que foi aquilo que aconteceu, pois é como quando você reconstrói as imagens confusas da sua retina: uma imagem muito clara. Você se lembra de episódios diferentes da sua vida, e, quando chama a lembrança, sua mente reconstrói tudo com uma espécie de chute instruído. Mas a lembrança se baseia nesses aspectos gerais de que você se lembra, só que parece algo detalhado. E ela parece muito real e muito clara, mas não é. Ela se baseia nessas poucas coisas. É por isso que podemos ter uma falsa lembrança e ter certeza de que aquilo aconteceu. E os psicólogos que sabem como manipular isso podem levá-lo a ter falsas lembranças. Isso é um problema em processos judiciais, por exemplo, porque você pode ter uma lembrança errada de alguém. Você se lembra do aspecto geral do rosto, mas identifica alguém e se convence de que é aquela pessoa. Mas, geralmente, a memória funciona muito bem. Foi por isso que evoluímos e ganhamos essa capacidade. Isso é realmente um dom, pois não precisamos parar a cada 3 segundos e posicionar conscientemente os dados que recebemos. Nosso cérebro faz isso automaticamente e instantaneamente.
Jorge Pontual — Funciona assim com outros animais?
Leonard Mlodinow —
Nós temos a mesma mente inconsciente que a maioria dos outros mamíferos. Nossa mente consciente é especial para nós, e temos uma mente consciente muito mais elaborada, mas a estrutura e a função cerebrais do inconsciente são muito parecidas com as dos grandes mamíferos. E todos os animais precisam disso para sobreviver, mas o motivo de precisarmos do inconsciente acima disso ainda é um mistério. Os cientistas ainda não entendermos a razão disso do ponto de vista evolutivo.
Jorge Pontual — Há alguma maneira de estarmos mais atentos para os resultados dessas tendências inconscientes? Digo até mesmo para aquelas que são prejudiciais. Por exemplo, uma pessoa diz que não é racista, que trata todo mundo de maneira igual, mas, quando as testamos — os pesquisadores comprovam isso —, elas têm preconceitos inconscientes contra certos estereótipos.
Leonard Mlodinow —
Essa capacidade categorizar as coisas é um verdadeiro dom. Eu falo de um paciente com dano cerebral que não tem isso. Ele não conseguia nem pôr a mesa. Não conseguia distinguir um garfo de outro, estava tudo na mesma categoria: garfos da mesa de jantar. Então isso é um dom. Mas deixa de ser benéfico quando caracterizamos pessoas por causa de sua religião, de sua cor. E isso vem da mídia e da nossa cultura. Somo constantemente bombardeados com mensagens sobre diferentes etnias, diferentes religiões, e é muito difícil não assimilar isso em nível inconsciente, ainda que nosso inconsciente queira ser justo.
Jorge Pontual — Mas como chegar perto da objetividade? Isso é possível, não?
Leonard Mlodinow —
Identificando as influências, nosso consciente pode pensar: “Espera aí. Ao tomar essa decisão, eu vi os dados, mas deixe-me vê-los de novo para ver se algo a afetou, como o sol ou um briga com a minha mulher.”
Jorge Pontual — Motivos secundários.
Leonard Mlodinow —
É, motivos ocultos. Seu interesse. Você pode dizer: “Eu tomei essa decisão, mas sei que fui influenciado.” E você precisa tentar contextualizar isso aprendendo sobre si mesmo.
Jorge Pontual — Mas ninguém escreverá uma manchete como: “Este assunto é complicado demais, não consigo me decidir.” Nós precisamos montar alguns títulos em mente.
Leonard Mlodinow —
Os cientistas muitas vezes dizem isso e continuam trabalhando, mas em outras áreas, como nos negócios, geralmente é preciso tomar uma decisão. Não se pode dizer aos acionistas: “Não sabemos bem sobre a produção. Deem-nos 5 anos para estudar a questão.”
Jorge Pontual — Mas, se eu não tenho acesso ao inconsciente, como posso saber se eu tenho um preconceito ou não? Normalmente isso se reflete no meu comportamento, as outras pessoas me veem assim?
Leonard Mlodinow —
Isso. Outras pessoas talvez vejam melhor do que você, mas você pode testar seus preconceitos inconscientes. Há um site que aplica o teste de associação implícita, IAT (clique aqui para acessar). Ele é incrível. Pode-se testar os preconceitos sobre preferência sexual, raça, obesidade... Depois de fazer o teste, que dura uns 10 minutos, você vê como se saiu, e ele mostra como as pessoas se saíram de maneira geral.
Jorge Pontual — É interessante como os pesquisadores agora usam imagens rápidas, que aparecem na sua frente por 50 milissegundos, e você decide o que está vendo sem mesmo perceber.
Leonard Mlodinow —
É verdade. Isso é interessante. E há muitos experimentos baseados nessa tecnologia para fazer isso. Sua mente inconsciente lembra muito rápido. Então, a razão dessa habilidade é interagirmos sem parar para pensar. Às vezes, é claro que você para e pensa, mas imagine uma conversa em que você tem que parar para pensar de onde vem a outra pessoa... Enfim, pode ser difícil entender do que eu estou falando, mas imagine uma mulher correndo para pegar um ônibus que vai partir. Você entende automaticamente o que ela está pensando: ela quer pegar o ônibus para ir trabalhar, vai ficar chateada se não o pegar. Todas essas informações implícitas que sua mente entende sem parar para analisar, ela está ali. Se não tivéssemos isso, nossas interações seriam muito difíceis.
Jorge Pontual — Então, pessoas que têm dificuldade para interagir socialmente não tem isso?
Leonard Mlodinow —
Há muitos motivos para não ter interação social. Pessoas que não têm isso, como as autistas, têm problemas para interagir socialmente. Autistas tem problemas com a chamada “teoria da mente”, a capacidade de entender o que o outro pensa instantaneamente, sem analisar e estudar isso.
Jorge Pontual — Isso é inconsciente.
Leonard Mlodinow —
É. Você pode pensar nisso conscientemente, mas, apenas olhando para você e vendo a situação, eu entendo automaticamente muitas coisas sobre você, e isso é inconsciente.
Jorge Pontual — Uma coisa que eu entendi em seus dois livros — e nós acabamos aprendendo isso — é que não estamos no controle de tudo. Nós precisamos ser mais humildes. Mas também mais agradecidos.
Leonard Mlodinow —
Isso.
Jorge Pontual — Por quê? Fale um pouco sobre isso.
Leonard Mlodinow —
Como eu digo, tudo o que você faz — tentar abrir uma nova empresa, tentar escrever um livro, escrever um artigo sobre física — pode ter sucesso ou pode fracassar. Nós tendemos a pensar que cabe apenas a nós — e grande parte cabe mesmo, não digo que não —, porém é como uma equipe esportiva: podemos ter uma equipe ótima, e em alguns dias, a bola simplesmente não rola bem para ela. O que nós precisamos entender é que seu esforço lhe dá apenas uma probabilidade de ter sucesso, mas há também uma probabilidade de você fracassar. E, quando olhamos para trás e analisamos o fracasso ou o sucesso, sabemos que houve fracasso ou sucesso, mas achamos que dependeu 100% de nós, pois aquele foi o resultado, mas não dependeu. Então, acho que isso nos dá esperança e humildade, porque, se você tem sucesso, deveria entender que há pessoas por aí tão boas quanto você que não tiveram sucesso, então parte disso é sorte. Ou, se você não teve sucesso, se você escreve um livro, mas as pessoas não compram, não significa que você não tem capacidade de escrever um livro de sucesso. Significa apenas que você jogou a moeda, e ela caiu do lado errado, mas você deve continuar tentando. O poder de decisão da sua mente consciente, aquela que associamos a nós mesmos, é apenas parte do caminho. Outra parte são nossos instintos animais, nossas emoções e mente inconsciente, que todos nós, seres humanos, temos e que está presente em nossa mente inconsciente. Ela é a base a partir da qual nós agimos e afeta nossa personalidade e nosso comportamento de uma maneira que não entendemos. Nós apenas podemos controlar o que podemos controlar, que é nossa mente consciente.
Jorge Pontual — E devíamos agradecer por isso dar certo.
Leonard Mlodinow —
Exatamente, senão, nossa espécie estaria extinta.
Jorge Pontual — Há outra coisa que é inconsciente, como li no seu livro, que é a autoimagem que temos. Ela é uma ilusão... Não é uma ilusão, mas a autoconfiança é sempre um pouco otimista, não é? O que é bom!
Leonard Mlodinow —
É bom, claro! Tudo isso é bom, mas leva a uma percepção equivocada. Então, mais de 50% das pessoas tendem a se achar acima da média, mas é claro que apenas 50% delas pode estar acima da média. Mas a mente inconsciente nos ajuda a ver o mundo assim, porque nós encontramos várias barreiras na vida. Quando vivíamos na natureza, havia falta de comida, frio, predadores nos caçando... Se tivéssemos uma visão muito sóbria e objetiva da vida, em alguns momentos, provavelmente, nos encolheríamos e desistiríamos. Em nosso mundo civilizado, estamos protegidos desses problemas, mas isso ainda é válido. Podemos ter um grande problema de saúde, como câncer, e ter que fazer quimioterapia, ou podemos abrir uma nova empresa e ter que trabalhar 100 horas por semana, sem qualquer garantia de sucesso... Qualquer que seja seu campo de atuação, há desafios. Mas o bom é que nossa mente consciente nos ajuda a manter uma atitude positiva com relação a isso e a nós mesmos. Ela nos ajuda a derrubar barreiras e realizar coisas que não realizaríamos sem esse otimismo.
Jorge Pontual — E isso é inconsciente.
Leonard Mlodinow —
É criado inconscientemente. É até muito difícil contrariar isso. Adivinhe que pessoas têm uma visão mais realista delas próprias? São as pessoas depressivas, pessoas que sofrem de depressão. Isso é uma das coisas que nos ajudam a não ficar deprimido.
Jorge Pontual — Você sempre conta histórias sobre seus pais, não é? Histórias ótimas sobre eles. Há uma história que fecha o livro que tem a ver com isso, com esse otimismo, com essa confiança de que as coisas podem ser superadas.
Leonard Mlodinow —
Meus pais viveram o Holocausto e ficaram em campos de concentração na Polônia. Eles vieram para Nova York depois da guerra e eram muito pobres. Meu pai trabalhava em uma confecção. Ele era alfaiate na Europa. Minha mãe não trabalhava, e eles não conseguiam pagar nem o aluguel, passavam por momentos difíceis. Meu pai um dia chegou em casa e disse: “Adivinhe só! Precisamos de uma costureira, e eles disseram que o emprego é seu, para você ir comigo amanhã. Vamos ganhar o dobro e ficar juntos.” O único problema era que minha mãe não sabia costurar. Ela vinha de uma família rica e não precisara aprender a isso. Meu pai disse: “Não faz mal, eu te ensino esta noite.” Minha mãe não estava tão otimista quanto meu pai, estava muito preocupada com suas habilidades. Eles conversaram, e ele a encorajou, disse que ele a ajudaria... Às vezes, eu acho que nos unimos às pessoas não só pela maneira como as vemos, mas também por como elas nos veem. Ele achava que ela era capaz e passou a noite ensinando-a a costurar. Na manhã seguinte, ela foi à confecção e conseguiu o emprego.
Jorge Pontual — É uma bela história.
Leonard Mlodinow —
Obrigado.
Jorge Pontual — Eu que agradeço. Obrigado.
Leonard Mlodinow —
Muito obrigado.

domingo, 21 de outubro de 2012

Devedor é vítima de fórmula entre Estado e Banco

Fala-se que os anos posteriores a 2008 foram difíceis para o consumidor. Com a crise mundial, pessoas físicas e jurídicas passaram a ser ainda mais desrespeitadas quanto a tomada de créditos a bancos no País.
E os anos anteriores a 2008 foram bons? Se pensarmos de forma macroanalítica, claro que também não. As instituições financeiras deveriam contribuir com o crescimento do mercado nacional de forma justa, exercendo um papel social e, obviamente, com lucro.
Entretanto, nossos empresários do setor bancário, aproveitando da formulação econômica e política adotada por nossos governantes, impuseram uma forma desumana quanto às suas operações de créditos com os consumidores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas.
Esses bancos se utilizam comumente de juros altamente elevados e não compatíveis com a média usual mundial, tarifas exorbitantes e formas amorfas de receber seus dividendos, tanto do adimplente como do inadimplente.
Essa forma desumana tem um certo respaldo da Justiça quase que unânime em decisões que depauperam o consumidor como se ele fosse culpado por buscar crédito e, posteriormente, não conseguir arcar com tais dívidas. Suas decisões (dos juízes) têm certa conivência com o interesse agressivo dos bancos, utilizando-se dos mesmos meios de Pilatos, pois lavam as mãos aludindo posição legalista fora do interesse social. Alegam, em suas decisões anti consumidor, o princípio constitucional da função social do contrato.
É certo que tal função social deve ser respeitada e mantida, porém, não podemos igualar esse princípio tão importante e óbvio que regula as contratações pelo País com os contratos bancários. Esses contratos são diferenciados pela adesão. O contrato de adesão não permite ao consumidor discuti-lo! Sendo assim, os abusos são amontoados nas cláusulas mais vis possíveis.
A discussão judicial é legítima e deve prevalecer como um meio hábil e de interesse público e, o juiz e a Justiça devem ser um baluarte no contexto atual em que pese esse enorme desequilíbrio que mantém o consumidor com tamanha hipossuficiência.
É fato que a dívida hoje contraída pela sociedade está aviltada por desvios e desequilíbrios de ordem política e econômica. Os juros, taxas, tributos e tarifas embutidos nesses débitos demonstram isso, e o consumidor, paga juros 15 vezes maior do que aquele pago em qualquer lugar do mundo.
O devedor, cliente do banco, tem culpa em não conseguir arcar com contratos adesivos leoninos? E os serviços de proteção ao crédito? Estes, na atual conjuntura, apenas destroem os devedores, deixando à míngua qualquer possibilidade de recuperação do indivíduo.
No jogo atual, para que uma empresa possa comprar ou vender para outra, haverá a necessidade da pesquisa junto aos órgãos de proteção. Esse meio de verificação é praticamente automático e convencionalmente obrigatório.
Os bancos, sabedores dessa obrigatoriedade, pressionam a empresa ao pagamento e, mesmo que tal cobrança não seja certa, o empresarial não terá outra saída. Por conta disso, profissionais do direito têm como obrigação, lutar pela defesa do consumidor, exercendo com força e com toda a forma legal que puder utilizar para defender e coibir qualquer cobrança injusta. Essa luta é árdua e desequilibrada, pois o devedor tem a pecha de ser um descumpridor de seus deveres.
O devedor brasileiro é uma vítima da fórmula conspirada entre o Estado, por seus poderes executivo e legislativo e os bancos que operam no Brasil, e na atual conjuntura, são poucas as medidas legais a serem utilizadas para demonstrar tais deslindes paradoxais. Entretanto, devem ser usados, pois é a única forma de proteger um direito que foi adquirido pela sociedade.
Entretanto, essa luta inglória é arrebatada pela força econômica, pela legislação atual e pela Justiça que, na maioria das vezes, vê o devedor bancário como um oportunista, que captou dinheiro e não pagou. O motivo, não interessa ao juiz, dada a enorme e total superficialidade em analisar e decidir o destino do processo.
Devemos verificar e considerar o contexto social e político, não apenas analisar a letra da lei, lembrando que o presidente do STF, em sua posse, evocou aos juízes de todo o País que pensassem socialmente quando decidissem as ações que presidem.
Por conta disso, acreditamos na possibilidade extrema de agir. O consumidor deve exercer seu direito de resguardo, de auto proteção e com medidas legais poderão levar essa discussão a formas menos intolerantes quanto às decisões judiciais atuais, como também atitudes mais defensivas quanto a seu exercício de direitos.
Antonio Carlos Morad é especialista em direito tributário, empresarial e societário. Sócio-fundador do escritório Morad Advogados.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

MENSALÃO - Lewandowski absolve todos os acusados por quadrilha

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, votou, nesta terça-feira (18/10), pela absolvição dos 13 réus acusados por formação de quadrilha no julgamento do último capítulo da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Além de absolver os 13 acusados, o ministro reajustou seu voto e absolveu também outros cinco réus que havia condenado na análise do capítulo seis da denúncia.
A sessão foi suspensa com o fim do voto de Lewandowski e será retomada na próxima segunda-feira (22/10). Por enquanto, há um voto para condenar 11 dos 13 réus — do relator da ação, Joaquim Barbosa — e um voto para absolver todos os acusados nesse capítulo — de Lewandowski. Tanto relator quanto revisor votaram pela absolvição de Geiza Dias e Ayanna Tenório.
Ao reajustar seu voto, Lewandowski absolveu da acusação de quadrilha os réus Enivaldo Quadrado, da corretora Bonus Banval, os ex-deputados Pedro Corrêa (PP) e Valdemar Costa Neto (PR, antigo PL), o ex-assessor parlamentar João Claudio Genú e o ex-Tesoureiro do PL Jacinto Lamas. Com isso, há dois novos empates do processo: Jacinto Lamas e Costa Neto somam cinco votos pela condenação e cinco pela absolvição.
O ministro Lewandowski citou em várias passagens o voto da ministra Rosa Weber, que diferencia o crime de formação de quadrilha da tipificação de coautoria. Para a ministra, os réus do capítulo seis da denúncia cometeram crimes em coautoria, mas não se associaram de forma estável com a finalidade única de cometer delitos, o que caracterizaria a formação de quadrilha.
O revisor começou afirmando que se “impressionou vivamente” com os votos de Rosa Weber e Cármen Lúcia. De acordo com Lewandowski, “não é a prática de quatro ou cinco crimes cometidos em coautoria que caracteriza a quadrilha, é necessária a associação estável para a prática indefinida de crimes”.
Em seu voto, Lewandowski diferenciou o crime de concurso de pessoas do de formação de quadrilha. O ministro citou o artigo 29 do Código Penal, que define o concurso de pessoas: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Em seguida, afirmou que não se pode confundir este crime com o que está descrito no artigo 288 do Código, que tipifica quadrilha ou bando: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”.
“Uma coisa é o concurso de agentes. Um plus é a quadrilha. Mas esse plus deve estar muito bem demonstrado. Quadrilha não se confunde com concurso de agentes, nem mesmo quando os crimes são praticados reiteradamente”, sustentou o ministro.
Para Lewandowski, o que define quadrilha é a associação de um grupo de pessoas em “caráter estável e permanente com o fim de cometer sucessivos e incontáveis delitos indeterminados. A quadrilha vive do crime”. O ministro entendeu que a acusação revelou apenas crimes cometidos por agentes públicos e privados em coautorias, mas não uma quadrilha formada exclusivamente com o fim de praticar crimes.
“No âmbito penal vigora o princípio da estrita legalidade. No Direito Penal não há mais ou menos. Ou o comportamento é típico ou não. Ou se enquadra nos estritos termos da lei ou não”, disse Lewandowski. Para o ministro, a descrição feita pelo Ministério Público na denúncia não foi suficiente para enquadrar os réus no crime de formação de quadrilha ou bando.
Segundo o ministro, nem mesmo o Ministério Público conseguiu delinear com firmeza a acusação de formação de quadrilha, confundindo-a com organização criminosa, que são tipos penais diferentes. Na denúncia, o MP falou 54 vezes em quadrilha e 41 vezes usou a expressão organização criminosa. Nas alegações finais, foram 42 citações de quadrilha e 14 de organização criminosa.
Citando o voto da ministra Rosa Weber, o revisor disse que a razão da tipificação de quadrilha é evitar a conduta de sociedades montadas para o crime, grupos que extraem sua sobrevivência dos produtos auferidos com ações criminosas indistintas. Depois, ao citar voto da ministra Cármen Lúcia, Lewandowski afirmou o que houve foi a reunião de pessoas para práticas criminosas, mas práticas eram diversas, voltadas para o beneficio individual de cada réu.
O capítulo dois da peça de acusação, último analisado pelo Supremo, trata de acusações de formação de quadrilha contra 13 réus, divididos em três núcleos pela denúncia da Procuradoria-Geral da República. São eles os núcleos político, publicitário ou operacional e financeiro. O núcleo político é formado por José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares.
O núcleo operacional é composto pelos publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, sócios das empresas de publicidade SMP&B e DNA, além das funcionárias da SMP&B, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, e o advogado de Valério, Rogério Tolentino. O terceiro grupo, o núcleo financeiro, tem como réus os dirigentes do Banco Rural José Roberto Salgado, Katia Rabelo, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório.