A
Lei 12.403/11 alterou substancialmente o sistema das cautelares
criminais, com repercussão direta na Lei Maria da Penha (LMP), já que o
Código de Processo Penal (CPP) se aplica na violência doméstica
praticada contra a mulher por expressa disposição dos artigos 12 e 13 da
Lei 11.340/06 (LMP). Vejamos.
Finalidade das cautelares x medidas protetivas
As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, embora
sejam espécies das medidas cautelares criminais, têm finalidade diversa
das cautelares previstas no CPP. Os requisitos típicos destas (
fumus comissi delicti e
periculum libertatis,
nos termos dos artigos 282, I e II, e 312 do CPP), não se confundem com
os requisitos indispensáveis ao deferimento das medidas protetivas,
como lembra o promotor de Justiça Amom Albernaz Pires (2011).
De fato, o novo artigo 282 do CPP, homenageando os elementos do princípio da proporcionalidade, dispõe:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I — necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a
instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a
prática de infrações penais;
II — adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
O
inciso I do dispositivo deixa claro o objetivo maior das medidas
cautelares criminais: garantir o processo. Pretende-se evitar a fuga do
acusado (aplicação da lei penal) ou que ele perturbe a investigação ou a
instrução criminal. O inciso prevê também a necessidade de evitar “a
prática de infrações penais”, mas somente nos casos “expressamente
previstos”, ou seja, nas exceções. A regra, portanto, é garantir o
resultado do processo, conforme vocação antiga tanto das cautelares
criminais quanto cíveis.
Ao contrário, as medidas protetivas
previstas na Lei Maria da Penha não são instrumentos para assegurar
processos. O fim das medidas protetivas é proteger direitos
fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a
favorecem. E só. Elas não são, necessariamente, preparatórias de
qualquer ação judicial. Elas não visam processos, mas pessoas (LIMA,
2011).
A LMP foi expressa quanto a esses objetivos, ao determinar
que as medidas visam a “proteção da ofendida, de seus familiares e de
seu patrimônio” (art. 19, § 3º), e devem ser aplicadas “sempre que os
direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados” (art. 19, §
2º) e “sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o
exigirem” (art. 22, § 1º).
Assim, a própria LMP não deu margem a
dúvidas. As medidas protetivas não são acessórios de processos
principais e nem se vinculam a eles. No ponto, assemelham-se aos
writs constitucionais que, como o
habeas corpus ou o mandado de segurança, não protegem processos, mas direitos fundamentais do indivíduo.
Portanto,
as medidas protetivas são medidas cautelares inominadas que visam
garantir direitos fundamentais e “coibir a violência” no âmbito das
relações familiares, conforme preconiza o artigo 226, parágrafo 8º, da
Constituição da República. Ou, como já sustentado por Didier Jr e
Oliveira, representam modalidade de tutela jurisdicional diferenciada
que se aproxima das medidas provisionais satisfativas constantes do
artigo 888 do CPC, mas que não teriam conteúdo cautelar e prescindiriam
do ajuizamento de uma demanda principal (PIRES, 2011).
Assim, a
discussão instalada em parte da doutrina, no sentido de perquirir qual a
natureza das medidas protetivas, se cíveis ou criminais, é
desnecessária, porque pressupõe um processo principal a ser protegido.
Ademais, as medidas protetivas não buscam provar crimes, até porque podem ser deferidas mesmo em sua ausência:
No
ponto, também divergem das cautelares penais (busca e apreensão,
interceptação telefônica, prisão temporária, etc.), que visam provar a
prática de um crime no bojo do processo penal, ou da prisão preventiva,
que, embora possa ter como um dos seus requisitos a garantia da
integridade das vítimas, só se sustenta se houver indícios suficientes
da prática de crime. Ora, as medidas protetivas previstas na LMP não se
prestam para provar crimes. Elas podem inclusive ser requeridas mesmo
quando não seja praticada infração penal. Basta a ocorrência de alguma
das violências domésticas elencadas no art. 7º da LMP, pois a Lei busca
enfrentar a violência, que nem sempre terá um tipo correspondente na
legislação penal. (LIMA, 2011)
Ausência de contraditório
O art. 282 do CPP dispõe que:
§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da
medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a
intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das
peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.
Assim, o novo
sistema prevê, como regra geral, a oitiva prévia do suspeito antes da
aplicação de alguma cautelar, em homenagem ao princípio do
contraditório. Ressalva apenas os “casos de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida”.
Esse dispositivo conflita com a Lei Maria
da Penha, que determina a concessão imediata da protetiva, no prazo de
48 horas e independentemente de manifestação prévia do acusado e do
próprio Ministério Público:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:
I — conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; (…)
Art. 19. (…)
§ 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de
imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do
Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
Dessa
forma, ao contrário das cautelares gerais, não se aplica o
contraditório para a concessão de medidas protetivas, até porque, como
vimos, a sua finalidade não é resguardar processos, e sim pessoas, de
forma que a oitiva prévia do acusado pode inviabilizar a própria
segurança das vítimas.
Nada impede, porém, dependendo do caso, que
o juiz determine uma audiência de justificação, na forma prevista no
artigo 804 do Código de Processo Civil, para ouvir as partes. Tal
audiência não implica intimação prévia do acusado para responder ao
pedido, mas apenas para participar do ato.
Medidas protetivas de ofício
O novo artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, proíbe a concessão de
cautelares de ofício pelo juiz na fase investigatória. Essa regra geral,
que aprimora o sistema acusatório no processo criminal, não se aplica
às medidas protetivas.
Como vimos, a finalidade das medidas
protetivas é diferente das cautelares criminais tradicionais. Enquanto
estas visam garantir o processo e ajudar na apuração do crime, aquelas
buscam proteger a própria integridade da vítima, em outras palavras, os
direitos humanos mais básicos.
Dessa forma, não ofende o princípio
acusatório a concessão de medidas protetivas de ofício pelo juiz, pois,
no caso, este atua como garante de direitos fundamentais (função
basilar do Judiciário), e não como agente direcionado a provar crimes ou
resguardar o resultado do processo.
Por isso, nos termos dos
artigos 18 e 19 da Lei Maria da Penha, o juiz pode conceder medidas
protetivas de ofício no inquérito, sem ouvir as partes e sequer o
Ministério Público. Esta disposição afasta a regra geral do atual artigo
282, parágrafo 2º, do CPP, mas mantém íntegro o sistema acusatório.
Ressalve-se,
porém, que o juiz não pode conceder de ofício as medidas cautelares do
CPP no inquérito, mesmo em defesa da mulher em situação de violência
doméstica. O mesmo se diga quanto ao decreto de prisão preventiva,
conforme veremos no próximo tópico.
Prisão preventiva de ofício no inquérito
O artigo 20 da Lei Maria da Penha admite a prisão preventiva
decretada de ofício pelo juiz tanto no inquérito quanto no processo. No
ponto, repetiu a regra então prevista no artigo 311 do CPP.
No
entanto, a Lei 12.403/11 mudou essa disposição, vedando ao juiz o
decreto de prisão preventiva na fase policial sem o pedido do delegado
ou do promotor de justiça, estabelecendo nova redação ao artigo 311 do
CPP.
Essa mudança aprimorou o sistema acusatório, quem tem sede
constitucional (SILVA, 2010), pois ao juiz deve ser garantida
equidistância da fase investigativa, sob pena de ser contaminado pelo
lavor persecutório. Imagine-se o decreto de uma prisão cautelar no
inquérito com a discordância do Ministério Público. Se o titular
exclusivo da ação penal sequer formou sua
opinio delicti ou entende desnecessária a prisão, como ficará a garantia do cidadão em ser julgado por um juiz imparcial em eventual processo?
Assim,
em que pesem opiniões em sentido contrário, o juiz não pode, no
inquérito, decretar de ofício a prisão preventiva nos casos regidos pela
Lei Maria da Penha, porque o artigo 20 daquele diploma legal restou
parcialmente revogado pelo novo artigo 311 do CPP.
Ressalve-se,
porém, a possibilidade de o juiz converter a prisão em flagrante em
prisão preventiva, por força do artigo 310, II, do CPP. Esta exceção à
regra geral do artigo 311 do CPP, permite ao juiz
manter a prisão mediante outros fundamentos (requisitos da preventiva). Vejamos o descortino doutrinário:
Em
verdade, na hipótese do art. 310, há houve uma prisão anterior em
flagrante, de sorte que o magistrado não esta tomando qualquer
iniciativa. A prisão em flagrante já foi realizada por qualquer do povo
ou pela autoridade policial e o magistrado, em verdade, apenas verifica
se há a necessidade de sua manutenção (…) Na prática, a prisão já
ocorreu e o juiz não a decreta, mas apenas verifica se é o caso de
manter a prisão ou conceder liberdade. (MENDONÇA, 2011)
A
rigor, a análise feita pelo juiz na forma do artigo 310 é uma
necessidade para concessão da liberdade provisória, como regra geral, do
preso em flagrante. Apenas em hipóteses estritamente necessárias é que
se permitirá, como corolário da não concessão de liberdade, a prisão
preventiva. O juiz funciona nesse caso como garantidor do direito
fundamental da liberdade, de modo que não há ofensa ao princípio
acusatório. O que não se permite é que determine a custódia preventiva
de quem não está preso por um flagrante legal.
Prisão preventiva independe de medida protetiva anterior
A Lei Maria da Penha possibilitou a prisão preventiva para
todos os crimes cometidos em violência doméstica contra a mulher,
independentemente da pena máxima cominada, “para garantir a execução das
medidas protetivas”. Tal disposição, prevista no artigo 313, III, do
CPP, foi mantida pela Lei 12.403/11.
Inobstante a citada
finalidade expressa da prisão — “garantir a execução das medidas
protetivas” —, a Lei 12403/11 não proíbe seu decreto na ausência de
medida protetiva anterior, ou mesmo de seu eventual descumprimento.
De
fato, a Lei 12.403/11 admite dois tipos de prisão preventiva: uma, para
o caso de descumprimento das cautelares e a ser decretada em “último
caso” (art. 282, § 4º, CPP), denominada pela doutrina “substitutiva” ou
“subsidiária” (MENDONÇA, 2011); outra, como primeiro recurso (prisão
preventiva “originária” ou “autônoma”), desde que não seja “cabível a
sua substituição por outra medida cautelar” (art. 282, § 6º, CPP) ou
estas “se revelarem inadequadas ou insuficientes” (art. 310, II, CPP).
Dessa
forma, essa disposição deve ser observada nos casos da Lei Maria da
Penha, admitindo-se o decreto de prisão preventiva (autônoma) desde
logo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, perpassados pelo fundamento da dignidade do ser
humano. Não haveria sentido permitir a prisão cautelar para todos os
casos e, quando se tratar de violência contra a mulher, subordiná-la a
um requisito especial, que pode significar a prática de novas
violências, e até o assassinato. Há casos em que somente a prisão, como
primeiro recurso, pode debelar um estado de violência, mormente no
âmbito familiar, em que os acusados tem privilegiado acesso às vítimas.
Delegado de polícia não pode representar pelas medidas protetivas
O novo artigo 282, parágrafo 2º, do CPP, permite à autoridade
policial representar pela decretação de medidas cautelares na fase
investigatória. A Lei Maria da Penha, no entanto, somente permite às
vítimas e ao Ministério Público requerer medidas protetivas.
Considerando
que, mesmo antes da Lei 12.403/11, a lei processual admitia que a
autoridade policial representasse por cautelares (prisão preventiva e
sequestro de imóveis, p. e), tem-se que a opção do legislador ao aprovar
a Lei Maria da Penha foi clara no sentido de não permitir à polícia
postular medidas protetivas. Ora, a regra é o pedido das vítimas. Na sua
falta, permite-se apenas ao
Parquet, como titular da ação penal pública, requerer por ela. Explica-se:
o
Ministério Público não precisa aguardar o pedido das vítimas e pode,
inclusive, requerer medidas contra a vontade delas. Esta é a razão
principal do dispositivo. É que a vulnerabilidade própria das pessoas
que sofrem violência doméstica, motivo da construção da LMP, não raro as
impede de se opor aos(às) agressores(as). O medo ou o sentimento de
lealdade vigente na família, aliado à perplexidade perante um ato
criminoso praticado por pessoa próxima, paralisa sua reação. Um
representante de uma criança (pai ou mãe), por exemplo, pode ser
conivente com um ato violento praticado por algum parente. Essa omissão
deve ser suprida pelo Estado, que pode determinar, por exemplo, o
afastamento do lar de todos quanto coloquem em risco a integridade dos
membros da família.
Frise-se que a jurisprudência tem
admitido até a abertura de processos contra a vontade das vítimas nos
casos em que a representação delas é necessária (vide comentários ao
art. 16). Com maior razão, é permitido ao Ministério Público agir na
proteção das vítimas, buscando as medidas protetivas por elas recusadas,
quando houver indícios de que sua vontade não é livre ou espontânea. (LIMA, 2011)
Dessa
forma, a regra geral das medidas cautelares, no sentido de que a
autoridade policial pode representar pelo seu decreto, não se aplica aos
casos tratados pela Lei Maria da Penha.
Advirta-se, porém, que a
autoridade policial pode representar pelas cautelares previstas no CPP,
como a monitoração eletrônica, mesmo nos casos de violência doméstica
contra a mulher. O que não se admite é que represente pelas medidas
protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Isso se dá porque, como
vimos anteriormente, a função genérica das cautelares do CPP é
resguardar a investigação ou o processo; das medidas protetivas, ao
contrário, é proteger a integridade das vítimas, não raro,
ingressando-se na esfera de sua intimidade, como na determinação de
afastamento do lar ou proibição de contato.
Proibição de a autoridade policial fixar fiança
Desde a reforma processual penal de 1977, é vedado à autoridade
policial conceder fiança nos crimes considerados mais graves,
identificados como aqueles em que se autoriza, em tese, a prisão
preventiva (art. 313 e incisos do CPP). Em tais casos, somente o juiz
poderá conceder a liberdade ou manter a prisão em flagrante,
convertendo-a em prisão preventiva.
Com efeito, dispõe o CPP, em artigo mantido pela Lei 12.403/11:
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: (…)
IV — quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Ora,
os “motivos que autorizam a prisão preventiva” só estarão presentes nos
crimes em que se admite tal cautelar extrema. A análise dos requisitos
da prisão preventiva, e sua consequente decretação, é matéria de alçada
judicial. Não se admite que outro órgão arbitre fiança, uma vez que sua
concessão está vinculada à ausência dos requisitos da prisão preventiva,
cuja apreciação compete ao juiz, como corolário da cláusula de reserva
jurisdicional prevista no artigo 5º, LXI, da Constituição Federal.
Para
os demais crimes, considerados menos graves, pode o delegado conceder
fiança, pois a própria prisão preventiva é vedada e nem mesmo o juiz
poderia manter a prisão em tais casos.
Com a Lei Maria da Penha,
os crimes envolvendo violência doméstica contra a mulher,
independentemente da pena prevista, entraram no rol dos que se proíbe a
liberdade mediante fiança no âmbito policial. A reforma das medidas
cautelares feita pela Lei 12.403/11 não só manteve este entendimento
como o reforçou e também o ampliou para impedir a fiança policial quando
a vítima de violência doméstica for do sexo masculino, desde que
vulnerável (menor, idoso, enfermo ou pessoa deficiente), nos termos do
artigo 313, III, do CPP.
De fato, o CPP autoriza a fiança policial
apenas para os crimes punidos com pena máxima de quatro anos de prisão,
conforme artigo 322. O dispositivo se correlaciona com a atual redação
do artigo 313, I, que só admite a prisão preventiva para os crimes com
pena superior a quatro anos de prisão. Essa regra geral, consequência
lógica do artigo 324, IV, é aplicável para todas as demais hipóteses em
que se admite a prisão preventiva, inclusive na violência doméstica, de
modo que mesmo nos crimes punidos com pena inferior a quatro anos de
prisão se proíbe a fiança na esfera policial.
Assim, o dispositivo
previsto no artigo 322, que permite a concessão de fiança pelo delegado
nos crimes punidos com pena até quatro anos, não se aplica à violência
doméstica, em face das inovações introduzidas no próprio CPP pela Lei
Maria da Penha e pela Lei 12.403/11.
Com efeito, todos os crimes
punidos com pena até quatro anos de prisão estão agora sujeitos à prisão
preventiva, nos termos do aludido artigo 313, inc. III. Logo, não será
concedida a fiança se presentes os requisitos da prisão preventiva (art.
324, IV), apreciação a ser feita pelo juiz, nos termos do artigo 311.
Na ausência desses requisitos, somente o magistrado deve soltar o
acusado, independentemente da fixação de fiança, nos termos expressos do
artigo 310, que esclareceu sua função quando se deparar com uma prisão
em flagrante:
I — relaxar a prisão ilegal; ou
II — converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;
ou
III — conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Ao
determinar que o juiz pode converter o flagrante em preventiva, o
legislador se refere a todos os crimes em que a lei autoriza, em tese, a
prisão preventiva, inclusive os praticados em violência doméstica. Se o
delegado conceder fiança, por exemplo, num crime de ameaça, impedirá a
atuação jurisdicional. Ora, como o juiz converterá um flagrante em
prisão se o agente já foi solto com o mero pagamento de fiança na
delegacia?
Para além disso, se a lei obrigasse o delegado a fixar a
fiança nesses casos, criaria uma situação delicada e constrangedora
para esse profissional. É que, quando verificada a periculosidade do
acusado ou o risco à integridade da vítima, por exemplo, o delegado
teria que soltar o preso, desde que ele tivesse dinheiro para a fiança.
Assim, assumiria um ônus e um risco que nem ao Judiciário é conferido,
qual seja, o de conceder liberdade quando presentes os requisitos da
prisão cautelar.
Esclareça-se que tal entendimento não causa
prejuízos aos acusados porque sua prisão deve ser comunicada
imediatamente ao juiz e ao promotor, bem como o auto de flagrante deve
ser remetido em 24 horas ao juiz e ao defensor público, conforme artigo
306, caput, e seu parágrafo 1º, do CPP.
Sobre o tema, a Comissão Permanente dos Promotores de Justiça da Violência Doméstica (COPEVID)
[1] emitiu em 7/12/2011 o seguinte enunciado:
Enunciado
nº 6: Nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,
criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, é vedada
a concessão de fiança pela Autoridade Policial, considerando tratar-se
de situação que autoriza a decretação da prisão preventiva nos termos do
artigo 313, III, CPP.
Referências Bibliográficas
LIMA, Fausto Rodrigues de. Comentários aos artigos 25 e 26 da Lei Maria da Penha (Da atuação do Ministério Público).
In CAMPOS, Carmen Hein de Campos (Organizadora).
Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.
______
Fiança Policial, violência doméstica e a Lei nº 12.403/2011. Disponível em
www.jusnavigandi.com.br, maio/2012.
MENDONÇA, Andrey Borges de.
Prisão e outras Medidas Cautelares Pessoais,
de acordo com a Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
PIRES, Amom Albernaz.
A Opção Legislativa pela Política Criminal Extrapenal e a Natureza Jurídica das Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha. Brasília: Revista do MPDFT, v.1, n. 5, 2011.
SILVA, Edimar Carmo da.
O princípio acusatório e o devido processo legal. Porto Alegre: Nuria Fabris Editora, 2010.