quinta-feira, 30 de maio de 2013

Georreferenciar área rural em usucapião é obrigatório

É necessário georreferenciamento para identificar imóveis rurais objetos de ação de usucapião. Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recurso relatado pela ministra Nancy Andrighi. A corte acolheu o pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul e determinou que os autores apresentem no juízo de primeiro grau o memorial descritivo georreferenciado. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia indeferido a solicitação da Promotoria.
De acordo com a relatora, o princípio registral da especialidade impõe que o bem imóvel, para efeito de registro público, seja plenamente identificado a partir de indicações precisas de suas características, confrontações, localização e área. Essa individualização do terreno é necessária para conferir segurança às relações judiciais e obrigatória para efetivação de registro em qualquer situação de transferência de imóvel rural, conforme previsto no parágrafo 4º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos.
A ministra acrescentou que o parágrafo 3º do mesmo artigo estipula que "nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo Incra, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais".
Em seu voto, ela ainda destacou que Decreto 5.570/2005, que regulamentou a Lei 10.267/2001, que estabelece que a identificação georreferenciada do imóvel rural, nas ações ajuizadas a partir de sua publicação, constitui exigência imediata, qualquer que seja a dimensão da área.
Informações precisas
Para a relatora, todas essas normas foram editadas com o intuito de especificar o conteúdo e evitar o surgimento de efeitos indesejados em descrições imobiliárias vagas e imprecisas. Por isso, a norma do artigo 225 da mesma lei determina que, em processos judicias, os juízes façam com que "as partes indiquem, com precisão, as características, as confrontações e as localizações dos imóveis".
“Dessa forma, conclui-se que, tratando-se de processos que versam acerca de imóveis rurais, a apresentação de sua descrição georreferenciada, por meio de memorial descritivo, ostenta caráter obrigatório, constituindo imposição legal relacionada à necessidade de perfeita individualização do bem”, escreveu Nancy Andrighi.
A ministra reiterou que a completa e perfeita descrição do imóvel é necessária não só para efeitos práticos do exercício do direito de propriedade, mas principalmente para atender aos pressupostos registrais. Segundo ela, não resta dúvida de que o caso julgado se amolda à hipótese de incidência do artigo 225, parágrafo 3º, da Lei de Registros Públicos, ou seja, "autos judiciais que versam sobre imóveis rurais". Assim, constatado que o acórdão recorrido afastou a exigência imposta pela lei, a corte seguiu o voto da relatora para reformar a decisão do tribunal gaúcho e determinar a obrigatoriedade da apresentação de memorial georreferenciado no juízo de primeiro grau. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

MEDO DA INVESTIGAÇÃO - Acusação de Protógenes é criminosa, diz Gurgel

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse nesta quarta-feira (29/5) que não irá estabelecer qualquer bate boca com investigados, “por mais repugnantes e mentirosas que sejam as afirmações feitas pelo investigado”. Gurgel se manifestou sobre acusações feitas pelo ex-delegado e deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) em palestra no dia 9 de maio, na subseção de São Caetano do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em palestra intitulada “Os bastidores da operação satiagraha”, Protógenes, investigado em processo no Supremo Tribunal Federal justamente por sua atuação na operação, acusou a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio de ter recebido R$ 280 mil do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, para que ela desse parecer favorável à quebra de seus sigilos. Cláudia é mulher do procurador-geral da República.
Sobre a acusação, Roberto Gurgel (foto à direita) disse que se trata de uma reação “descontrolada, intolerável e criminosa” do deputado, ao pedido formulado no Supremo Tribunal Federal “de diversas diligências para apuração de fatos extremamente graves que envolvem esse investigado”.
Os pedidos foram atendidos pelo Supremo. O ministro Dias Toffoli atendeu uma lista de pedidos feitos pela Procuradoria-Geral da República. Entre eles estão a quebra de sigilo bancário do deputado e do sigilo telefônico do empresário Luís Roberto Demarco. Toffoli também determinou a expedição de carta rogatória à Itália, para obtenção das conclusões dos processos conduzidos pela Procuradoria da República de Milão. Nesse processo, apurou-se que da empresa Telecom Italia foram desviadas altas somas destinadas a subornar autoridades, políticos, policiais e jornalistas do Brasil.
“O que está me parecendo é que o deferimento dessas diligências está inquietando esse investigado a ponto de fazê-lo perder o controle”, afirmou o procurador-geral. Roberto Gurgel ainda disse que as acusações criminosas são “uma óbvia tentativa de obter o impedimento do procurador-geral” e também de obter o impedimento de ministros do STF. “Porque se eu tomo qualquer providência com relação a essas calúnias, fico impedido de atuar neste caso. E a Procuradoria não vai cair nessa armadilha. Vai continuar atuado no caso, apurando com todo o rigor e com toda a serenidade que caracteriza o MP esse fatos que, como disse, são extremamente graves."
Protógenes Queiroz também afirmou que Daniel Dantas ofereceu US$ 20 milhões para um delegado da Polícia Federal e cinco policiais, mas não citou os motivos ou nomes dos assediados. E emendou: “quanto que não deve ter oferecido, não ofereceu, para o procurador-geral da República?”.
Questionado sobre a desvalorização do Ministério Público — já que a suposta propina de R$ 280 mil muito menor do que a de US$ 20 milhões que teria sido oferecida, segundo o deputado, à PF — o procurador respondeu, rindo: “Já não vou discutir esse tipo de cotação”.
O banqueiro Daniel Dantas entrou com queixa-crime no Supremo por conta das declarações do deputado. Na palestra, Protógenes voltou a chamar Dantas de “banqueiro bandido”. O deputado disse também: “Não encontraram nada. No parecer ela (Cláudia Sampaio) diz que encontraram na minha casa R$ 280 mil, que foi apreendido. Ela escreveu isso e assinou. (…) Talvez tenha seja R$ 280 mil que o Daniel Dantas tenha dado para ela. Para ela dar esse parecer”.
Protógenes Queiroz é investigado em inquérito (Inq 3.152) que tramita no STF. Conforme revelou a revista Consultor Jurídico na última sexta-feira (24/5), o tribunal decidiu dar curso à investigação que apura se a operação satiagraha foi patrocinada e conduzida por empresários interessados em alijar o banqueiro Daniel Dantas do mercado de telecomunicações do Brasil.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Norma da Policia Federal não pode limitar controle externo do Ministerio Publico Federal

Superior Tribunal de Justiça confirmou uma das prerrogativas do Ministério Público. É da natureza essencial do órgão, por se tratar de um fiscal da lei, o controle externo das atividades policiais. Com esse entendimento, o ministro Humberto Martins reconheceu o direito líquido e certo do Ministério Público Federal a obter documentos sobre equipamentos e servidores da Polícia Federal gaúcha.
A decisão afasta as restrições impostas pela Resolução 1/2010 do Conselho Superior de Polícia da PF, que buscava limitar o controle externo da atividade policial pelo MPF. De acordo com o ministro, a norma interna da Polícia Federal contraria a lei que regula os poderes de fiscalização concedidos pela Constituição de 1988 ao MPF.
Documentos internos
Na origem, o Ministério Público Federal ingressou com Mandado de Segurança contra o delegado da PF de Santo Ângelo (RS), buscando acesso a documentos. O material tratava de servidores e terceirizados em exercício e afastados na unidade, coletes à prova de balas disponíveis e seus prazos de validade, ordens de missão policial expedidas nos doze meses anteriores e registros de sindicâncias e procedimentos disciplinares no mesmo período.
O juiz concedeu o pedido, mas a União recorreu. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, os desembargadores entenderam que “a ingerência do MP na organização interna da polícia” era “incabível” e que a resolução era legal. Para o TRF—4, o MPF só poderia fiscalizar a atuação dos policiais federais no contexto da atividade investigativa, com o objetivo de garantir a legalidade e eficiência das provas colhidas para formação da denúncia.
Limitação ilegal
No Recurso Especial ao STJ, o MPF alegava que a requisição dos documentos, além de estar contida no poder-dever fiscalizatório do órgão, é medida preliminar para averiguação de medidas eventualmente necessárias. Por isso, a resolução do Conselho Superior da polícia deveria ser considerada ilegal, por limitar os recursos do MPF para fiscalização policial externa.
O ministro Humberto Martins entendeu que a decisão da corte regional contraria o Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/93). Para ele, os documentos buscados pelo MPF estão diretamente vinculados à sua atividade-fim de controle externo da atividade policial. O relator ainda apontou que, segundo posicionamento firmado no STJ, é possível a participação de promotores e procuradores nos conselhos da PF e da Polícia Civil. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Clique aqui para ler a decisão no REsp 1.365.910.

Advogado deve ser preso em sala de Estado Maior

Advogado preso preventivamente tem o direito de ser recolhido em sala de Estado Maior. Na falta de local adequado, a prisão deve ser cumprida em regime domiciliar. O entendimento foi reforçado na última sexta-feira (24/5) pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Ricardo Lewandowski concedeu liminar em Reclamação ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
O direito de advogados serem presos em sala de Estado Maior antes de condenação penal definitiva é previsto no artigo 7º, inciso V, da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia. A regra diz que são direitos do advogado "não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar”.
A prerrogativa prevista no Estatuto da Advocacia foi julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em maio de 2006. Na ocasião, os ministros apenas derrubaram apenas a exigência legal de que a OAB inspecionasse e desse o aval à sala onde o advogado seria recolhido. Mas manteve a regra que prevê prisão em sala de Estado Maior.
A OAB entrou com Reclamação porque o advogado Ruy Ferreira Borba Filho foi preso preventivamente em abril, no Presídio Bangu 8, acusado de denunciação caluniosa contra juízes. As Forças Armadas no Rio de Janeiro e a Corregedoria da Polícia Militar informaram não ter sala de Estado Maior em seus quartéis.
Por isso, a Justiça do Rio de Janeiro decidiu recolher o advogado em cela individual. Segundo a decisão, a cela tem condições dignas que seriam suficientes para cumprir a determinação do Estatuto da Advocacia. Ainda de acordo com informações do Judiciário, na unidade onde está Borba Filho só há advogados e militares.
Na Reclamação, contudo, a OAB sustentou que “nem mesmo a hipótese de cela isolada contempla a previsão legal” que determina que o advogado tenha de ser recolhido em sala de Estado Maior. Os argumentos foram acolhidos pelo ministro Ricardo Lewandowski. Na decisão, o ministro cita precedentes do STF em que se decidiu que sala de Estado Maior é diferente de celas “análogas a salas de Estado Maior”, ainda que individuais, pois a primeira não prevê sequer grades.
Lewandowski concedeu liminar para que o advogado seja recolhido a prisão domiciliar, ao menos até o julgamento do mérito da Reclamação. O pedido foi assinado por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente nacional da OAB, pela advogada Fernanda Lara Tórtima, presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB fluminense, e pelo advogado Pedro Paulo Guerra de Medeiros, conselheiro federal designado para atuar em nome das duas entidades.
Clique aqui para ler a decisão.
RCL 15.697-RJ

segunda-feira, 27 de maio de 2013

STJ amplia conceito de família para proteger bem

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do devedor — aquele onde ele mora com sua esposa e outro onde vivem as filhas nascidas de relação extraconjugal.
Os ministros entenderam que a impenhorabilidade do bem de família deve resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, a entidade familiar não se extingue para efeitos de impenhorabilidade de bem. Pelo contrário, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges e outra composta pelas filhas de um deles.
O recurso julgado pelo STJ foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça do estado, que, por maioria, decidiu que a garantia legal da impenhorabilidade só poderia recair sobre um único imóvel, onde o devedor morasse com sua família.
Ao ser intimado da penhora, o devedor alegou que o imóvel em que vivia era bem de família e indicou, em substituição, um segundo imóvel. Após a substituição do bem penhorado, o devedor alegou que este também era impenhorável por também se tratar de bem de família. Disse que neste segundo imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas.
Como a Justiça não reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe, representando as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel em que residiam. Dessa vez, a pretensão teve êxito, e a penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJ-MG reformou a decisão. Por maioria de votos, o TJMG decidiu que a relação concubinária do devedor não poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação em vigor.
Direito à moradiaRelator do recurso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva disse que o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela Constituição trouxe “importante distinção entre relações livres e relações adulterinas”, mas essa distinção não interfere na solução do caso analisado, pois o que está em questão é a impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem. Afinal, lembrou o ministro, a Constituição estabelece que os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento, assim como os adotados, têm os mesmos direitos.
Segundo o relator, a jurisprudência do STJ vem há tempos entendendo que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009 não se destina a proteger a família em sentido estrito, mas, sim, a resguardar o direito fundamental à moradia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.
Famílias diversas“Firme em tal pensamento, esta corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem filhos, de irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente, permitindo, neste caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009”, afirmou o relator. Para ele, “o conceito de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações sociais que atingiram o direito de família. Somente assim é que poderá haver sentido real na aplicação da Lei 8.009”.
Isso porque, explicou Villas Bôas Cueva, o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Debate mostra que regime semiaberto no Brasil é ficção

Se há falta de vagas no sistema penitenciário para que condenados cumpram suas penas em regime semiaberto ou aberto, devem eles ser encarcerados ou recolhidos em prisão domiciliar? O que deve prevalecer nestes casos: o direito coletivo da sociedade de ter segurança pública ou o direito individual do condenado, de não cumprir uma pena mais grave do que prevê a lei?
A questão foi debatida em audiência pública nesta segunda-feira (27/5) no Supremo Tribunal Federal. A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator de um recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Mais de 20 especialistas, entre juízes, gestores, defensores públicos e integrantes do MP se revezaram na tribuna do STF com argumentos contra e a favor da prisão domiciliar.
O debate irá subsidiar o julgamento do Recurso Extraordinário 641.320, no qual o MP gaúcho questiona decisão do Tribunal de Justiça do estado que concedeu prisão domiciliar a um condenado do regime semiaberto. O TJ gaúcho decidiu de forma mais favorável ao réu porque não havia vaga em estabelecimento voltado para o regime semiaberto para que ele cumprisse pena dentro das condições previstas em lei.
Como era de se esperar, o debate foi polarizado. Defensores públicos com o argumento de que o preso não pode ser apenado com mais rigor por conta da falta de organização do Estado em organizar o sistema prisional. Membros do Ministério Público com a justificativa que a “sociedade cordata” não pode arcar com o risco e as consequências de ter criminosos na rua por conta da falta de estrutura estatal.
Em meio ao debate polarizado, houve sugestões interessantes e a apresentação de dados alarmantes. O juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça, Luciano André Losekann, revelou como é complexa e complicada a situação dos presos que cumprem pena em regime semiaberto no Brasil. Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, Losekann mostrou que, na prática, o regime semiaberto no país é uma ficção.
“Na maioria dos estados, os presos aguardam em eternas listas de espera sua progressão do regime fechado para o semiaberto. Mas as listas são absolutamente ilusórias porque quem consegue Habeas Corpus acaba passando na frente de presos que esperam a mais tempo pela progressão”, afirmou Losekann. O juiz disse que em um dos mutirões carcerários feitos pelo CNJ em São Paulo, em 2011, “havia sete mil presos já com progressão deferida aguardando no regime fechado a vaga no semiaberto”.
Sem fiscalizaçãoA maior parte dos debatedores frisou que sem fiscalização qualquer regime de cumprimento de pena fora do fechado não surtirá o efeito desejado: a ressocialização. “De nada adianta fixar prisão domiciliar se não houver parâmetros mínimos de fiscalização. Muitas vezes, os presos voltam a delinquir no livramento condicional porque não há qualquer fiscalização”, observou Luciano Losekann.
Ponto comum também foram as críticas de que a União não repassa as verbas para investimento no sistema carcerário e, por outro lado, os estados não investem no sistema do regime semiaberto e outros que visam à ressocialização de presos. Para Losekann, talvez fosse necessário pensar em um sistema que substituísse o regime semiaberto pelo livramento condicional, mas efetivamente monitorado. Isso porque, na maioria dos casos, o sujeito fica esperando uma proposta de trabalho para poder progredir. Proposta que, por vezes, nunca chega. A espera já fez o regime semiaberto ser apelidado de “regime semifechado”. De acordo com Losekann, há no país 75 mil pessoas cumprindo pena em regime semiaberto e ainda há déficit de 24 mil vagas.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, hoje mais de 20 mil presos cumprem pena em regime mais grave do que deveriam por falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto. Segundo dados do Ministério da Justiça, a população carcerária no Brasil é de 548 mil pessoas. E os presídios e cadeias dispõem de apenas 310 mil vagas.
Súmula vinculanteO defensor público geral da União, Haman Tabosa Córdova, lembrou que em fevereiro de 2011 a Defensoria Pública apresentou a Proposta de Súmula Vinculante 57, que pede a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos severo diante da falta de vagas no regime semiaberto. E defendeu a aprovação da súmula.
De acordo com o defensor, a previsão de investimentos do governo federal da ordem de R$ 1,2 bilhão pode ajudar, mas não resolverão o problema. Haman Tabosa, como outros debatedores, frisou que raramente os recursos financeiros são aplicados na construção de unidades específicas para o regime semiaberto. De forma geral, são construídas unidades apenas para separar condenados definitivos dos presos provisórios. “A ineficiência do Estado não pode permitir a violação do direito à liberdade do cidadão”, defendeu.
Os integrantes do Ministério Público que participaram da audiência atacaram a possibilidade de o Supremo sumular a matéria. Mas não só eles. O juiz Losekann, por exemplo, disse que a aprovação de uma súmula vinculante nesse sentido tem de ser acompanhada de um regramento mínimo, principalmente no que diz respeito à fiscalização do cumprimento de regimes domiciliar, aberto e semiaberto.
Ivory Coelho Neto, procurador de Justiça do MP gaúcho, atacou a proposta de súmula. Segundo ele, na prática, “o benefício judicial é a conversão da condenação imposta pela sociedade brasileira por meio do Judiciário em mera censura moral”. Isso porque não há, segundo ele, uma efetiva fiscalização para aferir se a prisão domiciliar está sendo cumprida. Segundo ele, a determinação judicial se transforma em uma recomendação para que o condenado permaneça em casa.
O procurador, contudo, não é contra a concessão de prisão domiciliar na falta de vagas em regime semiaberto. Coelho Neto ataca a adoção generalizada da medida. Ele sugeriu que o STF, ao julgar o recurso de relatoria de Mendes, dê interpretação conforme a Constituição ao caso para estabelecer condições mínimas para a concessão da prisão domiciliar.
Os procuradores Miguel Tassinari de Oliveira e Paulo José de Palma, que representaram o Ministério Público de São Paulo, também criticaram a possibilidade de conversão da prisão em regime semiaberto em prisão domiciliar automaticamente. “Ao permitir que um indivíduo condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime semiaberto cumpra a pena em regime menos gravoso, o Estado baixa o nível de proteção à segurança pública aquém do desejado”, afirmou Oliveira. Já Paulo de Palma defendeu que os interesses maiores da sociedade possam devem ser resguardados nestes casos.
A audiência pública seguirá nesta terça-feira (28/5), com mais oito expositores. Falarão representantes de secretarias estaduais que tratam da questão da segurança pública e administração penitenciária dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Também está prevista a exposição do presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, Herbert José Almeida Carneiro.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Contrato de experiência não dá a gestante estabilidade

Contrato de experiência não dá a grávida direito a estabilidade. Com esse fundamento, a Justiça do Trabalho de Minas Gerais negou a nulidade do contrato de experiência de uma trabalhadora contratada por uma empresa de consultoria para prestar serviços como operadora de telemarketing a uma outra companhia.
"Não se trata a hipótese de funcionária que já exercia amplamente a função para a qual foi contratada, restrita tão-somente pelo prazo inicialmente determinado para sua atuação, como acontece com os empregados temporários contratados em razão do aumento extraordinário dos serviços, mas, como já fundamentado, tratava-se de funcionário em treinamento", afirmou o juiz Erdman Ferreira da Cunha, da 3ª Vara do Trabalho de Uberlândia.
Ele disse que é preciso distinguir o contrato de experiência dos demais contratos por prazo determinado. No caso, a reclamante foi contratada para submeter-se a treinamento, cuja aprovação respaldaria a continuidade do contrato.
Ferreira da Cunha acrescentou que, no caso, a reclamante já estava grávida quando foi selecionada para o treinamento e sempre esteve ciente da possibilidade de não ser aprovada para a continuidade do contrato, o que, aliás, justifica a contratação a título de experiência.
O juiz disse respeitar o disposto no inciso III, na Súmula 244, do TST — que prevê a estabilidade provisória da gestante, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. Porém, considerou o pedido improcedente por conta de particularidades existentes no caso concreto.
Ao analisar a jurisprudência, apontou que a garantia da estabilidade da gestante nos contratos por prazo determinado foi afirmada em casos especialíssimos, como na hipótese em que a gravidez se dá no curso do aviso prévio indenizado, e no caso da gestante contratada por prazo determinado que sofre acidente do trabalho.
"Embora a evolução seja a marca que não pode faltar ao direito, também é verdade que devem ser ressalvadas as hipóteses concretas em que não se fará verdadeira justiça, posto que a evolução também fere outros conceitos e garantias jurídicas sedimentados em favor da parte contrária, impondo-se um custo a quem não estaria a ele obrigado e muitas vezes nem preparado", finalizou o juiz, declarando a improcedência do pedido de estabilidade provisória e demais postulações decorrentes. Houve recurso da decisão, a ser julgado pelo TRT de Minas.
0001325-66.2012.5.03.0103 RO

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Órgão administrativo não tem poder para legislar


Entre as atribuições cometidas pela Constituição Federal ao Conselho Nacional de Justiça não se inclui a de legislar. E isso por uma razão muito simples: sendo ele um órgão administrativo do Poder Judiciário obviamente não pode extrapolar das suas funções, que sequer são jurisdicionais, mas apenas, ainda que em escala constitucional superlativa, administrativas.
Embora com poder regulamentar e disciplinar em seu amplo âmbito de atuação, o regime democrático jamais reconheceu a órgão administrativo o poder de legislar, criando normas gerais vinculantes para a sociedade, ainda mais quando versam sobre matéria constitucional. A Resolução 175 de 14 de maio de 2013 do CNJ viola o preceito.
A continuar nesse trôpego passo, o Incra poderá legislar sobre reforma agrária, a Funai sobre o regime jurídico dos indígenas e o Confea (Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia) acerca da reforma urbana, sem que haja mais necessidade dos competentes — e por isso passíveis de cobrança democrática — canais legislativos.
Não se discute a aceitação do casamento homoafetivo e de seus efeitos civis, mas sim que nenhum órgão administrativo pode interferir na vida civil-constitucional do cidadão. Não é à toa que como importante valor fundante da família o casamento está previsto nos artigos 5º e inciso 1º, e 226 e seus parágrafos da Constituição, daí sua inquestionável situação de base da família e da sociedade.
O ministro Gilmar Mendes (STF) abriu polêmica no meio jurídico, assinalando que a decisão do STF de 2011 usada para justificar a medida não tratava de casamento, mas apenas de união estável. Segundo ele, a decisão não legitimou automaticamente o casamento homoafetivo, afirmando que “o tribunal só tratou da questão da união estável, mandou aplicar a união estável. Até o ministro Ayres Britto se estendeu, mas depois foi ponderado que o próprio pedido só afetava a questão da união homoafetiva”, explicou. Também o subprocurador-geral da República Francisco Sanseverino, que atuou no CNJ quando a atual resolução foi discutida, afirmou que “embora respeitando a posição do CNJ, [...] é necessário ou edição de uma lei ou uma nova decisão em outra ação por parte do STF”, concordando com a ampliação de direitos, mas rejeitando a justificativa usada pelo CNJ para aprovar a Resolução. Aliás, até mesmo a conselheira Maria Cristina Peduzzi, evitando que a votação da Resolução fosse unânime, votou pela sua rejeição, destacando que a regra não poderia ser estabelecida pelo CNJ sem previsão legal e que não o fazia por razões de fundo ou de mérito da proposta, mas apenas por considerar a ausência de poder legiferante e muito menos da disciplina de matéria constitucional.
Assim, a ousadia do CNJ parece ter ido além dos seus próprios limites, entortando a boca pelo uso indevido do cachimbo.
As pessoas precisam se tocar que, no regime da separação de poderes, órgão administrativo quando legisla atua com usurpação, viola o ordenamento legal e avança contra o direito dos cidadãos, praticando verdadeira heresia jurídica. O fantástico laboratório de casuísmos nacionais estaria produzindo, como nova assombração, a Medida Provisória — ainda mais gravosa pela maior imunidade a meios de controle — gestada no ventre surreal de órgão administrativo do Judiciário.
A família não recebe destacado tratamento constitucional sem seríssima motivação, mas por ser seu regramento essencial à ordem social, por isso não podendo ter sua estrutura modificada à deriva, por simples resolução de mero órgão administrativo. Se assim for, amanhã outra resolução poderá alterar a atual para estabelecer a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo, ainda que este último derive dos reconhecidos postulados de liberdade e de dignidade. Mas se a admissão da união estável homoafetiva veio da decisão do STF, não há razão para que o instituto do casamento receba tratamento diverso.
A legislação sobre Direito Civil é privativa da União, competindo ao STF a interpretação final da Constituição. A nação não suporta o papel de uma instituição-curinga que, ao invés de cumprir sua finalidade, enverede pelo perigoso surto da usurpação de poder.
Pela magnitude de sua relevância, pela importância do que já realizou e do que poderá fazer pelo Poder Judiciário nacional, o CNJ não deve vulgarizar-se, escorregando pelo movediço terreno do delírio institucional.

Controle de lavagem de dinheiro é obrigação do Estado

Quando o crime de lavagem de dinheiro foi criado, em 1998, a lei trouxe outra importante inovação para o sistema jurídico brasileiro ao obrigar determinadas pessoas físicas e jurídicas a denunciar operações suspeitas de seus clientes quando presentes indícios de lavagem. Entre elas, os bancos, a bolsa de valores, as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento ou assistência em operações financeiras, societárias e imobiliárias, dentre muitos outros. A obrigação não é uma exclusividade da lei brasileira. A partir da Convenção de Viena, de 1988, todos os países membros se obrigaram a criar normas seguindo diretrizes do Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi), criado em 1989.
A obrigação de denunciar operações suspeitas representa um gigantesco fracasso estatal. O Estado reconhece sua incapacidade de investigar crimes e obriga os particulares a ajudar nessa missão. Mas, evidentemente, a tarefa imposta aos particulares é hercúlea, em especial porque os obrigados a comunicar não estudaram direito, não tendo a obrigação de conhecer o conceito de indícios (ainda hoje debatido por juristas) tampouco saber o que é lavagem de dinheiro — conceito que está longe de ser pacificado até por nossos juízes.
De toda forma, para ajudar os leigos a cumprirem as normas administrativas, várias resoluções foram elaboradas com intuito de explicar o que seria uma operação suspeita. Quase todas determinam a comunicação de "quaisquer operações que, considerando as partes e demais envolvidos, os valores, modo de realização e meio e forma de pagamento, ou a falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar sérios indícios da ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 9.613, de 1998, ou com eles relacionar-se".
Há vários exemplos nas regulamentações, como a reiteração de saques ou depósitos de dinheiro em espécie e a movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros. Para saber se uma operação é compatível com a capacidade econômica do cliente, o obrigado a comunicar necessita ter um cadastro que contemple o maior número de informações possível — daí a expressão "conheça seu cliente".
Recentemente, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, apontou que um dos problemas da lei seria a leniência dos bancos. Penso que essa atribuição de responsabilidade é equivocada. É sempre bom lembrar que, quando do surgimento das obrigações relativas à prevenção da lavagem de dinheiro, os bancos já faziam propaganda de seus sistemas eletrônicos, por meio dos quais o cliente não precisava mais ir à agência para efetuar suas operações. Tudo podia ser feito pela internet. De lá para cá, os sistemas são cada vez mais sofisticados e hoje podemos fazer quase tudo até por telefone celular. Resulta que quase ninguém conhece mais o gerente de conta ou, se conhece, tem um contato cada vez mais reduzido com ele. Ou seja, enquanto os bancos se distanciavam dos clientes com o uso desses sistemas, o legislador determinava um conhecimento aprofundado deles.
Os bancos então aperfeiçoaram seus cadastros, treinaram funcionários, implantaram sistemas voltados a identificar incompatibilidade financeira e efetuam inúmeras comunicações. Somente no último ano foram comunicadas cerca de 850 mil operações suspeitas, segundo o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O controle está longe de ser leniente. Pode ser ineficaz, com a comunicação de muitas operações que, embora suspeitas aos olhos dos regulamentadores, estão longe de integrar um procedimento de lavagem. Contudo, isso não é culpa de quem comunica.
A incompatibilidade econômica que pode ser detectada pelo banco está, como se disse, diretamente atrelada ao cadastro, que é preenchido pelo cliente, sem a obrigação de dizer a verdade. Sabemos todos que os brasileiros dão pouquíssimo valor aos cadastros e, muitas vezes, ocultam dados. Por outro lado, o banco não pode exigir a entrega da declaração de renda do seu cliente, protegida por sigilo que só pode ser afastado por um juiz.
O resultado é que os bancos, na expressiva maioria das vezes, só conseguem detectar incompatibilidades superficiais, que podem ocorrer por mero erro dos clientes. É verdade que também se pode descobrir dinheiro sonegado das autoridades, ou seja, detectar o chamado caixa dois. No entanto, tais descobertas ajudam pouco o combate à lavagem. Preencher cadastro errado ainda não é crime e descobrimento de caixa dois revela sonegação e não obrigatoriamente lavagem. Os bancos, na verdade, cumprem suficientemente a gigantesca tarefa que lhes foi imposta pelo legislador. O que é necessário ficar claro é que quadrilhas especializadas em lavagem, segundo estudiosos do tema, são sofisticadas e não podem ser descobertas por meras incompatibilidades cadastrais.
Quem deve se aparelhar para investigar e punir é o Estado, em especial após a reforma da Lei de Lavagem em julho de 2012. Antes da nova lei, só alguns delitos eram considerados antecedentes à lavagem, ou seja, apenas alguns crimes poderiam gerar lavagem de dinheiro. Agora, com a nova lei, qualquer infração é antecedente. Isso significa que o número de casos a serem investigados vai se multiplicar. Se o Brasil experimentou resultados pífios no combate ao crime sob a égide da lei antiga, pode-se imaginar que o fracasso aumentará e a busca por culpados também. Os obrigados a comunicar não poderão, obviamente, contribuir ainda mais. Isso porque não são investigadores de polícia, não se propuseram a investigar e não podem tratar os clientes como investigados ou réus. A lei que aumentou os casos a serem investigados foi comemorada por nossas autoridades — daí ser aplicável ao caso o velho dito popular: quem pariu Mateus que o embale.

Bloqueio de bens é restrito ao valor do prejuízo

O bloqueio de bens de acusados de desvio de dinheiro público deve ser restrito ao valor do suposto prejuízo causado à administração pública. O entendimento serviu de fundamento para o juiz convocado Márcio Mesquita, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, reduzir o valor dos bens bloqueados de 13 pessoas presas na chamada operação fratelli. Assim, o sequestro de R$ 36,4 milhões a pedido pelo Ministério Público tornou-se o bloqueio de R$ 258,7 mil.
Deflagrada no início de abril pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, a operação investigou suspeita de fraudes em licitações em 80 municípios do interior de São Paulo. Segundo a denúncia, empresários, políticos e funcionários públicos formavam uma quadrilha especializada em fraudar licitações públicas, falsificar documentos e subornar servidores.
“Se o objetivo da constrição dos bens dos requerentes é assegurar a indenização dos prejuízos causados ao erário pelas condutas delituosas, o valor do patrimônio a ser indisponibilizado deve corresponder ao do efetivo prejuízo advindo da prática dos crimes”, disse Mesquita, que acolheu pedido feito em Ação Cautelar pelos advogados Alberto Zacharias Toron, Luiza Oliver, Luisa Moraes Abreu Ferreira e Luiz Guilherme Rorato Decaro.
Na decisão, o juiz convocado afirma que o Ministério Público Federal apresentou indícios de desvios em apenas dois convênios, que somados chegariam a R$ 258,7 mil. Na denúncia, o MPF pediu o bloqueio R$ 36,4 milhões dos acusados de integrar o esquema. O pedido foi acatado em decisão de primeira instância e atingiu o patrimônio de 13 pessoas e 32 empresas.
“Não há como reputar existentes indícios veementes da proveniência ilícita dos bens na quantificação feita pelo MPF e acatada pelo juízo a quo, que limitou-se a pesquisar no Portal da Transparência todos os convênios relativos à pavimentação e recapeamento asfáltico e afirmar que ‘dentre os convênios mencionados, inúmeros apresentam indícios de fraudes e direcionamento de licitações’”, afirma o juiz.
Ao pedir o bloqueio dos R$ 36 milhões, o Ministério Público ressaltou que, em um curto período de tempo, três empresas do Grupo Scamatti registraram aumento patrimonial considerável.
A Demop participações, por exemplo, que tinha patrimônio de R$ 200 mil em 2003, registrou capital social de R$ 25 milhões em 2010. Segundo o MP, a empresa ganhou 70 licitações em apenas dois anos.
A Scamtti & Seller saltou de um patrimônio de R$ 500 mil em 2005 para R$ 15 milhões em 2010. Já a Mineração Noroeste, com capital social de R$ 100 mil em 1999, aumentou seu patrimônio para R$ 1,1 milhão em 2007.
Para o juiz Márcio Mesquita, entretanto, esses indícios não bastam para pedir o bloqueio dos bens dos acusados. “Não é possível concluir-se pela existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens a mera evolução patrimonial, tida como vultosa pelo MPF, de três pessoas jurídicas, para justificar o sequestro de todos os bens de treze pessoas físicas e 32 pessoas jurídicas”.
Na decisão, Mequita afirma que as “inúmeras outras exordiais acusatórias autônomas” que o MPF afirmou que iria oferecer ainda não foram apresentadas.
Clique aqui para ler a decisão.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Independência das esferas administrativa e penal é mito

Um mantra sempre repetido em doutrina e jurisprudência: processo administrativo e penal são independentes, autônomos, seguem princípios distintos, e as decisões em um deles não se comunicam com o outro.
Com base nisso, é comum que a absolvição de investigado na seara administrativa seja ignorada na seara penal, e vice-versa, como se cada segmento do Poder Público fosse uma unidade hermética e indevassável a valorações feitas em outros terrenos. Isso ocorre nos crimes financeiros, concorrenciais, ambientais, e em outros, em que eventuais decisões dos órgãos que apuram ilícitos administrativos (Banco Central, Cade, Ibama) são praticamente desconsideradas na esfera penal. Ocorre que a cada dia se constata que tal independência é relativa.
Em primeiro lugar, a própria legislação e a jurisprudência têm conferido efeitos cada vez mais relevantes a atos praticados no âmbito administrativo, em especial em relação ao processo penal. Apenas para fins ilustrativos, podemos citar a conhecida Súmula 24 do STF, que faz depender a “materialidade típica do crime fiscal da constituição administrativa do crédito tributário”, e a Lei 12.259/11, que determina a extinção da punibilidade dos crimes de cartel quando cumprido do acordo de leniência, firmado no âmbito do Cade.
Mas, mesmo que a lei não estabeleça relação direta entre as instâncias administrativa e penal, os princípios consagrados neste último impõem uma ligação importante entre elas, em especial nos casos em que o comportamento seja considerado lícito na seara administrativa.
Nessas hipóteses, o princípio da subsidiariedade tem interferência central. Se o direito penal é a ultima ratio do controle social, se é tratado como o instrumento que age apenas diante de ineficácia de outros mecanismos de inibição de condutas, como explicar a legitimidade da pena para uma ação ou omissão considerada lícita na seara cível ou administrativa? Como justificar a necessidade da repressão penal a uma conduta supostamente anticoncorrencial considerada lícita pelo Cade? Ou uma gestão temerária de instituição financeira reputada insignificante pelo Banco Central do Brasil?
É evidente que os valores protegidos pelo Direito Administrativo são distintos daqueles presentes na esfera penal. Ocorre que, a existência de justa causa para a persecução penal exige a verificação do desvalor da conduta para todas as outras esferas de controle social. Do contrário restará subvertido o princípio mais caro ao sistema: a ultima ratio da intervenção penal e sua fragmentariedade.
É sempre oportuno frisar que os valores protegidos pelo Direito Penal são os mais relevantes e importantes para o funcionamento de determinada sociedade. A lógica do princípio da fragmentariedade impõe que a norma penal declare injusto apenas aquele comportamento absolutamente inaceitável, insuportável para o convívio em sociedade, e rechaçado pelo ordenamento jurídico como um todo.
Aceitar que um ato tolerado na esfera administrativa ou cível seja reconhecido como injusto penal seria inverter completamente o princípio da fragmentariedade, que, nas palavras de Roxin “sería una contradiccion axiológica insoportable, y contradiria además la subsidiariedad del Derecho penal como recurso extreo de la política social, que una conducta autiruzada em cualquier campo del Derecho no obstante fuera castigada penalmente”[1]. Na mesma linha, explica Bittencourt:
“Por isso, um ilícito penal não pode deixar de ser igualmente ilícito em outras áreas do direito, como a civil, administrativa, etc. No entanto, o inverso não é verdadeiro: um ato licito civil não pode ser ao mesmo tempo um ilícito penal. Dessa forma, apesar de as ações penal e extrapenal serem independentes, o ilícito penal, em regra, confunde-se com o ilícito extrapenal. Em outros termos, sustentar a independência das instâncias administrativa e penal é uma conclusão de natureza processual, ao passo que a afirmação que a ilicitude é única implica uma conclusão de natureza material”[2]
Não é diferente o entendimento do STF nesta seara:
“1. De acordo com o artigo 20 da Lei n° 10.522/02, na redação dada pela Lei n° 11.033/04, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. 3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal. (STF, HC 92438 / PR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 19/08/2008, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-04 PP-00925, sem grifo no original).
Cumpre destacar o seguinte trecho do voto do E. Ministro Joaquim Barbosa nos autos do Habeas Corpus supra mencionado (HC 92438)
“Torno a dizer: não é possível que uma conduta seja administrativamente irrelevante e não o seja para o Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido quando, quando falham os outros meios de proteção e não são suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do direito.”
Também nesse sentido:
“(...) I. - No caso, tendo a denúncia se fundado exclusivamente em representação do Banco Central, não há como dar curso à persecução criminal que acusa o paciente de realizar atividade privativa de instituição financeira, se a decisão proferida na esfera administrativa afirma que ele não pratica tal atividade. Inocorrência, portanto, de justa causa para o prosseguimento da ação penal contra o paciente. II. – HC deferido. (STF, HC 83674, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 16/03/2004, DJ 16-04-2004 PP-00088 EMENT VOL-02147-13 PP-02629)
Em caso bastante similar, o STJ reconheceu a relatividade da independência das instâncias:
“ (...) No Estado Democrático de Direito, o devido (justo) processo legal impõe a temperança do princípio da independência das esferas administrativa e penal, vedando-se ao julgador a faculdade discricionária de, abstraindo as conclusões dos órgãos fiscalizadores estatais sobre a inexistência de fato definido como ilícito, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, alcançar penalmente o cidadão com a aplicação de sanção limitadora de sua liberdade de ir e vir.
5. É certo que esta independência também funciona como uma garantia de que as infrações às normas serão apuradas e julgadas pelo poder competente, com a indispensável liberdade; entretanto, tal autonomia não deve erigir-se em dogma, sob pena de engessar o intérprete e aplicador da lei, afastando-o da verdade real almejada, porquanto não são poucas as situações em que os fatos permeiam todos os ramos do direito. (...) (STJ, HC 77228/RS (2007/0034711-6), Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 5ª T., DJ 07/02/2008 p. 1, sem grifo no original)
Ou o seguinte julgado:
“(...) 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa, medida de exceção que é, somente cabe quando a atipicidade e a inexistência dos indícios de autoria se mostram na luz da evidência, primus ictus oculi. 2. Em resultando manifesta a atipicidade da conduta atribuída ao agente, como nas hipóteses em que, descomprometido com o aferimento de lucro, quanto mais ilícito, tomou medidas urgentes e necessárias ao bom funcionamento do órgão que geria, o trancamento da ação penal é medida que se impõe. 3. Carece de justa causa a ação penal fundada em representação de Autarquia Federal, quando ela própria vem a considerar como lícita a conduta do agente (Precedente do STF). 4. Recurso provido”. (STJ, RHC 12192/RJ (2001/0184954-7), Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 6ª T., DJ 10/03/2003 p. 311)
Ora, se determinado comportamento é reconhecido por um sistema de controle social menos grave que o direito penal como aceitável — ou ao menos como não intolerável — não há legitimidade para a incidência da norma penal, caracterizada como intervenção de ultima ratio, cuja incidência é mais restrita e limitada. Como atesta Figueiredo Dias: “se uma ação é considerada lícita (sc. conforme ao 'Direito') pelo direito civil, administrativo ou por qualquer outro, essa licitude – ou ausência de ilicitude – tem de impor-se a nível do direito penal” [3].
Por isso, a decisão administrativa que reconhece a licitude do comportamento — se isenta de vícios e cercada das formalidades legais — interfere diretamente na seara criminal, porque afasta a necessidade deste último controle, pelo principio da subsidiariedade.

[1] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. 2. ed. Madrid: Civitas,1997. p.570
[2] BITTENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal. p.297, sem grifo no original
[3] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito penal: parte geral. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 388, sem grifo no original

terça-feira, 21 de maio de 2013

OAB decide apoiar PEC 37 contra investigação pelo Ministério Público

O Plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decidiu, nesta segunda-feira (20/5), apoiar o Projeto de Emenda à Constituição 37, que reitera a exclusividade da competência policial na condução de inquéritos criminais. Por maioria de votos, os conselheiros da OAB confirmaram que irão apoiar institucionalmente a PEC 37, por entender que é papel da entidade fazer frente à campanha do Ministério Público contra a aprovação do projeto.
Entre os conselheiros, prevaleceu o entendimento de que a PEC é “meramente declaratória”, uma vez que a Constituição é clara em conceder ao Ministério Público apenas poderes auxiliares de investigação e de fiscalização da atividade policial. Porém, frente às “distorções” provocadas por um cenário de constante desprestígio do direito de defesa e de militância pelo protagonismo do MP, a entidade da advocacia brasileira deve intervir.
Embora a OAB já houvesse proferido outras vezes pareceres contrarios à tese de que o Ministério Público está autorizado a presidir inquéritos, o assunto voltou à discussão por meio de proposta do conselheiro federal pela seccional de Goiás Paulo Guedes de Medeiros. O relator da proposta, conselheiro Leonardo Accioly (PE), votou no sentido da OAB não se manifestar, uma vez que a discussão está superada, e a PEC, em si, incorre, segundo ele, em problemas técnicos. Para Accioly, o texto da PEC tropeça em “retrocessos", como os que retiram os poderes auxiliares de investigação e fiscalização do Ministério Público, estes, sim, previstos na Constituição.
No entanto, o conselheiro relator reconheceu que o Ministério Público vem cedendo a “excessos midiáticos e arroubos corporativos”, com a finalidade de defender a falsa prerrogativa de titularidade sobre inquéritos criminais. Accioly afirmou ainda que, para a opinião pública, os membros do MP passaram a ser “heróis incorruptíveis e infalíveis”.
O conselheiro relator fez críticas ainda ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, que, segundo ele, colabora para o desequilibiro entre as forças de defesa e acusação em inquéritos e processos criminais. "“É uma pena que o presidente de nossa corte suprema fale de conluios entre advogados e juízes quando, na verdade, fecha os olhos para a aproximação entre promotores e magistrados, enquanto os advogados penam nos balcões”, disse. O conselheiro criticou também o que chamou de “seletividade” do MP, que prioriza casos de grande repercussão pública e relega a segundo plano sua atuação em casos de menor visibilidade.
Matéria superada
Foi um debate longo, desorganizado e interrompido diversas vezes para que o Conselho Federal tratasse de outros assuntos e recebesse autoridades para firmar convênios em meio à sessão plenária. Os próprios conselheiros promoveram um rosário de questões de ordem a fim de esclarecer sobre o que, afinal, estavam discutindo.
O Plenário não conseguia chegar a um consenso sobre se estavam ou não reavaliando a posição da Ordem acerca do tema dos poderes de investigação do MP. Por fim, prevaleceu o entendimento de que a matéria era preclusa e que a discussão não deveria ser reaberta. O que cabia debater, portanto, era apenas se o Conselho Federal deveria ou não se manifestar em relação a PEC 37, uma vez que seccionais têm assumindo posições em sentidos contrários.
O relator acabou vencido no entendimento de que a Ordem não deveria apoiar institucionalmente a PEC 37, prevalecendo a divergência aberta pelo membro honorário do conselho, o ex-presidente do Conselho Federal da OAB Roberto Battochio, que fez um discurso inflamado sobre o tema.
Battochio abriu divergência afirmando que a Resolução 13 do Conselho Nacional do Ministério Público, que declara arbitrariamente  a extensão de competência do MP em inquéritos, foi o que gerou a necessidade da PEC 37 tramitar no Congresso Nacional.
“Essa Resolução 13 do CNMP violenta a Constituição de República Federativa do Brasil”, afirmou. “Foi o avanço do Ministério Público nas atribuições institucionais previstas na Constituição, atribuídas à Polícia Judiciária, à Polícia Federal, escrevendo ainda leis processuais penais, reeditando o Código de Processo Penal a seu modo, que motivou a exigência dessa PEC 37, que é uma proposta de emenda constitucional meramente declaratória”, afirmou.
Battochio criticou ainda a tese dos “poderes implícitos” do Ministério Público para justificar a extensão de competência do órgão como titular de inquéritos. O ex-presidente da OAB disse que o Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instituído por meio de resolução do Colégio de Procuradores de Justiça, em setembro de 2004, é uma “norma bastarda”, sem previsão no ordenamento jurídico e inconstitucional.
O conselheiro federal pelo Rio de Janeiro Siqueira Castro também disse, em fala breve, que a tese dos poderes implícitos não pode subsidiar uma "superposição de poderes, uma superposição de estruturas investigativas". Castro observou que, no âmbito do Direito comparado, o conceito de poderes implícitos só prevaleceu para reafirmar liberdades individuais e jamais em favor da repressão pelo aparelho estatal.
Antes de Battochio, o ex-presidente do Conselho Nacional da OAB, Cezar Britto, que não tem direito a voto, também afirmou que a Constituição é clara em atribuir ao MP apenas o poder de controle externo da autoridade policial. Desta forma, resta evidente que o órgão não pode ter papel concorrente com a polícia. Britto disse ainda que a Constituição divide as responsabilidades e atribuições para que “ninguém seja dono do inquérito, que é um peça fundamental do equilibrio de nosso sistema jurídico”.
Britto criticou a militância do MP no convencimento da opinião pública, alimentando a ideia de que cabe principalmente ao órgão combater a impunidade. “O bom, o honesto é o órgão acusador. O cidadão passou a ser culpado até se prove o contrário”, disse Britto.
Apartes técnicos
O conselheiro federal Guilherme Zagallo (MA) foi o único que se manifestou no sentido contrário em relação ao mérito da matéria. Zagallo afirmou que o sistema policial e de Justiça no Brasil “é muito ruim” e que a cada 100 ocorrências, apenas 11,5 tornam-se inquéritos policiais.  Desta forma, não é absurdo avaliar o papel do Ministério Público na condução de inquéritos. Para o conselheiro, a Carta Magna não é tão clara quanto a estabelecer o papel do MP em investigações criminais, tanto que o Supremo Tribunal Federal parece ter dúvidas sobre o tema. O conselheiro citou como exemplo os votos de ministros em sentido contrário no Recurso Especial com Repercussão Geral que trata do assunto.
Mas coube, sobretudo, à bancada de São Paulo as manifestações mais contudentes e pontuais sobre a necessidade de a OAB apoiar institucionalmente a PEC 37. Os criminalistas Luiz Flávio Borges D´Urso e Guilherme Battochio (filho de Roberto) interromperam os colegas conselheiros repetidas vezes, com “apartes técnicos” sobre a natureza da PEC e a atução do Ministério Público em inquéritos. Em alguns momentos, ficou evidente a impaciência de ambos os criminalistas com o desconhecimento de alguns dos conselheiros sobre aspectos envolvendo a matéria.
D´Urso afirmou que o Ministério Público se serve de uma “colcha de retalhos de normas, com a finalidade de construir uma tese sem base jurídica e constitucional”. Para o criminalista, embora a PEC “reprise o óbvio” , ainda assim é preciso apoiá-la pois, ao contrário do que o MP preconiza, trata-se apenas de uma “disputa de poder e de espaço”, disse.
“O MP antagoniza com a defesa porque Estado dividiu as atribuições. Conceder a ele poder de investigação é a subversão de um sistema que busca controlar a atuação do próprio Estado”, afirmou D’Urso.
Ao decidir por apoiar a PEC 37, o Conselho Federal da OAB também resolveu estabelecer uma Comissão de Acompanhamento e Aperfeiçoamento da proposta de emenda constitucional no âmbito do Congresso Nacional. Apenas as bancadas do Ceará, Maranhão e Pernambuco votaram a favor do Conselho Federal não se manifestar em relação à PEC no mesmo sentido da conculsão do relator.

FONTE: CONJUR

domingo, 19 de maio de 2013

Precisamos começar a dar exemplo dentro de casa

Sergio Tostes é advogado, formado pela Faculdade de Direito da UERJ, Mestre em Direito pela Harvard University e pela New York University, advogado militante há 45 anos e sócio senior de Tostes e Associados Advogados

Desde a Proclamação da República, sempre que alguma crise institucional se prenunciava no Brasil, pairava ostensiva ou veladamente um fantasma: a intervenção militar. Esse quadro mudou radicalmente com a posse, em 1985, do primeiro presidente civil após o golpe de 1964. De lá para cá, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988, toda crise institucional tem sido resolvida no âmbito dos três poderes constitucionalmente constituídos. Esse registro é relevante no quadro atual de grave crise institucional do país, com o confronto aberto entre setores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Fato é que, quando as crises institucionais se apresentam nos dias de hoje, logo aparecem representantes qualificados de cada um dos três Poderes da República para botar água na fervura, diagnosticar o fato gerador da crise e, finalmente, saná-la. De certa forma, é o processo constitucional de freios e contrapesos sendo manejado com equilíbrio, sensatez e espírito republicano. Por que, então, vivemos sobressaltados por essas crises, geralmente — repito, geralmente — motivadas por interesses subalternos de agentes públicos também menores?
Antes que ocorra uma esgarçadura desnecessária, faça-se um repto. Ao invés de um Poder medir forcas com o outro por motivações, via de regra, tolas, que cada Poder olhe para dentro de si e analise o que está errado em suas próprias entranhas. Cada um deve considerar os aspectos de sua atividade constitucional que possam estar desapontando o destinatário final do exercício do poder público: o povo brasileiro.
Comecemos o exercício observando dentro de nossa própria casa, o Judiciário. Uma boa forma de fazê-lo, com efetividade, é autilização do método cartesiano: dividir as questões em tantas partes quantas sejam necessárias para resolver cada uma delas. E, de preferência, partindo das mais simples para as mais complexas.
Perguntemos, então, a nós mesmos se estamos bem cumprindo nossa missão, se ficarmos inertes em situações preocupantes tais como: Quando as partes de um processo judicial esperam meses e meses para cumprimentos de providências meramente burocráticas; quando magistrados, mesmo na comarca da capital, ignorando as regras expressas das leis e dos ordenamentos a eles cometidos, não se fazem encontradiços para as partes e os advogados, no seu horário normal de trabalho do serviço público; quando ocorrem promoções por antiguidade ou merecimento de magistrados que, notoriamente, não são detentores da indispensável qualificação técnica e moral; quando as vagas destinadas nos tribunais a advogados e promotores são preenchidas por critério casuístico, por vezes, em função de alguma relação de parentesco.
Esse questionamento se estende também às organizações de classe, inclusive, no âmbito dos advogados que se deixam levar pela lassidão dos princípios morais; exatamente aquilo de que deveriam ser os grandes bastiões.
Enquanto isso, o Executivo e o Legislativo cometem erros atentatórios à moralidade e ao pudor quando, em nome de princípios difusos como a suposta "governabilidade", fazem concessões ou mesmo cometem aberrações anti republicanas.
Comecemos a dar o exemplo dentro de casa, sanando nossas deficiências e, em seguida, prossigamos para que a democracia no Brasil, mais do que uma conquista, pavimente o caminho para acabarmos de vez com a prevalência secular dos interesses dos“donos do poder”. Seja como faziam os donos de engenho de antanho, seja como o fazem hoje os que manipulam a máquina pública em seu próprio benefício.

sábado, 18 de maio de 2013

Bem de família só é renunciável nos casos prescritos

É inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. Com esse argumento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, impediu a penhora da propriedade de um empresário que ofereceu a própria casa para ser penhorada.
No caso, o empresário era garantidor de uma operação de sua empresa junto ao banco. Como não pagou, foi executado e ofereceu sua própria casa para ser penhorada. A casa então foi penhorada, avaliada e enviada a leilão.
Diante da situação, o empresário entrou na Justiça para não ter seu único imóvel expropriado, que serve de residência dele e de sua família, pedindo para que fosse reconhecido o bem de família e se tornasse impenhorável a casa. O empresário foi representado pelo advogado Gabriel Hernan Facal Villarreal, sócio do escritório Creuz e Villarreal Advogados Associados.
Na ação, o advogado destacou que a jurisprudência consagra o instituto do bem de família, “protegendo-o de quaisquer constrições indevidas, privilegiando a entidade familiar e a dignidade humana acima de qualquer direito creditório porventura existente”.
O empresário explica que, passando por dificuldades financeiras, a sociedade da qual fazia parte foi obrigada a renegociar dívidas com instituições financeiras e fornecedores. Ao negociar com o Banco Alvorada, sofreu a imposição de que prestasse garantia por meio de seus sócios, sendo exigido do empresário que oferecesse o bem imóvel à penhora. “Foi exigido que renunciasse a qualquer questionamento acerca do bem de família, em clara e frontal violação às garantias constitucionais que permeiam a dignidade da pessoa humana”, observa o advogado.
A defesa do empresário citou ainda que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família constitui direito irrenunciável, por se tratar de norma de ordem pública, prevalecendo inclusive em casos nos quais porventura o devedor tenha oferecido o bem à penhora.
A tese do advogado Gabriel Villarreal foi acolhida em primeira instância. O juiz Ademir Modesto de Souza, da 8ª Vara Cível de São Paulo, considerou que, “inexistindo prova de que a dívida contraída por sociedade beneficiou a família dos sócios, tem-se como inválida da penhora, não implicando o oferecimento do imóvel em garantia como renúncia à proteção legal conferida ao bem de família”, e citou jurisprudência do STJ no mesmo sentido.
O Banco Alvorada recorreu da decisão e, em decisão monocrática da desembargadora Ligia Araújo Bisogni, da 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, deu razão à instituição financeira. Em sua decisão, a desembargadora afirmou que, “tendo o devedor deliberado assegurar o cumprimento da obrigação assumida na confissão de dívida, oferecendo à penhora o questionado imóvel, não pode, agora, pretender, contra a sua vontade livremente manifestada, a impenhorabilidade do bem, beneficiando-se da própria torpeza e em detrimento do princípio da boa-fé objetiva”.
A desembargadora afirma ainda que, “além de não ter comprovado que o bem dado em garantia constitui, de fato, seu único bem, estando assim protegido pela citada lei, o agravado era sócio da empresa executada e, portanto, inegável que o proveito obtido pela pessoa jurídica reverteu em prol dele mesmo e de sua família”.
O empresário interpôs Agravo Regimental, que foi analisado pela Turma e conseguiu, mais uma vez, reverter a decisão. Para a maioria da Turma, a jurisprudência tem entendido que é inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor, em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. “O STJ tem garantido aplicação ampla da impenhorabilidade do bem de família. Sua 4ª Turma, em decisão recente, esclareceu que, ainda que o bem fosse indicado a penhora pelo próprio devedor, situação equivalente ao caso em questão, isso não implicaria renúncia ao beneficio da impenhorabilidade, porquanto a instituição do bem de família constitui princípio de ordem pública, que prevalece sobre a vontade manifestada”, explicou a Turma, citando o julgamento pela 4ª Turma do STJ do Recurso Especial 875.687, sob relatoria do ministro Luís Felipe Salomão.
Segundo o acórdão, “afora essas hipóteses, a renúncia ao bem de família não deve ser permitida, sob pena de autorizar ao credor, valendo-se de sua condição e para compelir o devedor ao pagamento, o exercício de seu direito contra princípios basilares do ordenamento jurídico. Seria permitir, por vias transversas, a execução de forma mais onerosa ao devedor; seria conceder a qualquer pessoa o direito de burlar princípios de ordem pública”.
O artigo 3º da Lei 8.009/1990 diz que o bem de família é impenhorável em qualquer processo, exceto em sete ocasiões: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Com isso, a Turma entendeu que a decisão de primeira instância deve prevalecer, cancelando a penhora da casa. A desembargadora relatora Lígia Araújo Bisogni manteve seu voto e foi vencida. Os demais desembargadores seguiram o voto do desembargador Melo Colombi.
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fonte - CONJUR

sexta-feira, 17 de maio de 2013

STF mantém quesito para progressão em crimes hediondos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou, nesta quinta-feira (16/5), a exigência de cumprimento de um sexto da pena para a progressão de regime se aplica aos crimes hediondos praticados antes da vigência da Lei 11.464/2007 — específica sobre o assunto. A decisão se deu em análise do Recurso Extraordinário 579.167, com repercussão geral.
A decisão foi unânime e ratificou o que já decidido pelo Plenário em processos anteriores (RHC 91.300). Nesse sentido, os ministros rejeitaram o recurso apresentado pelo Ministério Público do Acre contra decisão do Tribunal de Justiça daquele estado que, ao analisar um pedido de progressão de regime, adotou o critério de um sexto do cumprimento da pena.
Para a Promotoria, deveria ser aplicada ao caso a Lei 11.464/2007, que, para efeitos de progressão de regime, exige o cumprimento de dois quintos da pena para os condenados primários e três quintos para os reincidentes. De acordo com a tese do Ministério Público, a não aplicação dessa lei contraria a Constituição Federal (em seu artigo 5º, inciso XL), uma vez que a norma seria mais benéfica do que a Lei 8.072/1990, que exigia o cumprimento da pena integralmente em regime fechado.
A Defensoria Pública da União, ao representar o interessado na progressão de regime neste caso, afirmou que, de fato, a lei de 2007 é mais benéfica para o réu do que a lei de 1990. Porém, observou que em fevereiro de 2006, o Supremo, no julgamento do Habeas Corpus 82959, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, por entender que a norma violava o princípio da individualização da pena. Diante disso, a Defensoria sustentou que o correto seria a aplicação dos artigos 116 da Lei de Execuções Penais e 33 do Código Penal.
Votação
Os ministros seguiram o voto do relator, ministro Marco Aurélio, que destacou que “a vida em sociedade pressupõe a segurança jurídica” e que a primeira condição para essa segurança jurídica é a “irretroatividade da lei”. Porém, destacou que, no âmbito penal, a lei pode retroagir para beneficiar o réu. Em seu voto, ele citou diversos precedentes em processos de sua relatoria decididos no mesmo sentido.
O ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que a Súmula Vinculante 26 do STF já foi editada para ser aplicada nesses casos e prevê que “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena no crime hediondo ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei 8.072/90, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche ou não os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar para tal fim a realização de exame criminológico”. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Sucessão de leis penais e parcelamento tributário

Concedido o parcelamento do crédito tributário, estará suspensa a pretensão punitiva do estado, cuja extinção está condicionada ao pagamento integral do débito tributário (prova objetiva seletiva do concurso público para provimento de vagas para o cargo de Promotor de Justiça Substituto do estado de Roraima).
A incidência das regras de extinção da punibilidade nas hipóteses de parcelamento do crédito tributário depende da data na qual ocorreu a adesão ao respectivo programa (STJ HC 206.986).
Na vigência da Lei 9.249/1995, deferido o parcelamento de débitos antes do recebimento da denúncia, extingue-se a pretensão punitiva do Estado, ainda que inocorrente seu pagamento integral (STJ AgR-REsp 784.080). Considerava-se irrelevante, para os efeitos do artigo 34 do mencionado diploma legal, o posterior descumprimento do acordo (STJ EDcl-RHC 12.140). O Plenário do STF, contudo, ao julgar a QO-Inq 1028-6, assentou que o simples parcelamento do débito não significava o pagamento do tributo, para efeito de extinção da punibilidade (HC 74.754).
Já a adesão ao programa de parcelamento na vigência da Lei 9.964/2000 afasta a aplicação da Lei 9.249/1995, acarretando tão somente a suspensão do processo e do prazo prescricional durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída programa de recuperação fiscal (STJ RHC 27.685), e desde que a inclusão no referido programa de parcelamento tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal, mas não assim a extinção da punibilidade (STJ AgRg no RHC 23.624), que só se opera quando houver quitação integral das parcelas, a teor do contido no artigo 15, parágrafo 3º, do diploma legal (STJ RHC 22.689).
Não há que se falar em irretroatividade da lei mais gravosa, se o pedido de parcelamento do débito tributário se der durante a vigência da Lei 9.964⁄2000, aplicando-se às respectivas hipóteses de incidência a lei vigente à época do fato de que decorre o direito (STJ RHC 23.577), ainda que os fatos geradores do débito tenham ocorrido em momento anterior ao da vigência desse texto legal (STJ REsp 476.742).
É condição essencial para inclusão no programa de recuperação fiscal previsto na Lei 9.964⁄2000 que as empresas optantes expressamente desistam de ação que estejam discutindo em juízo ou em qualquer outra esfera, bem como à renúncia ao direito, sobre os mesmos débitos, sobre o qual se funda a ação. Optando a empresa em discutir administrativamente parte do valor do débito na seara administrativa, não há causa suspensiva da pretensão punitiva do Estado (TRF-4 HC 200304010277652). Restando comprovado que pelo menos um dos processos administrativos tributários que embasam a denúncia não se encontra incluído no programa de parcelamento, inviável se apresenta o benefício da suspensão da pretensão punitiva do Estado previsto no artigo 15 da Lei nº 9.964⁄2000, nem tampouco há que se cogitar quanto à aplicação, à espécie, do 34 da Lei nº 9.249⁄95, que somente permite a extinção da punibilidade caso o débito tenha sido quitado anteriormente ao recebimento da denúncia (STJ RHC 12.207).
Registre-se que, para fins penais, a inclusão do contribuinte no programa de parcelamento previsto na Lei 9.964/2000 se dá a partir do momento em que o termo de opção é recebido pelos Correios ou pelas unidades da Receita Federal, não havendo necessidade de expressa homologação pelo Comitê Gestor (TRF-4 RSE 200171000345486). Esse, contudo, parece não ser o entendimento do STJ, que diferencia, para aqueles efeitos, a adesão ao programa de recuperação e o pedido de inclusão, ao consignar que aquela somente ocorre após a homologação pelo Comitê Gestor (STJ AgR-REsp 412.102). Em todo caso, é dispensável a homologação expressa, na forma do artigo 13, parágrafo 1º do Decreto 3.431/2000, quando o Comitê não se manifesta no prazo máximo de 75 dias.
A suspensão da pretensão punitiva prevista no artigo 15 da Lei 9.964/2000 perdura enquanto a pessoa jurídica estiver incluída no parcelamento, ainda que existente ação cível não transitada em julgado pretendendo a reinclusão no referido programa (TRF-4 HC 200404010109929), devendo ser revogada apenas quando há a exclusão da empresa (TRF-4 HC 200204010345835). A simples propositura de ação com a finalidade de devolver à empresa na qual foram omitidas as contribuições previdenciárias, o status de optante ao programa de parcelamento, não tem o condão de trancar a marcha da ação penal (TRF-4 HC 200470000337683), muito embora a efetiva reinclusão da empresa no programa de parcelamento por decisão judicial de antecipação de tutela implique a suspensão da pretensão punitiva do Estado (TRF-5 HC 200405000162202).
Por outro lado, ainda que se tenha notícia de que o contribuinte encontra-se inadimplente com o parcelamento, o que deve preponderar, para fins penais, é a informação de que a conta permanece regular. Eventual equívoco por parte da administração fazendária na atualização dos dados, quer se trate de indevida inclusão ou exclusão, constitui sempre questão a ser tratada pela autoridade competente, não pelo juízo criminal, que se limita a reconhecer os efeitos da permanência ou não da empresa gerida pelo réu no regime de parcelamento (TRF-4 HC 200604000351315).
Com a edição da Lei 10.684⁄2003, deu-se nova disciplina aos efeitos penais do pagamento do tributo, nos casos dos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990, e 168-A e 337-A do Código Penal, tendo a mencionada norma silenciando sobre o limite temporal para a suspensão da pretensão punitiva e para a extinção da punibilidade.
Quanto à suspensão da pretensão punitiva, diverge-se na jurisprudência quanto à possibilidade de as disposições do artigo 9º da Lei 10.684⁄2003 serem aplicáveis quando o parcelamento se dá após o trânsito em julgado da sentença condenatória, uma vez que o dispositivo faz menção à pretensão punitiva. Há entendimentos tanto no sentido de não se admitir a suspensão da pretensão executória estatal no caso de simples parcelamento do débito tributário, ocorrido posteriormente ao trânsito em julgado da ação penal por crime dessa natureza (TRF-2 AGEPN 201050010097390), bem como no sentido de suspender a execução provisória das penas e a respectiva prescrição (TRF-4 HC 200371070124947).
Quanto à extinção da punibilidade, a jurisprudência passou a entender que a nova disciplina trazida pelo artigo 9º da Lei 10.684⁄2003, por ser mais benéfica ao réu, deveria ser aplicada retroativamente aos que comprovassem o adimplemento total dos débitos decorrentes da falta de recolhimento de tributos (STJ REsp 701.848), a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (STJ HC 232.276). O mero fato de o acusado não mais integrar a sociedade no momento do descumprimento das obrigações assumidas no parcelamento não implica a extinção de sua punibilidade, porquanto segue condicionada ao pagamento integral do débito (STJ RHC 20.558).
No tocante ao parcelamento previsto na Lei 11.941/2009, o legislador ordinário, diferentemente do que estabelecera nos programas de parcelamento previstos nas Leis 9.249/1995, 9.964/2000 e 10.684⁄2003, deixou a cargo do contribuinte indicar quais os débitos que deseja ver abrangidos pelo acordo (TRF-4 RSE 00015298720064047213), de modo que, nas hipóteses de incidência do referido texto normativo o simples pedido de inclusão do débito tributário na mencionada benesse fiscal passou a implicar, independentemente de outras formalidades, a suspensão dos procedimentos administrativos fiscais que visem à apuração dos crimes contra a ordem tributária indicados no artigo 9º, caput, da Lei 10.684/03 (STJ AgR-REsp 972.984), impedindo a instauração ou o prosseguimento da ação penal, a contagem do prazo prescricional respectivo, bem como a continuidade de feito visando à condenação pelo crime de uso de documento falso em sua forma autônoma, uma vez que este delito-meio, inexoravelmente, resta absorvido pelo hipotético crime-fim de sonegação fiscal (STJ HC 75.599), até que se torne definitiva a situação do crédito em face da manifestação da autoridade tributária na fase de consolidação (TRF2 RSE 201150010083989). O benefício da suspensão, entretanto, não se aplica às contribuições previdenciárias descontadas dos trabalhadores (STJ AgR-REsp 841.335).
Diferente é a situação do crédito tributário com exigibilidade suspensa em face da adesão de município ao Parcelamento Especial regido pela Lei 11.960/2009. Aqui, o parcelamento do débito implica a extinção da punibilidade do prefeito ou do ordenador de despesas, tendo em vista que o débito existente será necessariamente quitado ao longo do tempo. Eventual inadimplência, decorrente da falta de pagamento na data de vencimento, será sanada por meio da retenção direta do Fundo de Participação dos Municípios, conforme estabelece o artigo 96, parágrafo 4º do referido diploma legal (2ª CCR Processo 115000000609/2009-47).
Importa, por fim, chamar a atenção para o artigo 6º da Lei 12.382/2011, que deu nova redação ao artigo 83 da Lei 9.430/1996, mediante o qual o legislador voltou a exigir expressamente que a adesão aos programas de parcelamento, para fins de suspensão da pretensão punitiva, deve ocorrer antes do início da ação penal, nos mesmos termos do que previa a Lei 9.964/2000. O entendimento vigente durante a norma anterior (artigo 68 da Lei 11.941/2009) era o de que bastava o parcelamento para que fosse determinada a suspensão da pretensão punitiva, pouco importando se já havia ou não ação penal em curso, decorrendo tal interpretação do artigo 9º da Lei 10.684/2003. Por se tratar de lei mais gravosa, a inovação legislativa somente terá aplicação aos crimes cometidos após 1º de março de 2011, data do início da vigência da Lei 12.382/2011, nos termos do artigo 7º. Dessa forma, nos crimes cometidos até 28 de fevereiro de 2011, terá o acusado direito à suspensão do andamento do feito, caso concedido o parcelamento, independentemente de ter havido ou não o recebimento da denúncia na ação penal, assim como será declarada extinta a sua punibilidade caso efetue o pagamento integral do tributo, ocorrendo este antes ou depois do recebimento da peça inicial acusatória (TRF-2 RSE 201050010041589).

Sancionada lei de parcelamento de débitos previdenciários

A presidente Dilma Roussef sancionou na quarta-feira (15/5) a Lei 12.810/2013, que prevê novo parcelamento de débitos relativos a contribuições previdenciárias dos estados, municípios e Distrito Federal para com a Fazenda Nacional. A nova lei é concede 20 anos para pagamento, ou 1% da receita corrente. Ela é resultado da conversão da Medida Provisória 589/2012.
Segundo a tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários (IPET) e sócia do escritório Queiroz Advogados Associados, uma das razões para a edição da lei é o número baixo de municípios em situação regular com a Fazenda.
“Apenas 682 municípios brasileiros, dos 5.664, não têm pendências. E como precisam estar em situação regular para receber recursos do Fundo de Participação, esse novo parcelamento evita litígios judiciais entre a União e, principalmente, os municípios”, disse.
De acordo com a tributarista, já tinha havido parcelamentos similares em 1998 (Lei 9.639/1998) e 2005 (Lei 11.196/2005). Com a nova lei, o pagamento do parcelamento pode passar dos 20 anos.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Entidades de advocacia reagem ao comentário derrespeitoso do Presidente do Supremo Joaquim Barbosa

A brincadeira do ministro Joaquim Barbosa sobre o horário que os advogados acordam não foi bem recebida pelas entidades de advocacia. Durante discussão no Conselho Nacional de Justiça sobre o horário de funcionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que limitou o horário de atendimento aos advogados à partir das 11h, o ministro Joaquim Barbosa afirmou: “Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?”. Diante da provocação, representantes da advocacia reagiram com críticas à Barbosa, afirmando que a postura não condiz com a importância do cargo ocupado pelo ministro.
“É motivo de profunda preocupação a conduta incompatível com o exercício do cargo. Todas as profissões são honradas quando exercidas com ética e responsabilidade, sendo essa a expectativa de toda a sociedade diante da tão nobre e fundamental missão do Conselho Nacional de Justiça”, afirmou o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), José Horário Halfeld Rezende Ribeiro.
Em nota, o Movimento de Defesa da Advocacia (MDA) classificou como inadequada e deselagante a afirmação do ministro. “Ainda que tal manifestação tenha se dado em tom 'de brincadeira', como teria justificado posteriormente S.Exa., o fato é que posturas desse jaez não se coadunam, em absoluto, com a importância e a liturgia do cargo de Presidente da Suprema Corte da Nação e simultaneamente do Conselho Nacional de Justiça”.
A Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) classificou a atitude de Joaquim Barbosa como “absolutamente lamentável, que atenta contra a dignidade da classe dos advogados e que não se coaduna com o comportamento que se espera do presidente do CNJ, assim como da mais alta corte do país”. Segundo a Aasp, esta e as demais declarações do ministro tem “claro propósito de minimizar o alcance e a relevância de prerrogativas profissionais exercidas em benefício de toda a sociedade”.
Em nota pública, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil classificou a declaração preconceituosa e desprovida de conhecimento da realidade do trabalho da classe. “O advogado acorda cedo e dorme tarde, vigilante na defesa do cidadão”, diz a nota. “É lamentável que instituições sejam obrigadas a gastar energia com afirmações preconceituosas.”
Leia abaixo a íntegra das notas
IASP
O Instituto dos Advogados de São Paulo — IASP manifesta seu repúdio pelo comentário desrespeitoso do ministro Joaquim Barbosa, manifestado na sessão de ontem do Conselho Nacional de Justiça, de que: "Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?". É motivo de profunda preocupação a conduta incompatível com o exercício do cargo. Todas as profissões são hornadas quando exercidas com ética e responsabilidade, sendo essa a expectativa de toda a sociedade diante da tão nobre e fundamental missão do Conselho Nacional de Justiça.
MDA
O Movimento de Defesa da Advocacia — MDA, na qualidade de entidade cujos objetivos estatutários se fundam na valorização da Advocacia e na defesa intransigente das prerrogativas profissionais, tendo em vista as notícias veiculadas pela imprensa, vem a público manifestar sua perplexidade e frontal desaprovação com a forma inadequada e deselegante a que se referiu o Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça Ministro Joaquim Barbosa à classe dos Advogados, ao verbalizar, também segundo o noticiário e durante sessão do CNJ ocorrida no último dia 14/05, como um dos fundamentos para negar a pretensão de restrição de entrada junto aos Fóruns do Estado de São Paulo os seguintes dizeres “Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?”
Ainda que tal manifestação tenha se dado em tom “de brincadeira”, como teria justificado posteriormente S.Exa., o fato é que posturas desse jaez não se coadunam, em absoluto, com a importância e a liturgia do cargo de Presidente da Suprema Corte da Nação e simultaneamente do Conselho Nacional de Justiça.
A Advocacia não se cala diante dos episódios mais sombrios vividos na História, de modo que também não poderá se calar em todas e quaisquer situações em que não apenas as prerrogativas profissionais sejam violadas, mas também quando as manifestações do Chefe do Poder Judiciário brasileiro ou de qualquer Autoridade não se mostrem compatíveis com o Estado Democrático de Direito.
AASP
Na data de ontem, o Egrégio Conselho Nacional de Justiça retomou o julgamento do procedimento de controle administrativo proposto pela Associação dos Advogados de São Paulo, em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo, e o Instituto dos Advogados de São Paulo, em que se objetiva a revogação do Provimento CSM nº 2.028, de 17 de janeiro de 2013, por meio do qual o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contrariando dispositivo expresso na Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), reserva o período das 9h às 11h apenas para serviços internos e impede o atendimento e até mesmo o mero ingresso de advogados, em todos os Fóruns do Estado, antes das 11 horas da manhã.
Durante a referida sessão, o presidente daquele colegiado, ministro Joaquim Barbosa, visivelmente incomodado com a dificuldade que enfrentava para convencer seus pares de que sua opinião pessoal sobre o assunto deveria prevalecer, mesmo diante do texto expresso de uma lei federal e da jurisprudência do próprio órgão, indagou de forma jocosa: “Mas a maioria dos advogados não acorda lá pelas 11 horas mesmo?”
Trata-se de atitude absolutamente lamentável, que atenta contra a dignidade da classe dos advogados e que não se coaduna com o comportamento que se espera do presidente do CNJ, assim como da mais alta corte do país.
Por essa razão, a AASP vem a público manifestar seu veemente repúdio, não apenas a esta, como também às reiteradas manifestações do ministro Joaquim Barbosa de desapreço pela advocacia, emitidas com o claro propósito de minimizar o alcance e a relevância de prerrogativas profissionais exercidas em benefício de toda a sociedade.
OAB
A Diretoria do Conselho Federal da OAB vem a público reafirmar o valor dos advogados brasileiros, essencial à defesa do cidadão e indispensável à realização da justiça, como estatuído pela Constituição Federal.
O advogado acorda muito cedo e dorme muito tarde, sempre vigilante em defesa do cidadão, principalmente quando injustiçado por autoridades arbitrárias.
Ao anunciar que a maioria dos advogados acorda às 11 horas, o presidente do Supremo Tribunal Federal demonstra completo desconhecimento da realidade sofrida e de extrema dificuldade enfrentada pela advocacia brasileira.
É lamentável que instituições sejam obrigadas a gastar energia com afirmações preconceituosas. O momento atual impõe serenidade, equilíbrio e respeito. A OAB faz um chamamento à razão. As instituições da República devem se preocupar com as graves questões que afligem a sociedade. Comentários desrespeitosos não contribuem para a construção de uma nação fraterna e justa.
A OAB e a advocacia reafirmam a sua disposição ao diálogo de alto nível, pautado no cumprimento dos valores constitucionais e na busca da efetividade da justiça.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Direito penal é dividido entre infanto-juvenil e adulto

Por Luiz Otavio de Oliveira Amaral

Vemos a toda hora um bombardeio de informações e referência etárias de tratamento de jovens que "cometem crime". Maior parte desse bombardeio é de matérias e informações manipuladas por má-fé ou por ignorância. Ultimamente temos visto nas redes sociais, nas TVs e na mídia impressa menções a tabelas de idade mínimas para fins criminais nos diversos países.
É preciso entender o que consta nessa tabela e relatório. É que em matéria de Direito criminal no mundo ocidental temos dois grandes sistemas punitivos: o do discernimento e o etário, naquele se apura se jovem teve útil entendimento de seu ato, se teve, deve responder pelo que fez, segundo os tratamentos estabelecidos pelo Direito, se não teve, se livra do Direito penal/criminal, mas podendo haver medidas preventiva-protetivas. Já no sistema etário tudo depende da idade do jovem, como conhecemos aqui no Brasil. Em qualquer dos dois sistemas penal temos três marcos etários sinalizam o início da responsabilidade (=responder pelo que fez perante o Estado-juiz). O primeiro marco etário gira em torno de 10 a 12 anos na maioria dos países e a partir daí é que a criança pode ser alcançada pelo sistema penal geral, porém nessa primeira fase o tratamento penal é especialmente concebido atendendo à situação biopsicossocial do autor do crime, que não é um adulto de calças curtas! Aqui no Brasil a idade mínima para a atuação penal contra a criança começa aos 12 anos e segue o regime especial do ECA. Antes dos 12 anos é impossível o dolo criminal (=potencial consciência do ilícito criminal, intenção do resultado ilícito-criminal), logo impossível qualquer punição, nem mesmo pelo ECA.
O segundo marco etário no Direito criminal se dá por volta dos 16 anos, aqui o adolescente (a adolescência se encera pelos 20/22 anos) já começa a ter uma repressão penal mais severa ("cadeia de menor"), contudo ainda dentro do ECA. No terceiro marco etário que se inicia aos 18/21 anos e é a partir daí que a repressão penal é de máxima severidade (retribuição do mal, intimidação pessoal...), eis o Direito Penal do adulto, ou ainda do jovem-adulto em sua primeira fase etária.
Podemos dizer que O Direito Penal geral no mundo está dividido em dois segmentos: o Direito Penal infanto-juvenil que pune na faixa etária que vai dos 10 aos 18 anos, embora numa etapa inicial (de 10 a 16 anos) de modo menos repressivo e mais protetivo, na etapa seguinte (de 16 a 18/21 anos) já com medidas mais repressivas, mais severas. A partir dessa etapa (dos 18/21) há o Direito Penal dos adultos, ou seja, o ser humano cujo desenvolvimento geral básico já está encerrado, nessa etapa, em muitos países, há ainda um tratamento especial ao jovem-adulto que vai até 21/22 anos. Em alguns países também se faz uma mescla do sistema do discernimento com o do sistema etário, tudo para se apurar melhor a justiça do caso concreto e a utilidade da retribuição penal, que não deve ser uma vingança oficializada.
A capacidade de dolo que o mundo inteiro busca descobrir no homem na hora de puni-lo criminalmente é bem mais exigente que a capacidade eleitoral de votar. Para que o dolo criminal se configure faz-se necessário a consciência do ilícito criminal, para votar basta o querer e o ter a idade legal mínima.
Entenda-se de uma vez por todas do que muitos falam e escrevem, porém sem entenderem do que se trata. A manipulação de informações é um absurdo em matéria tão estratégica e delicada. O marco da idade mínima do jovem/adolescente para responder (ter responsabilidade) criminalmente pode ser elevado ou reduzido (10, 12, 16, 18, 21 anos), pois se trata de uma questão de política criminal com consequências internas (sociais...) e internacionais (tratados e nos exporá mal). Contudo, distorcer e enganar a opinião publica com a afirmação de essa redução irá trazer redução nos índices de violência criminal, não há o menor indício para essa "certeza" tão perigosa para o país. A maioria dos países mantem e tem elevado para 18 anos a idade para o jovem/adolescente responda como adulto. No Brasil com nossa grande população e com crescente população carcerária (adultos) já impossível qualquer separação ou classificação de presos, ou tratamento diferenciado. É preciso que se conheça a cultura jurídico-social do país referência, além de suas condições gerais, só destacar uma cifra uma idade é manipulação da realidade. A idade mínima para a responsabilidade penal que se tem obscuramente divulgado (10, 12, 13, 16 anos) aqui no Brasil corresponde a 12 anos, conforme previsto no ECA. Tanto lá fora como aqui esse mínimo indica o início da jurisdição criminal infanto-juvenil (aqui é Vara da Infância e da Adolescência, ex-juizados de menores), com penas apropriadas e por lei própria (aqui é o ECA).
O Sistema Austríaco, bem modelar nos dias de hoje, prevê até os 19 anos a aplicação da Lei de Justiça Juvenil (JGG). Dos 19 aos 21 anos as penas são atenuadas. Só depois dos 21 anos é que as penas e a justiça são as comuns, as de adulto. Até 21 anos o jovem tem direto e o Estado dever de dispensar tratamento criminal específico e diferenciado do que é aplicável aos adultos. "Em verdade, para determinar as consequências da prática de um crime, nunca foi irrelevante a idade do autor." (vide meu ensaio "A atual Problemática do menor" (Rev. Informação Legislativa, Senado Fed., nº 61, 1979). Se não antes, pelo menos desde a Lei das Dozes Tábuas (450 aC) e hoje, com todo o progresso do mundo, a tendência não é a redução da idade mínima para imputabilidade penal, mas sim e à luz das convenções internacionais e estudos da ONU, a garantia de proteção do infanto-juvenil que deve ter sanção criminal sim, a partir da idade mínima na infância, no Brasil a partir de 12 anos, contudo em justiça (jurisdição) a parte e com penas atendendo à fase de desenvolvimento geral do autor (jovem/adolescente). "Se o princípio da retribuição é justiça em todos os seus aspectos, segundo Kelsen "psicologicamente tem ele raiz no instinto vingativo do homem." (cf. "A justiça e o Direito Natural").
A tabela, tão mal aproveitada aqui entre nós, é pesquisa da Unicef, órgão da ONU e traz levantamentos recentes. Da informação de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo, a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro. No que concerne à idade mínima inicial para que esses sistemas de justiça especializada tenham incidência, observa-se que dos 53 países pesquisados, sem contar o Brasil, a predominância é a fixação do início da responsabilidade juvenil entre 13/14 anos, o que se expressa em 25 países da lista (47%).
Por fim, como é de conhecimento público, o Unicef expressou sua posição contrária à redução da idade penal, assim como a qualquer alteração desta natureza, em face dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro com a ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente das Nações Unidas (ONU) e outros documentos internacionais e porque tal proposta contraria as principais tendências de administração da justiça da infância e adolescência no mundo, como podemos compreender na tabela abaixo.
Vejamos abaixo os dois marcos etários da justiça criminal nos principais países: na segunda coluna, após o nome do país, temos a idade mínima para o jovem (no Brasil 12 anos) começar a responder criminalmente, antes dessa idade mínima não há qualquer repercussão criminal; já na segunda coluna vemos a idade de início da responsabilidade criminal na segunda jurisdição penal, a do adulto. Na terceira coluna há observações explicativas. (LOA).

Maioridade
Alemanha1418/21De 18 a 21 anos o sistema alemão admite o que se convencionou chamar de sistema de jovens adultos, no qual mesmo após os 18 anos, a depender do estudo do discernimento podem ser aplicadas as regras do Sistema de Justiça Juvenil. Após os 21 anos a competência é exclusiva da jurisdição penal tradicional/adulto.
Brasil1218O Art. 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas socioeducativas previstas na Lei.
Escócia8/1616/21Também se adota, como na Alemanha, o sistema de jovens adultos. Até os 21 anos de idade podem ser aplicadas as regras da justiça juvenil. Depois dos 21 anos, a justiça criminal é a de adulto.
Espanha12  18/21A Espanha também adota um Sistema de Jovens Adultos com a aplicação da Lei Orgânica 5/2000 para a faixa dos 18 aos 21 anos
França1318Os adolescentes entre 13 e 18 anos gozam de uma presunção relativa de irresponsabilidade penal. Quando demonstrado o discernimento e fixada a pena, nesta faixa de idade (Jeune) haverá uma diminuição obrigatória. Na faixa de idade seguinte (16 a 18) a diminuição fica a critério do juiz.
Inglaterra e Países de Gales10/1518/21Embora a idade de início da responsabilidade penal na Inglaterra esteja fixada aos 10 anos, a privação de liberdade somente é admitida após os 15 anos de idade. Isso porque entre 10 e 14 anos existe a categoria Child  e de 14 a 18 Young Person, para a qual há a presunção de plena capacidade e a imposição de penas em quantidade diferenciada das penas aplicadas aos adultos. De 18 a 21 anos, há também atenuação das penas aplicadas. Depois de 21 anos, a Justiça aplicável é a comum, a de adulto.
Itália14   18/21Sistema de Jovens Adultos até 21 anos.
Japão1421A Lei Juvenil Japonesa embora possua uma definição delinquência juvenil mais ampla que a maioria dos países, fixa a maioridade penal aos 21 anos.
Países Baixos1218/21Sistema de Jovens Adultos até 21 anos.
Portugal1216/21Sistema de Jovens Adultos até 21 anos.
Suécia1515/18Sistema de Jovens Adultos até 18 anos.
Suíça7/1515/18Sistema de Jovens Adultos até 18 anos.
Turquia1115Sistema de Jovens Adultos até os 20 anos de idade.
Estados Unidos da América10    12/16Na maioria dos Estados do país, adolescentes com mais de 12 anos podem ser submetidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive com a imposição de pena de morte ou prisão perpétua. O país não ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.