segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Organização criminosa não é antecedente de lavagem

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal reitera que o crime praticado por organização criminosa não tem tipo penal próprio, não podendo, assim, servir como antecedentes para outros crimes.  A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal arquivou a ação penal, relativa às imputações de lavagem de dinheiro, referente ao processo derivado da operação negócio da China, deflagrada pela Polícia Federal em 2008.
Embora os ministros tenham extinto o Habeas Corpus impetrado por um dos réus na mesma sessão, em razão de este não ser o instrumento adequado para o arquivamento da ação, eles não viram fundamento processual que sustente as acusações de lavagem. Dessa forma, a 1ª Turma expediu Ordem de Ofício para arquivar o processo naquelas imputações específicas.
A justificativa é que o crime de lavagem tinha apenas como antecedente o organização criminosa, que não é um tipo penal próprio e não se confunde, portanto, com formação de quadrilha. Os ministros estenderam a conclusão a todos os demais réus.  Ao apresentar voto-vista, o ministro Dias Toffoli lembrou que a mesma questão foi discutida no julgamento da Ação Penal 470, quando o Plenário entendeu não há um tipo penal próprio para o crime de organização criminosa.
Já para a conclusão pela inadequação do Habeas Corpus, o ministro Marco Aurélio citou precedentes da corte como o caso dos fundadores da Igreja Renascer, quando a ação penal referente à lavagem também foi arquivada porque a denúncia imputava como delito antecedente o crime praticado por organização criminosa, nos termos  do inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/1998, com a redação anterior à edição da Lei 12.683, de 2012. Do mesmo modo, os ministros derrubaram a ação penal no que tocava à imputação por lavbagem também por Ordem de Ofício.
“Penso que se impõe a concessão de ofício", disse o relator. “O legislador da Lei 9.613, ao disciplinar a lavagem, poderia ter cogitado desse crime antecedente, que seria o de quadrilha, mas não o fez”, reiterou. Com informações da Assessoria de Comunicação do Supremo Tribunal Federal.
HC 108.715

domingo, 29 de setembro de 2013

VATICANO - PAPA FRANCISCO ENFRENTA DISSIDÊNCIA





O Papa Francisco acena para a multidão durante cerimônia do Angelus na Praça de São Pedro: Pontífice demonstrou uma maior abertura às transformações das sociedades modernas, o que está lhe rendendo ataques de conservadores
Foto: STEFANO RELLANDINI / Reuters/STEFANO RELLANDINI


O Papa Francisco acena para a multidão durante cerimônia do Angelus na Praça de São Pedro: Pontífice demonstrou uma maior abertura às transformações das sociedades modernas, o que está lhe rendendo ataques de conservadores STEFANO RELLANDINI / Reuters/STEFANO RELLANDINI
PARIS - Não é raro o Papa Francisco deixar sua sala de trabalho na Residência de Santa Marta, na Cidade do Vaticano, tirar uma moeda do bolso e se servir de um café expresso na máquina instalada no corredor. Em mais de seis meses de pontificado, o sucessor de Bento XVI manteve seus austeros hábitos de cardeal franciscano, renunciou aos aposentos papais no Palácio Apostólico e a tradicionais símbolos do vestuário do cargo, como os sapatos vermelhos ou a cruz de ouro (ele usa uma de prata).
No discurso, o novo Pontífice demonstrou uma maior abertura às transformações das sociedades modernas, na rejeição de uma ingerência espiritual na vida pessoal, e criticou a “obsessão” da Igreja por temas como o casamento homossexual, o aborto ou os contraceptivos. A Igreja “dos pobres e para os pobres” do Papa Francisco tem suscitado entusiasmo entre fiéis, mas também desaprovação e severas críticas por parte de setores católicos conservadores.
Para o italiano Marco Politi, um dos mais respeitados vaticanistas, está em curso “uma verdadeira revolução”, num processo gradual de “desmontagem de uma Igreja imperial” em que o Papa era o monarca absoluto e a Cúria romana, o centro de dominação. O analista aponta uma firme intenção de Francisco em impor o “princípio de colegialidade” pela implementação de um mecanismo de consulta com os bispos para decidir sobre as mudanças necessárias à Igreja.
— Por isso que já ocorre uma resistência das forças conservadoras, não somente na Cúria, mas na Igreja. Mas até este momento, no escalão superior, os cardeais e bispos conservadores não falam abertamente contra o Papa, deixam as críticas mais furiosas aos sites na internet. Vemos em diferentes partes do mundo sites muito agressivos contra o Papa, acusando-o de populista, demagógico, pauperista, de não querer exercer o primado absoluto de Pontífice romano — nota Politi.
‘Enganador em turnês demagógicas’
O blog “Messainlatino.it”, que prega a renovação da Igreja “na esteira da tradição”, denunciou uma “real e verdadeira crise de identidade” do Pontífice por causa de uma de suas notórias declarações no voo de retorno à Itália da viagem ao Rio de Janeiro, onde participou da Jornada Mundial da Juventude (JMJ): “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, disse Francisco. O site tradicionalista diagnosticou como “um sinal tangível de um extravio existencial que faz literalmente tremer os nervos e o corações dos fiéis”, e indagou de forma irônica: “Perdoe o atrevimento, vós não sois, talvez, o ‘Papa’? Não tendes, talvez, as chaves para abrir e fechar o Reino dos Céus?”.
Conservadores americanos reunidos no “Tradition in Action”, site baseado em Los Angeles que defende as “tradições católicas”, acusaram Francisco de ser um “enganador” que organiza “turnês demagógicas” em “estilo miserabilista”. Para o “Tradition in Action”, o Pontífice procura “dessacralizar os símbolos do papado a fim de aboli-los”. O site criticou seu gesto de retirar o solidéu para colocá-lo sobre a cabeça de uma menina: “Deste modo, quer parecer como um velho vovô que brinca com a sua netinha e, ao mesmo tempo, demonstrar que os símbolos do papado são inúteis”.
Bertone fora do caminho
Para o “Corrispondenza Romana”, setores da Igreja estão sendo controlados por “uma minoria de frades rebeldes de orientação progressista”. O site “Una Fides” censurou missas celebradas no Brasil em que sacerdotes distribuíram a eucaristia em copos de plástico: “O Senhor, um dia, pedirá contas pelos inumeráveis sacrilégios cometidos por milhões de crentes, milhares de sacerdotes, centenas de bispos, dezenas de cardeais e talvez até por alguns Papas.” Já a publicação americana “National Catholic Register” definiu a eleição de Jorge Mario Bergoglio como Papa como “mais um acréscimo à pilha das recentes novidades e mediocridades católicas”.
Para Marco Politi, haverá mais oposição entre bispos e cardeais no mundo do que dentro da Cúria, onde grande parte de seus integrantes estava decepcionada com a ineficácia administrativa de Bento XVI e com o autoritarismo do cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano.
— Não podemos saber como tudo vai evoluir, mas é certo que à medida que o Papa avançar em suas reformas, o movimento de resistência por parte dos conservadores será cada vez mais forte — avalia.
Para o posto de Bertone, o segundo na hierarquia da Santa Sé, foi nomeado o arcebispo Pietro Parolin, “um homem de grande experiência, que não tem uma atitude ideológica, mas de atenção para a realidade contemporânea”, diz Politi. O vaticanista lista, ainda, algumas mudanças importantes já feitas ou sinalizadas pelo Papa: o saneamento do Banco do Vaticano, com tolerância zero para as contas opacas; a criação do grupo de trabalho constituído de oito cardeais para refletir e elaborar propostas de reformas na Cúria, a comunhão para os divorciados recasados ou a ascensão de mulheres a postos de decisão na hierarquia da Igreja.
— Uma de suas decisões que provocaram bastante ruído em Roma foi a demissão do prefeito da Congregação do Clero, o cardeal Mauro Piacenza (substituído por Beniamo Stella), responsável pelas centenas de milhares de padres no mundo — acrescenta Politi. — Era muito conservador, e contra qualquer mudança na lei do celibato. Esta troca é um sinal claro de que o Papa não quer um conservador num posto-chave como este.
‘A instituição irá se defender’
Para o sociólogo francês Olivier Bobineau, especialista em religiões no Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences-Po) e autor de “O império dos Papas — uma sociologia do poder na Igreja”, haverá um limite para as reformas de Francisco. Na sua opinião, o Pontífice já deu sinais de abertura, simplificou o protocolo hierárquico e poderá alterar o “clima e o ambiente” na Igreja, mas terá enormes dificuldades se desejar promover transformações mais profundas.
— A primeira coisa que ele teria de fazer é mexer no edifício hierárquico. Mas nem João XXIII conseguiu fazê-lo. A instituição irá se defender. Há padres e bispos que amam este poder hierárquico, e vão tentar conservá-lo por todos os meios. Não se pode sair de uma estrutura católica que remonta ao século V. Há 1.500 anos é assim. Um só homem não pode mudar isto.
Bobineau acredita que o Papa centrará seu Pontificado nas mensagens de amor e pelos pobres e em mudanças de estilo:
— Em sua recente entrevista à revista dos jesuítas, ele disse que as reformas estruturais e organizacionais são secundárias. Ele sabe. Seria necessário explodir tudo. Ele está no topo de uma estrutura hierárquica que em algum momento vai lhe impor limites. Quanto mais ele empurrar no sentido de mudanças, mais sofrerá resistências dos conservadores — prevê.
Entre 1º e 3 de outubro, o Conselho de oito cardeais se reunirá com o Papa para preparar um documento de trabalho com propostas de reformas na Cúria. No dia 4, Francisco visitará, pela primeira vez como Papa, Assis, a cidade do santo que inspirou o nome de seu pontificado.
— A expectativa é de que fará um discurso bastante forte sobre a pobreza na Igreja — arrisca Politi.

fonte: GLOBO.COM

SEGURO DPVAT - Vítima pode escolher o foro para ação do DPVAT

Na cobrança de indenização decorrente do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre os seguintes foros para ajuizamento da ação: do local do acidente, do seu domicílio ou do domicílio do réu. A decisão é da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial interposto por uma mulher.
Em decisão unânime, os ministros do colegiado entenderam que, como o seguro DPVAT tem finalidade eminentemente social, é imprescindível garantir à vítima do acidente amplo acesso ao Poder Judiciário em busca do direito tutelado em lei.
A tese, firmada sob o rito dos recursos repetitivos, deve ser aplicada a todos os processos idênticos que tiveram a tramitação suspensa até esse julgamento. Só caberá recurso ao STJ quando a decisão de segunda instância for contrária ao entendimento firmado pela Seção.
Exceção de incompetência
A consumidora ajuizou ação de cobrança contra uma seguradora, em razão de acidente de carro que provocou a morte de sua mãe. A ação foi ajuizada perante a 52ª Vara Cível do Rio de Janeiro.
A seguradora, além da contestação, apresentou exceção de incompetência, alegando que a consumidora reside em São Paulo e o acidente também teria ocorrido naquele local, onde a ação deveria ter sido proposta. O juízo da 52ª Vara Cível acolheu a exceção de incompetência.
Inconformada, a consumidora recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, defendendo seu direito de escolher o local para propor a ação, mas a corte estadual manteve o entendimento do juiz. “O pagamento do seguro DPVAT decorre de obrigação legal e não possui caráter de reparação de dano, devendo a obrigação ser satisfeita no domicílio do autor”, decidiu o tribunal fluminense.
No recurso especial, a consumidora sustentou que, independentemente de o local do fato ou sua residência ser em estado diverso, é possível o ajuizamento da ação no foro do domicílio do réu. Destacou também que as regras de competência foram criadas para favorecer a vítima do acidente, que poderá, assim, escolher onde quer propor a ação.
Competência concorrente
Em seu voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, citou que a regra geral de competência territorial encontra-se no artigo 94 do Código de Processo Civil e indica o foro de domicílio do réu como competente para as demandas que envolvam direito pessoal, quer de natureza patrimonial ou extrapatrimonial, e para as que versem sobre direito real sobre bens móveis.
Já o artigo 100 estabelece que, nas ações de reparação de danos sofridos em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.
Para o ministro Salomão, as duas regras se completam. “A regra prevista no artigo 100 do CPC cuida de faculdade que visa facilitar o acesso à Justiça para o jurisdicionado, vítima do acidente, não impedindo, contudo, que o beneficiário da norma especial abra mão dessa prerrogativa, ajuizando a ação no foro de domicílio do réu”, afirmou.
Dessa forma, quando a ação for proposta em seu domicílio, o réu não poderá opor-se à opção feita pelo autor, por meio de exceção de incompetência, por ausência de interesse de agir. Seguido pelos demais ministros do colegiado, o ministro Salomão declarou competente o juízo de direito da 52ª Vara Cível do Rio de Janeiro para processar e julgar a ação. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

SEGURANÇA JURÍDICA - Cabe rescisória em decisão contrária à jurisprudência

A sentença rebelde, que desconsidera jurisprudência sumulada do Superior Tribunal de Justiça, pode ser desconstituída por Ação Rescisória. Para a 4ª Turma do STJ, a desobediência judiciária não pode ser referendada em detrimento da segurança jurídica, da isonomia e da efetividade da jurisdição.
“A solução oposta, a pretexto de não eternizar litígios, perpetuaria injustiças”, advertiu o ministro Luis Felipe Salomão. “Definitivamente, não constitui propósito da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal a chancela da rebeldia judiciária”, ponderou. De acordo com a súmula, editada em 1963, a Ação Rescisória apresentada sob alegação de violação a literal dispositivo de lei é inviável quando o texto tiver interpretação controvertida.
No caso analisado, o juiz aplicou, em sentença de 2005, entendimentos tomados pelo STJ entre 1997 e 2000. Em 2004, o STJ já havia editado súmula a respeito da matéria em outro sentido. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no entanto, entendeu que a rescisória era improcedente, à luz da Súmula 343 do STF.
Salomão apontou, porém, que o propósito da referida súmula é o de acomodar a jurisprudência, evitando a relativização da coisa julgada diante de eventuais mudanças pontuais na composição da corte.
Para o relator, a coisa julgada é apenas uma das manifestações da segurança jurídica, e não necessariamente a mais importante. Ele ressaltou a necessidade de privilegiar, igualmente, as demais manifestações, para que “a segurança jurídica não se transforme em mero ingrediente vulgar de peculiar versatilidade”.
O ministro anotou ainda que a “violação literal” de lei que autoriza a rescisória não é sinônimo apenas de ofensa aberrante à letra da lei. Ela alcança o direito em tese, a não aplicação de norma patente, mesmo que não conste literalmente em texto algum — concluiu o relator, referindo-se à doutrina do ministro aposentado do STF Barbosa Moreira.
Segurança jurídica
O relator citou ampla doutrina para esclarecer que a segurança jurídica deve se traduzir em leis determináveis e efeitos jurídicos previsíveis e calculáveis pelos cidadãos. Dessa forma, o conteúdo da segurança jurídica não está limitado ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada, mas alcança a própria atividade jurisdicional.
“De fato, a dispersão jurisprudencial deve ser preocupação de todos e, exatamente por isso, tenho afirmado que, se a divergência de índole doutrinária é saudável e constitui importante combustível ao aprimoramento da ciência jurídica, o dissídio jurisprudencial é absolutamente indesejável”, afirmou Salomão.
“É inegável que a dispersão jurisprudencial acarreta, quando não o perecimento do próprio direito material, a desnecessária dilação recursal, com perdas irreversíveis de toda ordem ao jurisdicionado e ao aparelho judiciário”, completou. Com a decisão da 4ª Turma do STJ, a ação retornará ao TJ-RS para que este siga julgando a rescisória. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.163.267

Ação de paternidade não pode ser interrompida

A ação investigatória de paternidade, uma vez iniciada, não pode ser interrompida nem pela mãe da criança, dada a natureza indisponível do direito em questão. Foi o que decidiu a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao manter decisão que negou a uma mãe o pedido de desistência do processo, que tramita há três anos na comarca de Canoas.
A mãe alegou que não tem mais interesse no reconhecimento de paternidade, já que o suposto pai não compareceu nem irá comparecer para fazer o exame de DNA. Ela afirma que ele é viciado em drogas e anda perambulando pelas ruas.
O relator do recurso, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, explicou no acórdão que o direito de reconhecimento do estado de filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).
Desse modo, continuou, após a propositura da ação de investigação de paternidade, não se pode conferir a terceiro — ainda que representante legal da autora da ação, como no caso — a possibilidade de desistir do pedido formulado. Em síntese: o desfecho do processo é de grande relevância para o futuro da criança, cujo interesse superior deve ser resguardado.
"Flagrante o prejuízo que pode advir à menor se for permitida a desistência da ação pleiteada por sua genitora, é imperativo o prosseguimento do feito, inclusive sendo possível e recomendável a nomeação de curador especial à demandante, ante o conflito de interesses configurado entre ela e sua representante legal’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão do dia 29 de agosto.
Clique aqui para ler o acórdão.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Estatuto do Nascituro relativiza crime de estupro

Todo ato de violência gera indignação nas pessoas. Buscar suas causas, analisar a ação de todos os lados envolvidos e dirimir consequências são tarefas do Estado e da própria sociedade que se indigna. Sendo mais objetiva, especifico o tipo de violência da qual tratarei nesse artigo: a violência contra a mulher. E, relacionada a essa violência, outra não menos importante de se analisar, a que ocorre contra o nascituro, cujos direitos foram elencados no que está sendo chamado de Estatuto do Nascituro, também intitulado de “bolsa estupro” para os que são contra sua aprovação. Já deu para perceber, não? É uma peça jurídica que vem gerando muita polêmica e já foi aprovada na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Enquanto segue nos trâmites do poder, podemos discuti-lo. Antes, porém, é bom saber que nascituro é o ser humano concebido, não nascido. E já há leis na Constituição que lhe garantem proteção, inclusive, nas leis de herança e sucessão.
Para aprofundar no assunto, retrocedamos alguns meses. Em outubro de 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, por unanimidade, que o crime de estupro, assim como o de violência sexual, é hediondo, mesmo sem morte ou grave lesão da vítima. E aqui, é bom que se ressalte: a vítima pode ser tanto mulher, quanto transexual ou travesti. Cada movimento da lei no sentido de interpretar com justiça a violência contra o ser humano, pertença ele a uma minoria ou não, é tido como um avanço e favorece a sociedade como um todo.
Na tentativa de cercar as vítimas de meios para superar tamanha atrocidade, o Senado aprovou, no começo de julho desse ano, o Projeto de Lei da Câmara 3/2013, que assegura atendimento e tratamento imediatos – o texto especifica “atendimento emergencial, integral e multidisciplinar”, incluindo auxílio psicológico e assistencial – a vítimas de violência sexual.
De acordo com o projeto, médicos e policiais devem atuar juntos, por exemplo, no recolhimento de material genético para que a perícia consiga identificar o agressor por meio de exame de DNA. Na prática, isso diminui não só o risco da impunidade do agressor como ameniza o constrangimento, afinal, uma unidade do SUS, pelo menos teoricamente, deve ser um ambiente menos constrangedor do que o Instituto Médico Legal, que é onde normalmente se fazem as perícias.
Além da violência física e psicológica, o crime de estupro pode trazer mais uma consequência que é, nesse contexto, revoltante: a gravidez. Para evitá-la, o mesmo projeto do Senado indica que no SUS seja ministrada a pílula do dia seguinte, que é bastante eficiente. E é aqui que começa a polêmica.
Já há quem afirme, em textos aqui e ali, que ministrar a pílula do dia seguinte, ao invés de excelente profilaxia, seria uma indução à prática do aborto, uma vez que essa pílula age satisfatoriamente mesmo que já tenha acontecido a fecundação. Mas atenção: o artigo 128 do Código Penal diz que não se pune o aborto feito por médico em duas situações: se não houver outro meio de salvar a vida da paciente, daí chamado “aborto necessário”; e em casos de estupro, determinando que deva existir o consentimento da paciente ou de seu representante legal. Ora, é óbvio que a pílula é preferível ao aborto, este sim, extremamente traumático à mulher, seja qual for sua condição.
Mas a polêmica esquenta quando analisamos o item do Estatuto do Nascituro que se acerca da questão do aborto. Na sua totalidade, trata-se de um texto que defende a vida e o direito de nascer, conclamando pais e a sociedade a cuidar dos embriões, inclusive dos embriões congelados. Claro, sempre é louvável reforçar a responsabilidade dos cidadãos, porém, pelo menos o artigo 13º e seus incisos soam um tanto desconectados com o que já foi conquistado no âmbito da legislação em favor da mulher. Eu explico:
O artigo 13º e seus três incisos conclamam os direitos do nascituro da seguinte forma: “o nascituro concebido em decorrência de estupro terá assegurado os seguintes direitos, ressalvados o disposto no artigo 128 do Código Penal Brasileiro: I – direito à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da mãe; II – direito à pensão alimentícia equivalente a um salário mínimo, até que a criança complete 18 anos; III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.
Até aqui, parece tudo muito justo, embora, é bom lembrar, a prioridade deva ser a assistência integral à mulher quando ocorrida a violência, não só para poder realizar um Boletim de Ocorrência e evitar a total impunidade, como para providenciar a interrupção da gravidez. Como já foi dito acima, o aborto é, nesses casos, uma intervenção médica totalmente legal.
Mas é o parágrafo único do mesmo artigo 13º que causa imensa estranheza, não só às feministas. Repare: “se for identificado o genitor, será ele o responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II desse artigo; se não for identificado, ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado”.
A pergunta que se faz, especialmente a fazem as mulheres, é: uma vez identificado o genitor, não será ele o estuprador que deverá ser enquadrado no Código Penal? E, uma vez preso, pagará pensão alimentícia? E mais: a quem caberá “ir atrás” do criminoso? A assistência social ou a polícia? Uma vez que o criminoso, aqui chamado de “genitor” pagará pensão, este poderá reivindicar visitas à criança? Alguém espera que dessa forma se esteja colaborando com a recuperação moral de um criminoso? À custa da tortura mental e psicológica da mulher e, por consequência, da criança?
Além das lacunas legais, parece que os formuladores do Estatuto não percebem que falam de um crime, incorrendo, portanto, na sua relativização. Tem sido uma luta das mulheres, por meio de vários movimentos sociais, alertar para a “cultura do estupro” que ainda reina na sociedade, não só brasileira, como em outros locais do mundo, especialmente naqueles países onde a religiosidade fervorosa comanda o Estado.
A polêmica em relação ao aborto, entretanto, está só no começo. Em fevereiro do ano passado, foi noticiado na mídia o “puxão de orelha” que levaram da Organização das Nações Unidas a presidente Dilma Rousseff e a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci. O motivo foram os números apontados por estudo feito no Brasil: a cada ano, 200 mil mulheres morrem de aborto clandestino. Os especialistas afirmam que a alta taxa de mortes está vinculada à criminalização do aborto.
O governo precisa se desvencilhar do jogo de poder do Legislativo ao qual está mais refém do que vinculado de forma equilibrada – o que seria desejável numa democracia sadia – e olhar para esse número desolador. Nós, pagadores de impostos, desejamos que, no mínimo, sejamos bem atendidos nos serviços públicos e respeitados. Vale lembrar: mesmo com toda essa polêmica acerca do aborto, as clínicas clandestinas existem, são sofisticadas e estão à disposição das mulheres que podem pagar.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Flagrante precisa de elementos para ser caracterizado

Ao julgar um Habeas Corpus o desembargador Glauber Rêgo destacou, mais uma vez, que o flagrante precisa de elementos essenciais para ser caracterizado, conforme o teor do artigo 302 do Código de Processo Penal.
Segundo a decisão, o flagrante só ocorre de fato quando a infração penal acaba de ser praticada ou quando o autor é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor de um delito.
Além destes pontos, o julgamento destacou que o flagrante ocorre quando o autor é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser dele a autoria do crime. “Trata-se de questão fática, pouco importando à espécie a 'crença' do policial que conduziu o acusado”, destaca o desembargador.
A decisão julgou o pedido de Habeas Corpus em favor de um homem que supostamente praticou o crime de Tráfico de drogas, previsto artigo 33, da Lei 11.343/06.
De acordo com o julgamento na Câmara Criminal, a situação narrada pelos policiais no inquérito policial pode até conduzir a um raciocínio lógico quanto à ligação do paciente à droga encontrada. No entanto, não é suficiente para o Direito Processual Penal, com o fim de restrição da liberdade, antes de condenação transitada em julgado, por meras conjecturas de ordem lógica.
“Sendo indispensável a constatação efetiva de elementos concretos que autorizem o cerceamento da liberdade de ir e vir”, acrescenta o desembargador Glauber Rêgo.
(Habeas Corpus com Liminar n° 2013.016016-2)

REABERTURA DE PRAZO - Lei permitirá equacionar dívidas com o fisco federal

A Medida Provisória 615/2013 poderá ser convertida em lei em breve trazendo em seu texto a reabertura do prazo de adesão ao parcelamento da Lei 11.941/2009 — que, na origem, havia concedido vários descontos e prazo alongado para que contribuintes em débito com a União Federal pudessem quitar suas dívidas tributárias.
No que interessa à maioria dos devedores do fisco federal, o artigo 17 do Projeto de Lei de Conversão 21/2013, como aprovado no Senado Federal, reabre até 31 de dezembro de 2013 o prazo de adesão ao parcelamento da Lei 11.941/2009, bem como o prazo para pagamento à vista com os maiores descontos (ambos os prazos já esgotados em Novembro de 2009) — mas o novo diploma não permite o aproveitamento dos benefícios em face dos débitos já incluídos pelos contribuintes naquele parcelamento.
A prevalecer a regra como se encontra delineada, em princípio os contribuintes poderão aderir ao parcelamento e, enquanto aguardam a consolidação, deverão iniciar o recolhimento mensal do maior dentre os seguintes montantes: a) o valor total da dívida dividido pelo número de parcelas na modalidade escolhida, ou b) R$ 50,00 por mês para pessoas físicas e R$ 100,00 para pessoas jurídicas (na origem, a Lei n. 11.941/2009 acolhia o pagamento inicial de parcelas, até a consolidação, nos valores mínimos acima referidos).
Tudo indica que as dívidas suscetíveis de inclusão no parcelamento a ser reaberto serão somente aquelas vencidas até 30 de novembro de 2008, como previa o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei 11.941/2008. Ocorre que, a rigor, com o agravamento da crise no Brasil justamente nos últimos anos, a dívida vencida até 2008 já pode ser considerada relativamente “antiga” (se é que já não foi, em muitos casos, atingida pela decadência ou pela prescrição, especialmente se preenchida a condição de não ter sido parcelada em 2009), e por certo há relevante interesse de devedores no parcelamento de débitos mais recentes.
Ademais, no próprio diploma aqui comentado outras oportunidades de parcelamento de dívidas federais foram especificamente asseguradas para os débitos vencidos até 31 de dezembro de 2012 (vide artigo 39, no tocante ao PIS e à Cofins de instituições financeiras, e o artigo 40, para o caso do Imposto de Renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido exigidos em decorrência do artigo 74 da MP 2.158-35).
Por outro lado, provavelmente as mesmas preocupações e questionamentos atinentes à aplicação da Lei 11.941/2009 serão retomadas agora, a despeito das considerações de oportunidade e conveniência da reabertura de prazo de adesão àquela moratória.
Pode-se referir, por exemplo, que a Lei 11.941/2009 assegurava o desconto de 100% do encargo legal (Decreto-lei 1.025/1969) na quitação dos débitos tributários tanto no pagamento à vista quanto no parcelamento em qualquer modalidade, e é ponderável afirmar que haverá discussão quanto ao pagamento dos honorários nas execuções fiscais previdenciárias mais antigas, originalmente propostas pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), pois o patrocínio do fisco foi assumido mais recentemente pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em decorrência da unificação da Receita Federal e da Receita Previdenciária (Lei 11.457/2007).
Na época da Lei 11.941/2009 defendeu o fisco que os honorários de sucumbência devidos pelos contribuintes nesses casos deveria ser pago em separado e à vista, na hipótese de confissão dos débitos no parcelamento (artigos 12 e 28 da Portaria Conjunta PGFN/ RFB 6/09) — embora não haja distinção legal entre os honorários de sucumbência devidos à Fazenda Nacional em execuções previdenciárias e o encargo legal do Decreto-lei 1.025/1969 que é cobrado como um acréscimo de 20% sobre o valor da dívida ativa justamente para substituir aqueles honorários. Em princípio, o desconto do novo parcelamento deve valer para ambos, pois possuem a mesma natureza jurídica, mas tudo indica que a discussão será retomada por ocasião da reabertura deste parcelamento.
A promulgação da lei e, por certo, a regulamentação da matéria, a seu tempo, deverão dar os novos rumos desejados para essa oportunidade de equacionamento de dívidas com o fisco federal.

FONTE -CONJUR

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Lewandowski suportou confronto com respeito ao Direito

*Artigo publicado originalmente no site do Terra Magazine.
Os valores culturais formam as nacionalidades. Indicam seus modos de encarar o mundo e reconhecer seus iguais. Em cada sociedade eles se apresentam de maneira singular.
Algumas nacionalidades tendem ao espírito guerreiro. Outras às artes. Muitas atuam em duelos tribais. Umas poucas se dedicam à contemplação do universo.
Os brasileiros recolhem muitos destes atributos e acrescentam um traço característico. Todo brasileiro é técnico de futebol. É o que se dizia até passado recente.
Agora, o Brasil profundo, aquele que foi forjado pelo bacharelismo, veio à tona. Com o julgamento do mensalão, todos se voltaram a ser rábulas, práticos da advocacia.
A audiência da televisão pública, destinada aos assuntos da Justiça, superou a de todos os demais canais. As sessões do Supremo Tribunal Federal foram assistidas, em silêncio, por multidões.
São os adeptos do novo espetáculo. O conflito de posições entre personalidades relevantes do cenário público: os ministros da mais alta Corte do Judiciário.
Há, neste fenônemo, aspectos a serem considerados e merecem reflexão. Certamente, o acontecimento demonstra que a cidadania deseja saber como atua seu Judiciário. Moroso e repleto de jogos de palavras.
Outro aspecto se concentra no próprio objeto da causa e em seus personagens, os réus da ação. Quantos temas novos surgiram e como os réus foram expostos sem qualquer reserva.
Alteraram-se visões jurisprudenciais remansosas e de longa maturação. Não houve preservação da imagem de nenhum denunciado. Como nos antigos juízos medievais, foram expostos à execração pública.
O silêncio a respeito foi unânime. O princípio da publicidade foi levado ao extremo. Esta transparência permitiu, inclusive, a captação de conflitos verbais entre magistrados.
A democracia se aperfeiçoa mediante o seu exercício continuo. O julgamento do mensalão foi o mais exposto da História política nacional. Foi bom e ao mesmo tempo preocupante.
Aprendeu-se a importância do bem viver e os danos pessoais — além das penas privativas da liberdade — à imagem dos integrantes do rol de réus. A lição foi amarga.
Toda a cidadania se manifestou a respeito do julgamento. Os meios de comunicação nem sempre foram imparciais no acompanhamento do importante episódio.
Alguns veículos aproveitaram a oportunidade para expor as suas idiossincrasias com agressividade. Aqui, mais uma lição deste julgamento. Seria oportuno um maior equilíbrio na informação.
Isto faria bem à democracia e aos autores do noticiário. Equilíbrio e imparcialidade são essenciais para o desenvolvimento de uma boa prática política.
Um ponto ainda a ser considerado. O comportamento dos próprios ministros. Alguns se mostraram agressivamente contrários a determinadas figuras em julgamento. A televisão capta o pensamento íntimo das pessoas.
Houve também ministros que bravamente aplicaram a lei de forma impessoal. Foram chamados de legalistas. Bom que assim seja. As concepções contemporâneas do Direito, por vezes, fragilizam a segurança jurídica.
Portou-se com destemor o ministro Enrique Ricardo Lewandowski. Soube suportar posições de confronto com altivez e respeito ao Direito. Terminada sua missão de revisor, surgem as primeiras manifestações favoráveis à sua atuação.
São muitas, pois, a lições recolhidas do julgamento do mensalão, em sua primeira etapa. Os brasileiros, rábulas por ativismo, aguardam ansiosos os novos capítulos.
Não haverá a mesma emoção no futuro. A democracia é exercício. Aprendeu-se muito com as sessões do Supremo Tribunal Federal nestes últimos seis meses, inclusive controlar as animosidades

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

'Domínio do fato não convive com in dubio pro reo'

A teoria do domínio do fato não convive com o princípio do in dubio pro reo. Esse é o entendimento do advogado e constitucionalista Ives Gandra Martins. Em entrevista à colunista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo, ele afirmou que, na Ação Penal 470, o processo do mensalão, o domínio do fato, teoria que segundo o jurista não é usada nem na Alemanha, onde surgiu, serviu para condenar o ex-ministro da Casa Civil da José Dirceu sem provas. "Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar]", disse.
Para Ives, a adoção da teoria traz insegurança jurídica, pois permite a condenação de inocentes com base apenas em presunções e indícios, colocando em risco, por exemplo, profissionais em posição de comando nas empresas. Leia a entrevista:
Folha — O senhor já falou que o julgamento teve um lado bom e um lado ruim. Vamos começar pelo primeiro.
Ives Gandra Martins — O povo tem um desconforto enorme. Acha que todos os políticos são corruptos e que a impunidade reina em todas as esferas de governo. O mensalão como que abriu uma janela em um ambiente fechado para entrar o ar novo, em um novo país em que haveria a punição dos que praticam crimes. Esse é o lado indiscutivelmente positivo. Do ponto de vista jurídico, eu não aceito a teoria do domínio do fato.
Por quê?
Ives Gandra Martins — Com ela, eu passo a trabalhar com indícios e presunções. Eu não busco a verdade material. Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento dela — e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado, com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o réu].
Folha — Houve uma mudança nesse julgamento?
Ives Gandra Martins — O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria. Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha [do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
Folha — O domínio do fato e o "in dubio pro reo" são excludentes?
Ives Gandra Martins — Não há possibilidade de convivência. Se eu tiver a prova material do crime, eu não preciso da teoria do domínio do fato [para condenar].
Folha — E no caso do mensalão?
Ives Gandra Martins — Eu li todo o processo sobre o José Dirceu, ele me mandou. Nós nos conhecemos desde os tempos em que debatíamos no programa do Ferreira Netto na TV [na década de 1980]. Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser condenado pelo crime de quadrilha.
Folha — O "in dubio pro reo" não serviu historicamente para justificar a impunidade?
Ives Gandra Martins — Facilita a impunidade se você não conseguir provar, indiscutivelmente. O Ministério Público e a polícia têm que ter solidez na acusação. É mais difícil. Mas eles têm instrumentos para isso. Agora, num regime democrático, evita muitas injustiças diante do poder. A Constituição assegura a ampla defesa -ampla é adjetivo de uma densidade impressionante. Todos pensam que o processo penal é a defesa da sociedade. Não. Ele objetiva fundamentalmente a defesa do acusado.
Folha — E a sociedade?
Ives Gandra Martins — A sociedade já está se defendendo tendo todo o seu aparelho para condenar. O que nós temos que ter no processo democrático é o direito do acusado de se defender. Ou a sociedade faria justiça pelas próprias mãos.
Folha — Discutiu-se muito nos últimos dias sobre o clamor popular e a pressão da mídia sobre o STF. O que pensa disso?
Ives Gandra Martins — O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou como quis.
Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.
Folha — Algum ministro pode ter votado pressionado?
Ives Gandra Martins — Normalmente, eles não deveriam. Eu não saberia dizer. Teria que perguntar a cada um. É possível. Eu diria que indiscutivelmente, graças à televisão, o Supremo foi colocado numa posição de muitas vezes representar tudo o que a sociedade quer ou o que ela não quer. Eles estão na verdade é na berlinda. A televisão põe o Supremo na berlinda. Mas eu creio que cada um deles decidiu de acordo com as suas convicções pessoais, em que pode ter entrado inclusive convicções também de natureza política.
Folha — Foi um julgamento político?
Ives Gandra Martins — Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação. E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade. Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.
Folha — Isso conta na hora em que eles vão julgar?
Ives Gandra Martins — Conta. Como nos EUA conta. Mas, na prática, os ministros estão sempre acobertados pelo direito. São todos grandes juristas.
Folha — Como o senhor vê a atuação do ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso?
Ives Gandra Martins — Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto, como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.
Folha — E Joaquim Barbosa?
Ives Gandra Martins — É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos. Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.
Folha — Em que sentido?
Ives Gandra Martins — Sempre houve, em outros governos, um intervalo de três a quatro anos entre a nomeação dos ministros. Os novos se adaptavam à tradição do Supremo. Na era Lula, nove se aposentaram e foram substituídos. A mudança foi rápida. O Supremo tinha uma tradição que era seguida. Agora, são 11 unidades decidindo individualmente.
Folha — E que tradição foi quebrada?
Ives Gandra Martins — A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição, Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes, o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente. É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo".
Folha — Por que o senhor acha isso?
Ives Gandra Martins — Porque a teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.

sábado, 21 de setembro de 2013

Gravações de vídeo servem como prova para qualificar furto por escalada de muro

É válida a prova de escalada de muro com base em fotografias, gravações de vídeo e testemunhos, mesmo sem perícia específica. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a qualificadora de furto praticado após o condenado pular por duas vezes um muro.

Para a defesa, a qualificadora não fora demonstrada pois não houve perícia válida. As provas baseadas em fotografias seriam insuficientes para demonstrar o esforço incomum que caracteriza a escalada.

Prova notória
O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, porém, entendeu que a dinâmica do furto qualificado pela escalada foi registrada por câmeras de monitoramento. As instâncias ordinárias fundamentaram a prova de materialidade nas fotografias e filmagens lançadas nos autos.

Conforme a condenação na origem, o esforço físico incomum para pular o muro duas vezes era notório. “Não é necessária lógica apurada para inferir que o sujeito atuou com engenho e astúcia não só mental, mas física, a fim de alcançar o seu destino”, registram os magistrados nos autos.

O relator ressaltou que o STJ não reconhece nulidades sem provas efetivas de prejuízo. Para a jurisprudência do Tribunal, a forma não pode preponderar sobre a essência no processo penal.

Recursos modernos

“Não pode o processo penal andar em descompasso com a realidade, desconsiderando-se elementos de prova mais modernos e reiteradamente usados”, asseverou o ministro.

“Com efeito, atualmente existem inúmeros recursos aptos a registrar imagens, as quais, na maioria das vezes, podem revelar de forma fiel a dinâmica delitiva e as circunstâncias do crime praticado”, concluiu.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Política e multidão devem ficar longe dos tribunais

"L'opinion publique? Chassez-la, cette intruse, cette prostituée qui tire le juge par la manche! C'est elle qui, au pied du Golgotha, tendait les clous aux bourreaux, c'est elle qui applaudissait aux massacres de septembre et, un siècle plus tard, crevait du bout de son ombrelle les yeux des communards blessés...". 
Vincent de Moro-Giaferri
Fossem pelos novos ídolos Joaquim, Gilmar, Fux e Marco Aurélio, o rabino de Nazaré seria novamente condenado, já que o que as ruas querem deve sim influenciar um Tribunal.
Os juízes são servidores públicos que devem prestar contas de sua atuação! Isso foi dito, sem sofisma ou meias palavras, em meio ao colégio judicial mais importante da República. O mais grave: pelo mais ofendido dos Ministros (antes da era Lewandowski) do Supremo Tribunal. O mesmo que soltou o banqueiro que por estar solto, fugiu (e depois foi recapturado) e depois soltou o acusado pelo assassinato da freira, mesmo que condenado pelo Júri.
Então o ministro sempre se pautou pela opinião pública? Terá o jurisdicionado ficado satisfeito com essas decisões?
Não, a questão aqui não é se ele estava certo em soltar essas pessoas. A questão é que a opinião pública nunca foi relevante para o ministro Marco Aurélio; logo ele, para quem a opinião alheia é irrelevante a ponto de se alcunhá-lo justamente por isso. O ministro é conhecido como “senhor voto vencido” porque mesmo o que pensam os seus colegas é irrelevante para o modo como vai decidir uma causa. Eis sua grande virtude. Independência e rigor no tecnicismo às garantias.
A discussão tem sido levada (pelos opinantes sem toga) para o lado da democracia e dos 200 milhões de brasileiros indignados. Isso para justificar que a opinião pública pode e deve influenciar um Tribunal. Isso é errado e desonesto.
O próprio direito eleitoral, instrumento maior da democracia, explica isso. Porque uma eleição deve se caracterizar por escrutínio realizado de modo individual e secreto, sem a indevida influência de palanques, carros alegóricos, santinhos e grupos inteiros reunidos decidindo?
Simples: porque a multidão é um aglomerado de vontades, forças e influências não só afastada da razão, como principalmente manipulável, vítima de estopins estúpidos e imprevisíveis. Vide o Egito. Vide nosso mês de junho.
A justiça, assim como o principal ato participativo das democracias, não pode ficar à mercê das mesmas razões que fizeram protestos pacíficos virarem, em questão de segundos, praças de guerras.
A posição dos 200 milhões de brasileiros, por certo, é pelo fim da corrupção. Somos um país tão hipócrita que até mesmo os corruptos proclamam isso. Mas os motivos que geraram esse frenesi, essa paixão avassaladora pelo Mensalão, não são os mesmos para todos os brasileiros.
Há um contingente da imprensa que é reconhecidamente contra o Partido dos Trabalhadores e todo esse processo se tornou um flanco de apoio à batalha de Aécio. Há os que odeiam a classe política como um todo e logo, acham que todos os políticos são corruptos. Há a discordância com os trabalhos do atual governo e do anterior, como o ódio de certos setores sociais sobre programas considerados paternalistas (o mérito dessas questões é questão para as urnas, não para os Tribunais).
Há até alguns brasileiros que leram o processo e têm certeza da culpa.
Essas circunstâncias influenciam na formação da opinião isenta e justa. Não se diga que alguém pautado a descobrir escândalos do governo tenha isenção para, na dúvida, absolver ou entender que alguém do governo seja absolvido. Ou que a opinião divergente (vendida ou vencedora) é merecedora de respeito. E indo além: que sejam capazes da grandeza de perceber os “adversários” não como inimigos, mas como simples opositores de ideias.
Um dos mais difíceis atos humanos, o de julgar, foi popularizado e simplificado. Desde que tomamos de Deus essa função, debates infindáveis foram e são estabelecidos sobre o que é um bom e justo julgamento. Julgar é tão grave e tão difícil, requerendo conhecimentos tão elevados, como os que são exigidos de um neurocirurgião.
Neurocirurgião e vida. Juiz e liberdade. Será a liberdade tão menos valiosa que a vida? Será que podemos dizer racional e evoluído, que torçamos pela condenação de alguém, ao passo que é certo o quão terrível é querer a morte de alguém?
Talvez seja o caso de irmos para a porta dos hospitais e exigir a morte por câncer dos acusados criminalmente. Por que o gozo histérico e generalizado pelo fim da liberdade e não pelo fim da vida?
Coitados dos que pensam em vida sem liberdade. São valores que se justificam entre si.
Concluo. Chegará o dia em que veremos a multidão pressionando um tribunal pela absolvição de alguém. A evolução do direito processual no mundo visou, por séculos e substancialmente, evitar duas coisas: o erro judiciário e a influência indevida dos que não leram e meditaram as provas, ou seja, a multidão polvorosa.
Quando ela, a multidão (ou opinião pública), der uma só mostra de como juíza também é capaz de absolver, talvez ela deva ser ouvida. Um juiz deve ser capaz de condenar e absolver.
Enquanto esperamos por isso, a multidão e a política devem ficar a quilômetros de distância dos tribunais.

Admissão dos Embargos Infringentes não é pizza

*Editorial do jornal Folha de S.Paulo publicado no dia 19 de setembro de 2013.
Haja paciência. Haja tolerância. Haja também — e sobretudo — compreensão para o fato de que, num Estado de Direito, as decisões da Justiça precisam emergir da interpretação fundamentada do que prescrevem as leis.
Ao longo dos últimos dias, os ministros do Supremo Tribunal Federal debateram — com a habitual prolixidade — duas teses opostas, e igualmente defensáveis, a respeito de um possível reexame de algumas condenações na ação penal 470, o processo do mensalão.
Venceu, por diferença mínima, a opinião de que os réus têm direito aos chamados embargos infringentes — um tipo de recurso previsto no regimento interno do STF. Em outras palavras, o julgamento ainda não acabou.
Isso não significa que sentenças serão necessariamente alteradas. Trata-se apenas de reconhecer que mais um recurso está à disposição de alguns réus — somente naqueles casos em que as condenações foram decididas com ao menos quatro votos favoráveis à absolvição.
Verdade que restou frustrada a expectativa de que, por fim, se pusesse termo a um processo longuíssimo, pronto a estagnar em cada curva no remanso da impunidade.
Mas uma decisão desse tipo não restringe seus efeitos aos réus de um caso particular, por mais vivas as antipatias que despertem.
É conveniente que uma sentença penal, decidida de forma apertada em instância única, torne-se irrecorrível, blindada a reexames?
Segundo alguns ministros, o fato de os réus terem sido, desde o início, processados no STF constituiu um privilégio já suficientemente elevado. Todavia, é possível considerar que se tratava de garantir um julgamento distanciado das oscilações e demoras da primeira instância. Não por outra razão, aliás, negou-se, no ano passado, o pedido de que o processo fosse remetido a uma corte inferior.
Injustiça, impunidade? Certamente sombras desse tipo se projetam sobre o caso. O talento dos melhores advogados está à disposição de poucos. A corrupção festeja esta vitória processual.
São muitas as razões para não serem poupados esforços, agora, objetivando acelerar ao máximo as etapas que restam — o que inclui esperar também dos ministros celeridade maior que a demonstrada, até aqui, na leitura de seus votos.
Dizer, entretanto, que o rigor não passava de fingimento seria tão primário quanto a ideia, cinicamente veiculada entre petistas, de que o STF procedeu a um julgamento de exceção. Ministros que acolheram os embargos infringentes não hesitaram, por exemplo, em condenar José Dirceu por corrupção ativa.
Longe de ser caso isolado, essa foi a regra. Dentre os 37 réus, 25 foram considerados culpados por ao menos um crime. Treze já não podem apresentar nenhum recurso e terão suas punições executadas. E poucos, entre os 12 que se beneficiam dos embargos, poderão ter redução significativa de suas penas.
Seria mais simples se a Justiça se dividisse entre linchadores e comparsas, entre carrascos e quadrilheiros. Felizmente, as instituições republicanas e o Estado democrático não se resumem a tal esquema — por mais alto que seja o preço a pagar, em tempo, tolerância e paciência, em função disso.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

VOTO NA INTEGRA DO MINISTRO LUIS ROBERTO BARROSO QUE ABRIU A DIVERGÊNCIA SOBRE OS EMBARGOS INFRINGENTES

Responsável por abrir a divergência no julgamento do cabimento dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o ministro Luís Roberto Barroso considerou em seu voto que o recurso não foi revogado pela Lei 8.038/1990.
Os Embargos Infringentes estão previstos no artigo 333 do Regimento Interno do STF e sua admissibilidade foi decidida nesta quarta-feira (18/9) com o voto do ministro Celso de Mello. O placar ficou em 6 a 5 pelo cabimento dos Infringentes. Além de Celso e Barroso, votaram pelo cabimento os ministros Ricardo Lewandowski, revisor, Rosa Weber, Dias Toffoli e Teori Zavascki. Ficaram vencidos o relator Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Em seu voto, Barroso disse que há mais de uma dezena de pronunciamentos do STF no sentido de que o artigo 333 do Regimento encontra-se em vigor. Afirmou ainda que, em 1998, um Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, que suprimia os Infringentes, foi rejeitado pelos parlamentares. “Não só o STF, mas também os Poderes Executivo e Legislativo manifestaram o entendimento de que os embargos infringentes não foram revogados pela Lei nº 8.038/90. Em deliberação específica e realizada sem a pressão de um processo rumoroso, o Congresso Nacional tomou a decisão expressa de manter esse recurso na ordem jurídica”.
O ministro considerou ainda que “não seria juridicamente consistente” revogar o recurso na reta final de um julgamento emblemático como a Ação Penal 470. “Elementos constitucionais como os princípios do Estado de Direito, da segurança jurídica, do devido processo legal e da própria legalidade impedem o Tribunal de ignorar dispositivo que sempre se considerou vigente a fim de abreviar o desfecho de processo penal determinado. Em outras palavras, pode-se revogar o dispositivo regimental – e há boas razões para que isso seja feito –, mas não se justifica que a Corte ignore seus próprios pronunciamentos recentes para, na reta final de um julgamento emblemático, sustentar que ele se encontra revogado desde 1990.”
Clique aqui para ler o voto do ministro Roberto Barroso.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O ICMS que não integra o faturamento da empresa, portanto não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins

O ICMS não integra o faturamento da empresa, portanto não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins. O entendimento, firmado pelo Supremo Tribunal Federal para casos de produtos importados, foi estendido pela Justiça Federal em Osasco para uma empresa de logística.
“Faturamento é receita própria, quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou a prestação dos serviços. Nessa medida, não se pode afirmar que os contribuintes da Cofins ‘faturam’ o ICMS. Tais valores representam pagamento ao Estado, portanto despesa e não receita”, disse o juiz Luiz Chaves de Oliveira, da 2ª Vara Federal de Osasco, em liminar concedida no dia 9 de setembro.
A empresa havia entrado com Mandado de Segurança com pedido de liminar alegando que o crédito de ICMS não pode ser enquadrado no conceito de “receita bruta” e que ao escriturar o tributo está apenas resguardando seu direito ao reembolso. Disse ainda que os dispositivos que regulam a base de cálculo do PIS e da Cofins (Lei 9.718/1998, Lei 10.637/2002 e Lei 10.8333/2003) violam o conceito de faturamento do Código Tributário Nacional (artigo 110) e da Constituição (artigo 195). O advogado Geraldo Soares de Oliveira Junior, do escritório Soares de Oliveira Advogados Associados, fez a defesa da empresa.
Na decisão, o juiz deu razão à empresa e afirmou que a situação dela é igual à julgada pelo Supremo em março deste ano, quando a corte derrubou a incidência de ICMS da base de calculo do PIS e da Cofins (Recurso Extraordinário 559.937). O valor da disputa estava na casa dos R$ 30 bilhões.
“A lógica adotada no julgado [pelo STF] é exatamente a mesma espelhada na inicial do presente mandamus, ou seja, o ICMS não integra o faturamento da impetrante, mas, sim, faz parte das arrecadações estadual e municipal, respectivamente, nessa medida não pode ser incluído na base de cálculo para o PIS/Pasep e Cofins”, disse Chaves de Oliveira.
Após a decisão de março pelo STF, advogados tributaristas ficaram mais esperançosos com a possibilidade de retirada do ICMS da base cálculo do PIS e da Cofins em geral. A questão está colocada na Ação Declaratória 18 e envolve cerca de R$ 90 bilhões.
Clique aqui para ler a decisão.

SUPREMO DECIDE QUE ANVISA NÃO PODE LEGISLAR ATRAVÉS DE RESOLUÇÕES PRÓPRIAS

STF suspende resolução que proíbe cigarros com aroma

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos da Resolução 14 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe o uso de aditivos no cigarro. O pedido foi feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A entidade alega que a norma iria causar dano grave à indústria do cigarro, além de representar um risco de distorção concorrencial entre as empresas. A suspensão vale até julgamento da resolução pelo Plenário do STF. O pedido foi atendido liminarmente, após o processo ter sido retirado da pauta do Supremo.
A Resolução 14/2012 foi publicada em 16 de março de 2012 no Diário Oficial da União e passaria a valer definitivamente na última segunda-feira (16/9), após o prazo de 18 meses para adequação do produto. Em novembro de 2012, a CNI ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo.
Na ação, a CNI pedia que fosse declarada a inconstitucionalidade do inciso XV do artigo 7º da Lei Federal 9.782/1999, que prevê a proibição da fabricação e comercialização de produtos no caso de violação de legislação ou risco iminente à saúde. Foi pedida também a inconstitucionalidade da Resolução da Diretoria Colegiada 14/2012 da Anvisa, que proíbe a comercialização de cigarros que contêm aroma e sabor. A ADI foi distribuída à ministra Rosa Weber.
Pela regra editada pela Anvisa, as indústrias teriam 18 meses, a contar da publicação da norma, para retirar do mercado cigarros com qualquer tipo de ingredientes que não tabaco e água. No caso de outros derivados de tabaco, como fumos para cachimbos, o prazo seria de 24 meses.
O processo já tinha sido colocado na pauta de julgamento no STF recentemente, mas foi retirado pela ministra Rosa Weber para pedir esclarecimentos para a CNI em relação à suspensão da resolução e sobre a edição da Instrução Normativa 6 de 2013 da Anvisa, que permitia, por um ano, a utilização de 121 ingredientes que estavam proibidos pela resolução mais nova.
A CNI disse que essas duas informações eram insuficientes para retirar o processo da pauta. Isso porque, segundo o advogado da CNI, Cássio Augusto Borges, a resolução 14 foi suspensa para as indústrias filiadas ao Sindtabaco Rio Grande do Sul. As indústrias localizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia — que não são filiadas ao sindicato — deveriam cumprir o estabelecido pela resolução. Para o advogado, isso geraria distorção concorrencial na medida em que o mercado é nacionalizado e a concorrência existe entre indústrias de todos os estados.
Em relação a Instrução Normativa, a CNI disse que era uma norma hierarquicamente inferior a resolução 14 e, portanto, não a revogava.
Após as explicações, a confederação pediu a reinclusão da ação na pauta, o que não foi atendido. Então, entrou com outra petição, no dia 13 de setembro de 2013, pedindo uma decisão liminar monocrática apontando que as indústrias que tiverem de seguir a resolução vão sofrer danos irreparáveis, como por exemplo, a concorrência desleal no mercado. A ministra tem o poder de, percebendo a iminência de um dano, suspender o ato de forma monocrática e decidiu por suspender a resolução. Rosa Weber disse ainda que o caso já pode voltar para a pauta.
A ministra entendeu que a resolução poderia causar danos às indústrias, além de ser necessário assegurar o tratamento isonômico a todas as empresas. A decisão pela suspensão é do dia 13 de setembro e vale para todos.
Esta não é a primeira decisão judicial que suspendeu a Resolução 14 da Anvisa. Em abril, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região suspendeu os efeitos da Resolução que, conforme os desembargadores, teria ultrapassado o âmbito de regulação facultado à Anvisa, violando o princípio da legalidade. Essa decisão, foi mantida pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, em junho.
Fora da competência
A CNI argumenta que, embora a própria Anvisa tenha admitido que “a proibição de comercialização de cigarros com aroma e sabor teve o objetivo de diminuir a atratividade do produto para o público jovem”, a RDC 14/2012 proibiu aditivos de forma genérica, entendidos como qualquer substância ou composto que não seja tabaco ou água, e, com isso, implicou o banimento da produção e comercialização da quase totalidade dos cigarros vendidos licitamente no mercado brasileiro. A CNI argumenta que a atuação da Anvisa está violando os princípios da legalidade, da separação dos Poderes e da livre iniciativa.
"No caso, a Anvisa proibiu uma série de ingredientes que não trazem riscos adicionais à saúde dos consumidores”, reclama a defesa das indústrias. O advogado explica que a Anvisa alargou a sua competência de forma ilegítima ao proibir substâncias que não geram riscos excepcionais e urgentes à saúde.
Clique aqui para ler a liminar.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Situação de Celso de Mello parece com tragédia grega

Em Antígone, de Sófocles, podemos encontrar o rei de Tebas, Creonte, vivendo um dos dilemas mais famosos da literatura clássica: manter ou não a proibição do sepultamento dos restos mortais de Polinice, traidor da pátria, bem como o encarceramento subterrâneo da bela Antígone, que ousou desobedecê-lo; condenações essas que seriam castigadas pelos deuses com a morte do seu único herdeiro vivo, o jovem Hémon.
Naquela obra imortal, depois de alertado pelo velho Tirésias, em famoso trecho que sempre deveria ser citado com destaque em ações rescisórias[1], o rei Creonte vive momentos de indecisão até que resolve por fim ao seu dilema, determinando a libertação de Antígone - noiva do seu filho Hémon – e que fosse erigido um túmulo para honrar os restos mortais de Polinice.
As fúrias, deusas vingadoras, e os próprios deuses, porém, não aceitaram as titubeações de Creonte, e por conta da profanação do cadáver de Polinice e do encarceramento em túmulo da bela Antígone, que se enforcou na sua prisão subterrânea, nada fizeram para impedir que Hémon tirasse a sua vida, sob o olhar aflito de Creonte, com a própria espada paterna. E mais: a esposa do já desgraçado Creonte, ao saber da morte do filho, também se suicida.
Esse intróito é necessário para colocarmos, num ensaio comparatista, os contemporâneos personagens no palco atual: o ministro Celso de Mello, respeitadíssimo – assim como Creonte - decano do  Supremo Tribunal Federal, vivencia, como o rei de Tebas, o dilema jurídico mais palpitante dos últimos tempos. Em suas mãos, em seu decidir, paira o destino de pessoas, sombras dos homens que foram um dia, que como Polinice, traíram sua pátria.
Se decidir sobre o cabimento de embargos infringentes no bojo da Ação Penal nº 470, o ministro Celso de Mello estará honrando a Constituição Federal, preservando seu rebento exarado publicamente em agosto de 2012? Ou estará dando à Carta Magna o mesmo destino da bela Antígone, encarcerando-a viva nos subterrâneos das inúmeras possibilidades recursais, ao mesmo tempo em que deixa insepultos os restos mortais dos homens de outrora?
Os embargos infringentes garantem aos réus um desfecho mais digno aos seus despojos mortais ou prolongarão ainda mais a exposição em praça pública dos cadáveres viventes, sujeitos às aves e cães, que a toda hora arrancam sem misericórdia e abocanham famintos mais um pedaço das carnes já sem vida dos acusados?
Ao que tudo indica e assim antevejo, o ministro Celso de Mello decidirá seu dilema contemporâneo pensando salvar seu querido Hémon, consentindo no cabimento dos embargos infringentes, mas não pestanejará em acatar – também – o encarceramento imediato dos condenados, como pedirá a Procuradoria Geral da República em ato contínuo ao desdobramento da próxima semana.
O dilema de Creonte, vivido pelo ministro Celso de Mello, em verdade não tem solução simples, que reste impune. Qualquer que seja sua decisão, haverá conseqüências graves e inflexivelmente trágicas, pois “não é lícito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva!”.
Penso que mesmo que dê com uma mão (a esperança) e tire com a outra (a liberdade), numa inglória tentativa de agradar tanto aos gregos como aos troianos, o ministro Celso de Mello sofrerá as angústias e o isolamento inerente aqueles que detêm o poder de decidir destinos, vidas.
Como Tirésias, presto atenção nos presságios e busco em oráculos os signos que se anunciam para o futuro: “Mais algum tempo, e angustiosos lamentos de homens e mulheres se ouvirão neste palácio! Contra ti já se erguem as cidades irritadas, cujos altares estão poluídos pelas exalações dos cadáveres que não receberam sepultura...”.

[1] “O erro é comum entre os homens: mas quando aquele que é sensato comete uma falta, é feliz quando pode reparar o mal que praticou, e não permanece renitente.”

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

AP 470 Aceitação de embargos não eleva chance de prescrição

A aceitação pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470 — o processo do mensalão — não aumenta a chance de prescrição dos crimes. "Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento", explica o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.
Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro falou sobre julgamento do mensalão e suas consequências. Ele aponta que se o Supremo vier a aceitar os embargos infringentes a Jurisprudência não será alterada, pois a corte nunca definiu o tema em processo penal de competência originária.
Marco Aurélio diz ainda que a credibilidade do tribunal pode ser afetada se estes recursos forem aceitos e gerar manifestações da sociedade. "As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania", diz.
Leia a entrevista concedida pelo ministro Marco Aruélio ao jornal O Globo:
O senhor acredita que a credibilidade do STF será afetada se os embargos infringentes forem aceitos?
Marco Aurélio — É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, é uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção.
O senhor teme que as pessoas tomem as ruas para protestar contra o tribunal?
Marco Aurélio — As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania.
Um novo julgamento de réus do mensalão pode gerar sentimento de impunidade na sociedade?
Marco Aurélio — A leitura que o leigo faz é péssima, de que realmente o forno está acesso.
O julgamento de um mesmo réu com a formação diferente da Corte é prejudicial?
Marco Aurélio — Prejuízo não tem, são capítulos distintos (do processo). Num colegiado prevalece o entendimento da maioria. O colegiado é um órgão democrático por excelência.
Como a composição do tribunal é outra, o senhor acredita em resultado diferente se houver novos julgamentos?
Marco Aurélio — Será que, se a composição do tribunal fosse a mesma (do ano passado), haveria tanta ênfase por parte da defesa no julgamento desses embargos? Não deveria ser assim. É claro que é possível evoluir. Agora mesmo, mudamos a concepção de o Judiciário cassar mandato no caso do senador Ivo Cassol. Mas mudar muito (a jurisprudência) gera insegurança, e a segurança tem que ser buscada.
Se o STF aceitar os embargos infringentes, estará mudando a jurisprudência?
Marco Aurélio — Não, é a primeira vez que definimos o tema em processo penal de competência originária.
Como os infringentes não estão previstos no STJ, haverá distorção no sistema jurídico com uma decisão favorável do Supremo?
Marco Aurélio — É um contrassenso, considerados os demais tribunais. O STJ, por exemplo, julga governador e não cabem embargos infringentes. O Tribunal de Justiça julga prefeito, e não cabem embargos infringentes. O Tribunal Regional Federal julga juízes federais, e não cabem infringentes. Mas cabe no Supremo. É interessante. O sistema não fecha. O Tribunal do Júri pode condenar por quatro votos a três, e não há revisão.
Um julgamento apertado deixa margem de dúvida quanto à culpa do réu?
Marco Aurélio — A divergência qualifica o julgamento. Esses acusados deveriam se sentir muito satisfeitos, porque as teses que veicularam ganharam quatro votos. E os outros que tiveram zero? Com escore apertado, o julgamento fica mais aprofundado.
O senhor se incomoda com os embates em plenário?
Marco Aurélio — Eu estou muito acostumado com a divergência. Aqui em casa mesmo, minha mulher é Fluminense, e eu sou Flamengo. A divergência para mim é salutar.
Com a aceitação dos embargos infringentes, há risco de prescrição dos crimes?
Marco Aurélio — Não, não sei de onde estão tirando isso. Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento.
O senhor gostaria de ser sorteado novo relator do mensalão, nessa nova fase, caso os embargos sejam aceitos?
Marco Aurélio — Brinquei com os colegas ontem no lanche que devíamos restringir a distribuição somente à corrente majoritária. Chega! Hoje estou muito cansado e tenho mais de 200 processos na fila para julgar. Se não, quando me aposentar, vou para casa em definitivo e não vai dar tempo de julgar.

Segredo de Justiça tem como objetivo proteger as partes

A relação entre advogado e cliente, e a relação entre os advogados de escritórios de advocacia é que toda e qualquer conversa sobre cliente no escritório ou em ambiente judicial, deve ser mantida em sigilo explica o advogado Erick Bezerra. Ele é um dos entrevistados no programa STJ Cidadão, veiculado na TV Justiça, que trata sobre sigilo em determinadas profissões e os processos que tramitam em sigilo e segredo de Justiça.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson Calandra explica no programa que o segredo de Justiça é dado em casos de Direito de Família, crimes hediondos, atentado sexual contra criança. "O segredo de Justiça visa proteger as pessoas envolvidas e mais do que isso, tutelar valores que a sociedade diz que não deve ser vulnerado", diz Calandra.
Coordenadora da corte especial do Superior Tribunal de Justiça, Vânia Maria Soares Rocha, explica a diferença entre o segredo de justiça e o sigilosa. "Os processos em segredo de Justiça tramitam normalmente, mas só tem acesso a ele as partes e os advogados. E o sigiloso nem as partes tem acesso. Apenas o Ministério Público, o ministro e algum servidor autorizado", diz. Normalmente o sigilo do processo penal na fase de investigatória é determinado para evitar que o suposto envolvido no crime atrapalhe as investigações.
Apesar do sigilo, existem casos que as informações acabam sendo divulgadas, inclusive pela mídia. O desembargador Nelson Calandra conta que casos como esse podem ser prejudiciais. Calandra cita o caso da Escola-Base: "A vida das pessoas foi destruída, devastada, pela divulgação antecipada de elementos da investigação que apontavam erradamente como autores de crimes de natureza sexual proprietários da escola".

domingo, 15 de setembro de 2013

Nova definição de organização criminosa é progresso

Entrará em vigor, no próximo dia 16 de setembro, a Lei 12.850, a qual, além de definir “organização criminosa” e dispor sobre medidas especiais de investigação para tal âmbito, altera a redação do artigo 288 do Código Penal.
Em sua redação anterior, o dispositivo tinha a seguinte dicção: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”. A partir da entrada em vigor da nova lei, o dispositivo passará a ter a seguinte redação: “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. Foi alterada a rubrica, que agora nomeia a infração penal como “Associação Criminosa”, mas mantida a pena de reclusão de um a três anos, tendo-se alterado a causa de aumento da pena do parágrafo único, que passou a determinar o aumento de pena de até a metade “se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”.
Se, de um lado, diminuiu-se o número mínimo de “associados” para o patamar de três (antes, quatro), incluiu-se o adjetivo “específico” qualificando o “fim” da associação das pessoas.
É obscuro o significado do termo. Segundo o Dicionário Aurélio[1], específico é um atributo “exclusivo de uma coisa ou espécie”. Antes da alteração, o fim da associação poderia ser também a prática de crimes, agora, porém, a associação de três pessoas para a prática de crimes somente configurará a associação criminosa do artigo 288 desde que se dê para o fim específico da prática de crimes. O que parece claro, contudo, é que o universo de condutas abarcado pela nova disposição é menor que o anterior. Um exemplo ajuda a demonstrar o que se afirma. Se, até o advento da lei, uma associação de quatro pessoas para fins de execução autorizada de grafites em áreas urbanas, que também realizasse, casualmente, grafites em propriedades alheias sem autorização[2], poderia ser considerada uma quadrilha ou bando, com a nova redação, porém, ausente a finalidade criminosa específica da associação, não há mais que  falar no delito do artigo 288 do CP.
A alteração é um progresso. Ela pode ser entendida como uma tentativa de contemplar, já na letra do tipo penal, o desvalor do objeto da proibição, antes somente alcançado pela via de uma interpretação restritiva do tipo penal orientada pelo bem jurídico tutelado, conforme afirmávamos, já em 2011. Naquela oportunidade, sustentamos que os tipos penais de associações criminosas “devem ser entendidos como protetores dos bens que poderão vir a ser lesionados pelos delitos fins da associação”. Como esses bens estão sendo protegidos contra aquilo que, materialmente, são meros atos preparatórios, é necessário encontrar uma justificativa para tal antecipação da tutela penal. Dissemos, assim, que essa justificativa só pode se encontrar em uma “orientação objetiva da organização no sentido da prática de delitos” [3]. Deve existir algo objetivo, um dado externo, que chamamos de "injusto da organização", para que se justifique uma proibição de tal abrangência[4].
É de se observar, contudo, que o legislador ficou a meio caminho. Afinal, o novo elemento do tipo foi subjetivado: ele é um predicado do “fim” almejado pelos agentes. Com isso, o legislador agravou ainda mais as dificuldades, tanto de fundamentação, como probatórias, ligadas à  inserção de elementos volitivos no tipo penal[5]. Mais feliz a definição de organização criminosa do parágrafo 1o do artigo 1o da lei, baseada primordialmente em elementos objetivos.
Não obstante, a nova dicção acresce elemento que pode facilitar que, como tentamos explicitar no artigo acima, a autêntica criminalidade de empresa seja excluída do âmbito de incidência da norma do artigo 288. Diante da prática de condutas ilícitas no contexto econômico de uma empresa lícita, não se poderá dizer, ordinariamente, que a associação de três pessoas ou mais em tal contexto tenha se dado com o fim específico da prática de crimes.

[1] Dicionário Aurélio Eletrônico.
[2] Conduta definida como crime pelo artigo 65 da Lei n. 9.605/98.
[3] ESTELLITA, Heloisa, GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização criminosa: uma análise sob a luz do bem jurídico tutelado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 91, julho-agosto/2011, p. 400.
[4] ESTELLITA, Heloisa, GRECO, Luís, idem, p. 406.
[5] Para os problemas de fundamentação, pioneiramente, JAKOBS, Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung, in: ZStW 97 (1985), pp. 751-785 e ss. (753 e ss.) (há versão espanhola, traduzida por Peñaranda, no livro JAKOBS, Estudios de Derecho Penal, Madrid: Civitas, 1997, p. 293 e ss.). Para os problemas de prova cf.  Ragués I Vallès, Ramon. Consideraciones sobre la prueba del dolo. Revista de Estudios de la Justicia, Chile, n. 4, 2004, p. 13-26.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Acordo de leniência para apurar cartel merece reflexão

A recente noticia de que a Siemens usou a leniência e entregou dados relevantes sobre crimes de corrupção e concorrenciais envolvendo governos e outras instituições, coloca novamente no foco dos debates o polêmico instituto jurídico da delação premiada, especialmente no que concerne ao delito de cartel. Por isso, volto a tratar do tema, com algumas preocupações.
O Brasil tem dado passos largos para a estruturação de um marco legal e administrativo adequado para a repressão ao cartel. A nova lei do sistema brasileiro de defesa da concorrência (Lei 12.529/2011) aprimorou a inibição de tais práticas, e ofereceu diversos instrumentos para que o poder público tenha sucesso na empreitada. No entanto, alterações recentes no regimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de março deste ano, trouxeram alguma perplexidade para operadores de Direito e merecem reflexão.
As autoridades competentes para combater o cartel no Brasil têm à sua disposição uma série de instrumentos para a descoberta do ilícito e seus mentores. Desses, destacam-se dois: a leniência e o compromisso de cessação de prática, ambos previstos na Lei 12.529/2011. São mecanismos que oferecem aos participantes de carteis a oportunidade de colaboração com os órgãos públicos para desmantelar a organização, em troca de benefícios ou da extinção da punição. Além de facilitar a investigação e a identificação de provas, tais institutos enfraquecem os laços de confiança que sustentam o cartel, uma vez que estimulam a delação.
Pela leniência, o autor do cartel que coopera efetivamente com as investigações tem por prêmio a extinção/redução da pena administrativa e evita processo ou condenação criminal. Para isso, é necessário que o colaborador seja o primeiro a se apresentar às autoridades (no caso de pessoas jurídicas) e confesse sua participação nos atos ilícitos.
Já no compromisso de cessação de prática de cartel, o representado compromete-se a cessar a atividade lesiva e a pagar contribuição pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, em troca do arquivamento do processo administrativo no Cade, caso cumpridas as condições fixadas. Não há exigência prevista em lei de confissão de ilícito, nem de colaboração com investigações, mas também não há menção a qualquer benefício penal. Ou seja, a celebração do compromisso não impede o processo pelo crime de cartel contra aquele que o assinou.
Conceituados os institutos, passemos à polêmica: a regulamentação pelo Cade dos contornos do compromisso de cessação de prática de cartel. Em primeiro lugar, o Regimento Interno do órgão prevê que o compromissário deverá, além de cessar a conduta e pagar o valor pecuniário, colaborarcom as apurações no processo administrativo. Ou seja, impõe uma obrigação não prevista expressamente em lei, aproximando o instituto da leniência. Em segundo lugar, o mesmo documento determina que o signatário deve reconhecer a participação na conduta investigada, exigindo, portanto, uma confissão não imposta pela norma.
Com isso, fica o possível compromissário em um dilema jurídico de difícil solução. De um lado lhe é oferecida a oportunidade de cessar a prática de cartel em troca do arquivamento do processo administrativo. De outro, impõe-se a confissão da participação no crime sem a garantia da extinção da ação penal. Ou seja, o signatário do termo fica protegido das sanções administrativas, mas é muito provável que seja processado criminalmente e que tenha contra si suas próprias declarações prestadas ao Cade, onde reconheceu o comportamento delitivo.
Ainda que o signatário do compromisso seja uma pessoa jurídica — contra a qual não caberá ação penal — a confissão cria o risco de um processo criminal para as pessoas físicas que a integram, com elementos fortes para a acusação, uma vez que a própria instituição reconheceu a prática do delito em seu seio. Em suma, a assinatura do termo de compromisso equivale a uma nota de culpa confessa, que será usada para instruir uma ação penal contra o próprio signatário ou seus integrantes.
Resultado: a possível inibição da assinatura de termos de compromisso. Poucas empresas ou pessoas aceitarão com tranquilidade confessar a prática de um crime em troca da imunidade administrativa, sem que a ameaça de um processo penal fique afastada. Mas, mesmo que tal situação não ocorra, mesmo que aumente o número de compromissos, restará a iniquidade de exigir-se uma confissão e uma colaboração não previstas em lei.
Pode-se até compreender a intenção de reduzir os benefícios do termo de compromisso, com o objetivo de direcionar os participantes de cartéis para a leniência, uma vez que ela é mais efetiva do ponto de vista da investigação. Mas parece que tal finalidade não pode ser obtida com a torção dos parâmetros legais, exigindo-se — quando a lei não prevê — que o investigado produza prova contra si mesmo para posterior uso em ação criminal.
Por isso, ou bem se altera o regimento do Cade para afastar a exigência supralegal da confissão no compromisso de cessação, ou bem se modifica a Lei 12.529/2011, garantindo-se ao compromissário a mesma extinção de punibilidade penal prevista para a leniência (ou ao menos uma redução significativa de pena). Do contrário, o acordo de cessação de conduta, que pode ser um mecanismo importante no combate ao cartel, será relegado à condição de um instrumento periférico do sistema de defesa da concorrência.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Comprador que desiste do imóvel deve ser restituído de forma justa

É abusiva e ilegal a cláusula do distrato decorrente de compra e venda imobiliária que prevê a retenção integral ou a devolução ínfima das parcelas pagas pelo promitente-comprador. O entendimento foi ratificado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão.

No caso julgado, um casal de Pernambuco ajuizou ação contra a construtora para requerer a nulidade da cláusula abusiva e a elevação do valor restituído em decorrência da rescisão do contrato. No distrato, coube aos compradores a restituição de R$ 5 mil, sendo que o valor efetivamente pago foi de R$ 16.810,08.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou a restituição do valor total da quantia paga, com abatimento de 15% correspondentes aos serviços prestados pela construtora em razão do contrato. A sentença também consignou que não houve inadimplemento ou culpa de qualquer das partes, já que o distrato se deu em decorrência de incapacidade econômica para suportar o pagamento das parcelas. A construtora recorreu ao STJ.

Vantagem exagerada
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 51 e 53, coíbe a cláusula de decaimento que determine a retenção do valor integral ou substancial das prestações pagas, por caracterizar vantagem exagerada do incorporador.

“Não obstante, é justo e razoável admitir-se a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador”, ressaltou o relator em seu voto.

Citando vários precedentes, o ministro reiterou que a jurisprudência da Segunda Seção já consolidou entendimento no sentido da possibilidade de resilição (modo de extinção dos contratos por vontade de um ou dos dois contratantes) do compromisso de compra e venda diante da incapacidade econômica do comprador.

Também registrou que a Corte tem entendido que a retenção de percentual entre 10% e 25% do valor pago seria razoável para cobrir despesas administrativas, conforme as circunstâncias de cada caso.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Pessoa jurídica responde sozinha por crime ambiental

Duas decisões recentes da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal confirmaram o novo entendimento da corte que agora é favorável à possibilidade de se responsabilizar pessoas jurídicas por crime ambiental ainda que ocorra a absolvição dos ocupantes de postos de direção da empresa. Até então, toda a jurisprudência indicava o sentido contrário, condicionando a legitimidade de um processo por crime ambiental contra pessoas jurídicas à discriminação da conduta de pessoas físicas a ela ligada.
Os dois Recursos Extraordinários que tratavam da matéria — decididos no mesmo sentido — eram de relatoria da ministra Rosa Weber e foram julgados em sessão ocorrida no começo de agosto. Ambos os processos apenas cuidavam de questões preliminares referentes a ações penais que correm em instâncias inferiores.
O primeiro recurso teve como ré a Petrobras. Por maioria, os ministros conheceram parcialmente o Recurso Extraordinário de autoria do Ministério Público Federal, cassando assim o acórdão que trancava a ação penal referente à pessoa jurídica sob o argumento da ausência de imputação, no processo, contra os dirigentes responsabilizados pela conduta criminosa. Dessa forma, a turma afastou a prescrição da ação penal em caráter preliminar, não reconhecendo a presença de elementos que a justificassem.
Para os ministros, a prescrição nunca fora o objeto de debate do mandado de segurança que deu origem ao recurso no Supremo. O mandado de segurança, observaram os ministros da 1ª Turma, fora impetrado apenas para trancar a ação penal sob a justificativa da ausência de responsabilização de pessoa física ligada à estatal. A prescrição só foi mencionada por conta da demora em julgá-la, de forma que cabe ao magistrado da instância em que corre o processo, de acordo com a decisão do STF, avaliar este ponto nos autos da ação penal.
Restaram vencidos os ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que entenderam que a data de recebimento de denúncia poderia justificar a prescrição. O ministro Marco Aurélio avaliou ainda, durante o julgamento, que não cabe a interpretações de uma norma no sentido de desfavorecer aquele quem a regra visa beneficiar, neste caso a ré, que havia se beneficiado do trancamento do acórdão.
No segundo RE, a 1ª Turma rejeitou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao reconhecer que para se imputar os agentes individualmente no contexto do delito ambiental causado por uma empresa é necessária a devida responsabilização jurídico-criminal através da individualização de cada ato atribuído à pessoa específica. A maioria dos ministros votou no sentido de entender que não se pode, portanto, condicionar a imputabilidade da pessoa jurídica a seus agentes responsáveis sem a devida descrição da conduta, pois isso afrontaria diretamente o artigo 225, inciso 3º, da Constituição Federal.
Novamente restaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que entenderam que o referido artigo da Constituição não criou a figura da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Para os ministros, ao estabelecer que os crimes ambientais sujeitariam “os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas”, a norma impôs apenas sanções administrativas às pessoas jurídicas. Fux observou que o artigo 5º ao tratar da “pessoalidade da pena” restringe interpretações no sentido de reconhecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica isoladamente.
Ambas as decisões abriram um importante precedente em relação a se imputar a pessoas jurídicas a prática de crime ambiental. Até então, a possibilidade de instauração de ação penal contra pessoa jurídica estava sujeita aos casos em que ficasse provada a participação de  agentes da empresa na prática do crime ambiental. Do contrário, a pessoa jurídica sequer poderia ser processada. Conforme observaram os advogados Eduardo da Silva e Victor Penitente Trevizan em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, neste domingo (1º/9), as decisões sinalizaram uma significativa mudança de jurisprudência, revendo assim um "maciço posicionamento" inclusive do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.